Quase nove meses depois da erupção gigantesca do vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai, em 15 de janeiro, os aerossóis liberados pelo vulcão submarino seguem alterando as cores do céu e impressionando os observadores no Hemisfério Sul. Os relatos ocorrem no Brasil, Uruguai, Argentina, Austrália, Nova Zelândia e até na Antártida de cores vibrantes no céu, sobretudo o rosa, no amanhecer e no fim da tarde.

Cientistas atmosféricos especializados em aerossóis confirmam que o nascer e o pôr do sol iluminados com cores mais vibrantes têm sido causados ​​pelo que se denomina de afterglow ou “resplandecer” da erupção vulcânica de Tonga seis meses atrás. O serviço meteorológico Niwa (National Institute of Water and Atmospheric Research), da Nova Zelândia, diz que há meses sua equipe de previsão é “inundada” com mensagens do público com imagens de céus excepcionalmente vibrantes antes do amanhecer e depois do anoitecer.

A equipe de previsão da Niwa buscou respostas junto à Estação de Pesquisa Atmosférica Lauder que confirmou que seu instrumento terrestre Lidar (Light Detection and Ranging) detectou picos incomuns em aerossóis na estratosfera. Os aerossóis se originam da nuvem de gás e cinzas que foi ejetada quando o vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai entrou em erupção em 15 de janeiro.

Pesquisadores do Institut Pierre-Simon Laplace em Paris, usando análise de dados de satélite, descobriram que as concentrações de aerossóis estratosféricos da erupção triplicaram entre 35°S-45°S desde abril. Os aerossóis estratosféricos mudam a maneira como a luz se espalha.

Normalmente, no nascer ou pôr do sol, as nuvens que se transformam nas cores mais vibrantes. No entanto, quando aerossóis estratosféricos estão presentes após uma erupção vulcânica, eles espalham a luz. Como as cores atingem sua maior intensidade depois que o sol se põe ou antes de nascer, os crepúsculos vulcânicos são conhecidos como “resplandecer”, o aftwerglow.

Os avistamentos de cores mais vibrantes no céu do Sudeste do Brasil e em cidades dos estados do Sul do país tiveram início ainda nos dias seguintes à erupção, mas passado meio ano do evento geológico no Pacífico Sul as cores do céu seguem sendo influenciadas pela erupção de Tonga, no Pacífico Sul.

Fim de tarde de 3 de setembro em Torres (RS) | GABRIEL ZAPAROLLI

Fim de tarde de 3 de setembro em Irati (PR) | IGOR ROIK

Fim de tarde em Porto Alegre (RS) em 31 de agosto | FERNANDO OLIVEIRA

Esta não é a primeira vez que o Hemisfério Sul experimenta esse fenômeno natural. Depois que o Monte Pinatubo, nas Filipinas, entrou em erupção em 1991, o brilho realçado do pôr do sol persistiu em graus variados por meses. O cientista atmosférico de Niwa, Ben Liley, recorda que o vulcão Tonga injetou muito menos dióxido de enxofre na atmosfera – 0,4 milhão de toneladas – em comparação com 10 a 15 milhões de toneladas de Pinatubo.

Por outro lado, levou muito mais vapor de água porque entrou em erupção debaixo d’água. “O dióxido de enxofre é o que geralmente causa o resfriamento global após uma erupção. “O interesse científico é em como o vapor de água altera a química da estratosfera, o que teria seus próprios efeitos”, explica.

O principal cientista de Niwa para atmosfera e clima, Olaf Morganstern, destaca que ao nível do mar, cerca de 1% da atmosfera é água, mas na estratosfera, cai para apenas várias partes por milhão de moléculas de ar. “Uma grande erupção vulcânica de um vulcão submarino pode aumentar isso visivelmente. O vapor de água estratosférico é um potente gás de efeito estufa, prendendo o calor da Terra, então o aumento reverte o efeito de resfriamento dos aerossóis”, afirma.

Céu rosa na Antártida

Os céus da Antártida ficaram com uma cor rosa espetacular recentemente pelos aerossóis lançados na atmosfera pela erupção de Tonga. Stuart Shaw, um técnico de ciências que trabalha na Antarctica Scott Base, da Nova Zelândia, postou foto no Instagram em 7 de julho. “Acredite ou não, eu também não editei essas cores, elas são praticamente como as vimos”, disse. “É incrível”, resumiu.

A coloração resulta de partículas na atmosfera que podem percorrer grandes distâncias e por longos períodos após a explosão de um vulcão. Um comunicado de imprensa do Instituto Nacional de Água e Pesquisa Atmosférica da Nova Zelândia (NIWA) explicou o fenômeno. “Aerossóis estratosféricos podem circular pelo globo por meses após uma erupção vulcânica, espalhando a luz à medida que o sol se põe ou se eleva abaixo do horizonte, criando um brilho no céu com tons de rosa, azul, roxo e violeta”, explica o comunicado.

Aerossóis de erupções vulcânicas podem permanecer no céu por cerca de dois anos, durante os quais se espalham e cobrem praticamente o globo, segundo a NASA. Eles refletem a luz solar de volta ao espaço, criando cores estranhas. A cor e a intensidade dependem de material particulado, neblina ou nuvens. Quando ar mais frio e seco alcança o Sul do Brasil e, assim, a atmosfera fica mais limpa e o céu claro, a interferência dos aerossóis fica mais evidente no céu, como foi o caso do entardecer de ontem.

Vulcão liberou vapor d´água em nível maciço na atmosfera

A enorme quantidade de vapor de água lançada na atmosfera na erupção de janeiro do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai pode acabar aquecendo temporariamente a superfície da Terra. É o que divulgou a NASA, a agência espacial dos Estados Unidos, a partir de estudo de seus cientistas. Em janeiro, logo após a erupção, a cogitação era contrária entre alguns pesquisadores que especulavam a possibilidade de um pequeno resfriamento.

TONGA GEOLOGICAL SERVICE

Quando o vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai entrou em erupção em 15 de janeiro, houve um tsunami que atingiu todos os oceanos de planeta e ainda um estrondo sônico que circulou o globo duas vezes. A erupção submarina no Oceano Pacífico Sul também lançou uma enorme nuvem de vapor de água na estratosfera da Terra, o suficiente para encher mais de 58.000 piscinas olímpicas.

“Nunca vimos nada parecido”, disse Luis Millán, cientista atmosférico do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), da NASA, no Sul da Califórnia. O pesquisador liderou um novo estudo examinando a quantidade de vapor de água que o vulcão de Tonga injetou na estratosfera, a camada da atmosfera entre cerca de 12 quilômetros e 53 quilômetros acima da superfície da Terra. A explosão do vulcão chegou a ser ouvida a dez mil quilômetros de distância.

No estudo publicado na Geophysical Research Letters, Millán e seus colegas estimam que a erupção de Tonga enviou cerca de 146 teragramas (1 teragrama equivale a um trilhão de gramas) de vapor d’água para a estratosfera terrestre, igual a 10% da água já presente na camada superior da atmosfera. Isso é quase quatro vezes a quantidade de vapor de água que atingiu a estratosfera na erupção do Pinatubo, em 1991, nas Filipinas, afirma o pesquisador.

Millán analisou dados do instrumento Microwave Limb Sounder (MLS) do satélite Aura da NASA, que mede gases atmosféricos, incluindo vapor de água e ozônio. Depois que o vulcão Tonga entrou em erupção, a equipe da MLS começou a ver leituras de vapor de água que estavam fora dos gráficos. “Tivemos que inspecionar cuidadosamente todas as medições na pluma para garantir que fossem confiáveis”, disse Millán.

Desde que a NASA começou a fazer medições, apenas duas outras erupções – o evento Kasatochi de 2008 no Alasca e a erupção Calbuco de 2015 no Chile – enviaram quantidades apreciáveis ​​de vapor de água para altitudes tão altas na atmosfera. Mas esses foram minúsculos em comparação com o evento de Tonga, e o vapor de água de ambas as erupções anteriores se dissipou rapidamente. O excesso de vapor de água injetado pelo vulcão Tonga, por outro lado, pode permanecer na estratosfera por vários anos.

Esse vapor de água extra pode influenciar a química atmosférica, aumentando certas reações químicas que podem piorar temporariamente a destruição da camada de ozônio. Também pode influenciar as temperaturas da superfície.

Erupções gigantescas como a do Krakatoa (1883) e do Monte Pinatubo (1991) normalmente resfriam a superfície da Terra ao ejetar gases, poeira e cinzas que refletem a luz solar de volta ao espaço. Em contraste, o vulcão Tonga não injetou grandes quantidades de aerossóis na estratosfera, e as enormes quantidades de vapor de água da erupção podem ter um efeito de aquecimento pequeno e temporário, já que o vapor de água retém o calor. O efeito se dissiparia quando o vapor de água extra saísse da estratosfera e não seria suficiente para exacerbar visivelmente os efeitos das mudanças climáticas.

A grande quantidade de água injetada na estratosfera provavelmente só foi possível porque a caldeira do vulcão subaquático, uma depressão em forma de bacia geralmente formada após a erupção de magma ou drenagem de uma câmara rasa sob o vulcão, estava na profundidade certa no oceano: cerca 150 metros para baixo. Se fosse mais raso, não haveria água do mar superaquecida pelo magma em erupção suficiente para explicar os valores estratosféricos de vapor de água que Millán e seus colegas viram. Mais profundo, e as imensas pressões nas profundezas do oceano poderiam ter silenciado a erupção.

Tsunamis e onde choque em escala global

Uma série de estudos está sendo publicada por cientistas sobre a enorme erupção do dia 15 de janeiro deste ano do Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai. Ainda em março, estudo havia mostrado como o tsunami gerado pelo evento vulcânico havia se espalhado pelo mundo. Agora, vários outros estudos trazem mais detalhes de como a erupção se tratou de um evento planetário com medições sísmicas e de infrassom em vários pontos do mundo.

As ondas de choque geradas pela erupção trouxeram súbita variação de pressão atmosférica do Sul ao Norte do Brasil e causaram pequeno tsunami na costa brasileira. O material lançado na atmosfera durante a erupção foi responsável ainda por alterar as cores do céu em várias áreas do Brasil e trouxeram imagens de finais de tarde espetaculares no Sul do país. Na Argentina, a erupção gerou nuvens noctilucentes na Patagônia.

O mais recente estudo sobre a erupção do Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai é capa da edição de 1º de julho da prestigiada revista Science. O trabalho é assinado por mais de 70 cientistas de vários centros de pesquisa. Segundo eles, a erupção de 15 de janeiro de 2022 do vulcão produziu uma explosão na atmosfera de “um tamanho que não foi documentado no registro geofísico moderno”. O evento gerou uma ampla gama de ondas atmosféricas observadas globalmente por várias redes de instrumentação terrestres e espaciais.

A mais intensa se propagou por quatro passagens ao redor da Terra ao longo de seis dias. Conforme medido pelas amplitudes das ondas, “a explosão foi comparável em tamanho à da erupção do Krakatau em 1883”, disseram os especialistas. Segundo eles, a erupção do Hunga produziu notável infrassom (0,01 a 20 hertz e pôde ser ouvida a 10 mil quilômetros de distância do vulcão com perturbações ionosféricas detectadas globalmente.

Sismógrafos em todo o mundo, relatam, registraram ondas sísmicas puras e acopladas ar-solo. O acoplamento ar-mar, dizem os cientistas autores do trabalho, provavelmente contribuiu para tsunamis de chegada rápida. “A erupção foi um evento explosivo incomumente energético”, conforme o estudo, com os gases alcançando a estratosfera.

“Os registros geofísicos da erupção do Hunga trazem conjunto de dados global incomparável de geração e propagação de ondas atmosféricas, oferecendo uma oportunidade para observação, modelagem e validação multitecnologia sem precedentes no registro moderno. A erupção oferece oportunidade ainda extraordinária para avançar na compreensão de fenômenos físicos raramente captados”, ressaltam os pesquisadores.

Muito pouco se sabia sobre a evolução do vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai antes da erupção de 15 de janeiro deste ano. A primeira observação registrada de uma erupção foi em 1912, seguida por outra em 1937 e depois 1988, 2009 e 2014-15. Essas erupções foram todas pequenas, a maior de VEI-2 na escala de erupções, mas com tão poucos eventos não há uma boa compreensão do estilo de atividade, diz o Smithsonian.

A erupção de 1988 foi vista por pescadores e piloto de avião, depois analisada por geólogos. Ocorreu a partir de três aberturas de águas rasas junto à ilha de Hunga Ha’apai, mas não havia nenhuma ilha formada pelo vulcão. A erupção que começou em 17 de março de 2009 teve uma abertura em Hunga Ha’apai e outra submersa a cerca de 100 metros da costa. A ejeção de material vulcânico preencheu o espaço entre elas em alguns dias, expandindo o tamanho da ilha. Após apenas quatro dias, a erupção de 2009 acabou, mas estendeu a ilha em um quilômetro, deixando lagos de crateras emitindo vapor.

A próxima erupção ocorreu de 19 de dezembro de 2014 a 28 de janeiro de 2015. Esse período mais longo de atividade foi centrado entre as ilhas de Hunga Tonga e Hunga Ha-apai e construiu uma nova ilha. Eventualmente, havia tanto material que as ilhas estavam todas conectadas.

Em 20 de dezembro de 2021, uma nova erupção produziu uma pluma de gás e cinzas rica em vapor que subiu a 16 quilômetros (52.500 pés) de altitude. Após quase duas semanas de período de calmaria, a atividade retomou com uma alta fase eruptiva freatomagmática no vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai. Uma explosão espetacular ocorreu, caracterizada por massas escuras e densas de material piroclástico. Uma pluma cada vez maior e densa enviou cinzas até 55.000 pés (17.000 metros) de altitude.  No dia 15 de janeiro, o vulcão teve a sua maior explosão e foi um evento global com tsunami no mar no Pacífico e uma onda de choque planetária que gerou meteotsunami em outros oceanos do planeta.