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A erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai pode estar por trás do aparecimento de raras nuvens na Argentina. No último dia 24 de janeiro, o céu na Patagônia repentinamente se encheu de nuvens noctilucentes (NLCs) que refletem a luz solar horas depois do entardecer. Uma câmera de vídeo em Rio Gallegos (Patagônia) capturou o repentino aparecimento destas nuvens raras na região.

“Que surpresa”, reagiu Gerd Baumgarten, do Instituto Leibniz de Física Atmosférica da Alemanha, que opera a câmera remota para monitorar os céus do Sul da América do Sul para eventos incomuns. “Não vimos nuvens noctilucentes o ano todo e agora, de repente, elas são muito brilhantes”, afirmou ao site Space Weather.

As noctilucentes são as nuvens mais altas da Terra e se formam quando vapor de água alcança até a borda do espaço. O vapor interage com partículas de poeira de meteoros, criando as estruturas azul-elétrico. Estas nuvens são, literalmente, poeira cósmica congelada.

Normalmente nesta época do ano, as raras nuvens noctilucentes ficam confinadas dentro da região do Círculo Antártico e, desta forma, fora do território continental da América do Sul. Portanto, é uma surpresa vê-las irrompendo em latitudes mais baixas como a de Rio Gallegos, cidade patagônica da Argentina situada a 51,6ºS.


O que provocou o aparecimento das nuvens? Possivelmente o material vulcânico liberado na atmosfera pela erupção de 15 de janeiro do vulcão de Tonga. A erupção do Hunga Tonga–Hunga Ha’apai lançou uma nuvem de cinzas, dióxido de enxofre e vapor de água a mais de 55 quilômetros de altura. Baumgarten e outros estão investigando a possibilidade de que o vapor de água do vulcão tenha atingido a mesosfera, criando uma onda de nuvens noctilucentes.

Para confirmar que são realmente NLCs, Natalie Kaifler, do Centro Aeroespacial Alemão (DLR), analisou as nuvens usando um radar a laser em Rio Grande, Terra do Fogo, no Sul da Argentina. Os ecos retornaram de 85 quilômetros acima da superfície da Terra, ou seja, as nuvens estavam em altitude muitíssimo acima das nuvens que costumamos ver e que, no caso das tempestades (Cumulonimbus), atingem no máximo 20 quilômetros de altura.

Novos dados da espaçonave AIM da NASA confirmam que algo aconteceu na mesosfera. Esta animação com duração de oito dias mostra um grande evento de nuvens noctiucentes ao redor do Pólo Sul e que ocorreu justamente depois que o vulcão entrou em erupção.

Especialistas consideram que a nuvem de cinzas, aerossóis sulfurosos e vapor de água a mais de 55 quilômetros de altura, apenas 30 quilômetros abaixo do ponto em que as NLCs se formam, podem ter alcançado depois altitudes maiores por ressurgência natural, levando o vapor d´água até a zona noctilucente. Dados do Microwave Limb Sounder (MLS) da NASA mostram que as condições na mesosfera (onde as NLCs se formam) mudou dias após a erupção. As temperaturas caíram e o vapor de água aumentou, segundo os dados.

O que são as nuvens noctiucentes?

As noctilucentes (NLCs) são as nuvens mais altas da Terra. Semeadas por meteoróides (poeira vinda do espaço), eles flutuam no limite do espaço a cerca de 83 quilômetros acima da superfície. As nuvens se formam quando vapor d’água no verão alcança até a mesosfera, permitindo que a água se cristalize em torno de partículas de poeira de meteoros. A temporada no Hemisfério Sul para NLCs normalmente se estende de novembro a fevereiro.

Nuvens noctilucentes sobre Edmonton, no Canadá, em 2 de julho de 2011 | Dave Hughes/NASA

Nuvens noctilucentes requerem frio extremo. As moléculas de água não vão aderir às partículas cósmicas sem que a temperatura esteja muito baixa. Assim, uma onda de calor em altitude para os padrões locais da Antártida e não como conhecemos, mesmo que breve, já suficiente para que atrase o início da temporada das nuvens noctilucentes.

As nuvens azuis e brancas brilhantes que flutuam cerca de 80 quilômetros na chamada mesosfera durante o verão antártico precisam, assim, todos os três ingredientes para a sua formação: temperaturas extremamente frias, vapor de água e poeira de meteoro.

No verão, a mesosfera sobre a Antártida é mais úmida, pois o ar relativamente úmido que circula da baixa atmosfera traz vapor de água adicional. A poeira do meteoro vem de meteoros, que se transformam em poeira quando caem e queimam na atmosfera. Nuvens noctilucentes se formam quando as moléculas de água se aglutinam em torno da poeira fina e congelam.

Céu mudou de cor no Brasil

Não foram nuvens noctilucentes, mas há vários dias a coloração do céu vem chamando a atenção dos brasileiros ao amanhecer e no fim da tarde. Inicialmente, as imagens do céu cor de rosa ou muito alaranjado ou vermelho vieram de vários estados da Região Sudeste. Nesta semana, o céu deu espetáculo no nascer do sol e no ocaso também em estados do Sul do país. A razão é também a erupção maciça de um vulcão submarino em Tonga, no Pacífico Sul, na metade de janeiro.

Amanhecer de 27 de janeiro de 2022 em Vítória, no Espírito Santo, com coloração do céu diferentes do normal e que chamou a atenção da população | Jefferson Rodrigues/Instagram Pocando na Viagem/Cortesia

Fim de tarde de 1 de fevereiro de 2022 em Ijuí (RS) | Calos Kist

O aspecto do céu muito avermelhado, rosa e laranja decorre de material particulado e aerossóis liberados pela erupção na atmosfera superior. A cinza fina ejetada por uma erupção vulcânica na estratosfera pode ser transportada pelos ventos para todo o mundo. O dióxido de enxofre expelido reage na atmosfera para formar aerossóis de sulfato (aerossóis são partículas minúsculas suspensas no ar). Tanto as cinzas quanto os aerossóis podem espalhar os raios do sol, dando ao nascer e ao pôr do sol as cores mais vibrantes que se têm observado.

Partículas no ar normalmente espalham a luz solar recebida e é por isso que o céu é azul durante o dia. Quando o Sol se põe ou nasce, os raios atingem as camadas superiores da atmosfera e os comprimentos de onda são divididos e refletidos em vez de serem absorvidos. O pôr do sol (e o nascer do sol) parecem avermelhados porque os raios do sol têm mais da atmosfera a percorrer e apenas as ondas mais longas na extremidade vermelha do espectro se destacam. Os aerossóis de sulfato, em particular, podem intensificar tal efeito, adicionando mais obstáculos para a passagem da luz.

A erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai, em Tonga, a maior no planeta em três décadas e que trouxe devastação em áreas próximas, ocorrida no dia 15 de janeiro, liberou 0,4 Tg (teragrama) ou 400 mil toneladas de dióxido de enxofre na atmosfera, acompanhando as cinzas e gases que alcançaram a altura da estratosfera, o que somente ocorre em episódios de grande intensidade.

Os aerossóis do Hunga Tonga-Hunga Haʻapai não representam nenhuma ameaça para a população e estão sendo transportadas na atmosfera em grandes altitudes. Não é a primeira vez que uma pluma vulcânica alcança o Brasil, mas os episódios anteriores documentados eram de vulcões na região, nos Andes, como o Lascar (1993) e o Puyehue-Cordón Caulle (2011) com impactos mais no Sul do Brasil.

Nos dois eventos, cinzas se precipitaram sobre o Rio Grande do Sul e em 2011 a qualidade do ar chegou a ser péssima em um dia em Porto Alegre e houve muitos reflexos para o transporte aéreo da capital gaúcha, onde muitos voos foram cancelados. A pluma de cinzas do chileno Puyehue-Cordón Caulle deu a volta ao mundo pelo Hemisfério Sul e chegou a causar cancelamentos de voos na Austrália, mas a pluma se deslocava em altitudes menores.

O notável neste episódio de agora é a documentação visual possivelmente inédita de material  vulcânico alcançando o Brasil a partir de uma erupção ocorrida fora da América do Sul. Apesar de a erupção do Hunga Tonga-Hunga Haʻapai ter sido a maior em décadas, com onda de choque que causou variação de pressão no mundo inteiro e documentada em estações brasileiras, assim como tsunami em todos os oceanos do planeta e de pequena altura no litoral do Brasil, a erupção de 1991 do Pinatubo foi muito mais potente. Só que à época, apesar de existirem satélites meteorológicos, o foco era observar nuvens e não havia tecnologia com sensores como hoje.

Erupção do vulcão em Tonga em 15 de janeiro de 2022 | CIRA

Os pesquisadores ainda discutem se o material liberado na atmosfera impactará o clima no Hemisfério Sul. O cientista Jim Salinger, que pesquisou os impactos de grandes erupções vulcânicas, incluindo a do Pinatubo, no clima da Nova Zelândia, disse à rádio estatal do país que não foi uma erupção tão grande quanto a de 1991 nas Filipinas e não teria um impacto global no clima, mas poderia haver alguns efeitos locais no Hemisfério Sul, o que inclui a América do Sul. Salinger disse que pode levar alguns meses para os efeitos começarem a ser sentidos com um resfriamento de cerca de 0,1ºC a 0,5ºC durando até a primavera.

O vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai

Muito pouco se sabe sobre a evolução do vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai, afirma o Programa de Vulcanismo Global do Smithsonian. A primeira observação registrada de uma erupção foi em 1912, seguida por outra em 1937 e depois 1988, 2009 e 2014-15. Essas erupções foram todas pequenas, a maior de VEI-2 na escala de erupções, mas com tão poucos eventos não há uma boa compreensão do estilo de atividade, diz o Smithsonian.

A erupção de 1988 foi vista por pescadores e piloto de avião, depois analisada por geólogos. Ocorreu a partir de três aberturas de águas rasas junto à ilha de Hunga Ha’apai, mas não havia nenhuma ilha formada pelo vulcão. A erupção que começou em 17 de março de 2009 teve uma abertura em Hunga Ha’apai e outra submersa a cerca de 100 metros da costa. A ejeção de material vulcânico preencheu o espaço entre elas em alguns dias, expandindo o tamanho da ilha.

Após apenas quatro dias, a erupção de 2009 acabou, mas estendeu a ilha em um quilômetro, deixando lagos de crateras emitindo vapor. A próxima erupção ocorreu de 19 de dezembro de 2014 a 28 de janeiro de 2015. Esse período mais longo de atividade foi centrado entre as ilhas de Hunga Tonga e Hunga Ha-apai e construiu uma nova ilha. Eventualmente, havia tanto material que as ilhas estavam todas conectadas.

Em 20 de dezembro de 2021, uma nova erupção produziu uma pluma de gás e cinzas rica em vapor que subiu a 16 quilômetros (52.500 pés) de altitude. Após quase duas semanas de período de calmaria, a atividade retomou com uma alta fase eruptiva freatomagmática no vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai. Uma explosão espetacular ocorreu às 15h14 UTC da quinta, caracterizada por massas escuras e densas de material piroclástico. Uma pluma cada vez maior e densa enviou cinzas até 55.000 pés (17.000 metros) de altitude. No dia 15 de janeiro, o vulcão teve a sua maior explosão e foi um evento global com tsunami no mar no Pacífico e uma onda de choque planetária que gerou meteotsunami em outros oceanos do planeta.

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