O céu com aspecto muito avermelhado, rosa e laranja foi assunto nesta semana em Vitória e Vila Velha, no Espírito Santo. Moradores das duas cidades utilizaram as redes sociais para publicar as imagens e a coloração do céu chegou a ser notícia na imprensa local, contudo o que pouquíssimas pessoas sabem é que parte da causa está a mais de 12 mil quilômetros de distância das terras capixabas, de fato no outro lado do planeta, no Pacífico Sul.

Amanhecer de 27 de janeiro de 2022 em Vítória, no Espírito Santo, com coloração do céu diferentes do normal e que chamou a atenção da população | Jefferson Rodrigues/Instagram Pocando na Viagem/Cortesia

A erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai, em Tonga, a maior no planeta em três décadas e que trouxe devastação em áreas próximas, ocorrida no dia 15 de janeiro, liberou 0,4 Tg (teragrama) ou 400 mil toneladas de dióxido de enxofre na atmosfera, acompanhando as cinzas e gases que alcançaram a altura da estratosfera, o que somente ocorre em episódios de grande intensidade.

Pode parecer muito, e realmente é muito, mas erupções recentes na história mundial liberaram muito mais material na atmosfera e que afetaram o clima planetário. O Pinatubo em 1991, por exemplo, ejetou 20 Tg de S02. O vulcão El Chichón de 1982 emitiu 7,5 Tg de dióxido de enxofre. As duas erupções foram as principais nas últimas décadas a interferir no clima do planeta. A energia da explosão do vulcão em Tonga dia 15 foi equivalente a de centenas de bombas atômicas, informou a NASA.

Nenhum grande evento eruptivo adicional foi detectado em Hunga Tonga-Hunga Ha’apai desde então. A pluma de gás, vapor e cinzas produzida durante a erupção, após alcançar a estratosfera, derivou para Oeste. Com base em alertas de cinzas vulcânicas emitidos pelos centros de alerta para a aviação de cinzas (VAAC) de Wellington e depois pelo de Darwin, a extensão horizontal da pluma cresceu de 18.000 quilômetros quadrados em 15 de janeiro para 12 milhões de quilômetros quadrados em 19 de janeiro.

A pluma se estreitou e se alongou ao longo de um eixo de Leste para Oeste, movendo-se na direção Oeste. A pluma continuou a flutuar em altitudes entre 12,8 quilômetros e 19,2 quilômetros entre os dias 19 e22 de janeiro. As cinzas eram difusas e difíceis de se distinguir das nuvens, embora o sinal de dióxido de enxofre fosse mais forte. Em 22 de janeiro, a ponta da pluma atingiu a costa Leste da África. Na sequência, com menor densidade, o material vulcânico cruzou o continente africano e chegou ao Atlântico até atingir a costa brasileira ao redor do dia 25.

Cinzas na costa do Brasil identificadas por satélites

As cores muito vibrantes do céu no Espírito Santo coincidiram justamente com o período em que a pluma vulcânica estava no litoral do Brasil, com maior densidade na costa mais ao Norte da Região Sudeste, pelas imagens de satélite. A Zoom Earth, especializada em imagens de satélite, chegou a fazer uma publicação em suas redes sociais destacando a presença da pluma da erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai na costa do Brasil com cinzas na atmosfera.

A MetSul Meteorologia analisou dia por dia as imagens de satélite com sensores de dióxido de enxofre e outros gases e identificou que a área com profundidade óptica de aerossóis elevada que se observada no litoral do Espírito Santo no dia 26 de janeiro teve deslocamento nas horas e dias anteriores de Leste para Oeste, ou seja, não era resultado de emanações na América do Sul.

Apesar disso, o Sudeste do Brasil no período recebia aerossóis também de uma segunda origem, no caso as queimadas e incêndios que ocorriam pela poderosa onda de calor e a seca no Centro da América do Sul, notadamente no Nordeste da Argentina e no Paraguai. A Argentina está com número de focos de calor por queimadas mais de 400% acima da média histórica de janeiro e o Paraguai igualmente registra número de focos no mês mais de 400% acima dos valores médios mensais.

Parte da fumaça destes incêndios foi transportada por correntes de vento para o Sudeste do Brasil à medida que a bolha de ar quente se expandiu para o Norte e com alta densidade nas imagens de satélite. A divisão de aerossóis da NOAA, a agência de clima do governo dos Estados Unidos, observou que a grande profundidade óptica no Sudeste do Brasil captada pelo satélite GOES-16 na Bolívia, Argentina e Sudeste do Brasil era uma “mistura de incêndios na região com enxofre e cinzas vulcânicas do Hunga Tonga-Hunga Haʻapai.

As cinzas do Hunga Tonga-Hunga Haʻapai não representam nenhuma ameaça para a população e estão sendo transportadas na atmosfera em grandes altitudes. Não é a primeira vez que uma pluma vulcânica alcança o Brasil, mas os episódios anteriores documentados eram de vulcões na região, nos Andes, como o Lascar (1993) e o Puyehue-Cordón Caulle (2011) com impactos mais no Sul do Brasil.

Nos dois eventos, cinzas se precipitaram sobre o Rio Grande do Sul e em 2011 a qualidade do ar chegou a ser péssima em um dia em Porto Alegre e houve muitos reflexos para o transporte aéreo da capital gaúcha, onde muitos voos foram cancelados. A pluma de cinzas do chileno Puyehue-Cordón Caulle deu a volta ao mundo pelo Hemisfério Sul e chegou a causar cancelamentos de voos na Austrália, mas a pluma se deslocava em altitudes menores.

O notável neste episódio de agora é a documentação visual possivelmente inédita de uma pluma vulcânica alcançando o Brasil a partir de uma erupção ocorrida fora da América do Sul. Apesar de a erupção do Hunga Tonga-Hunga Haʻapai ter sido a maior em décadas, com onda de choque que causou variação de pressão no mundo inteiro e documentada em estações brasileiras, assim como tsunami em todos os oceanos do planeta e de pequena altura no litoral do Brasil, a erupção de 1991 do Pinatubo foi muito mais potente. Só que à época, apesar de existirem satélites meteorológicos, o foco era observar nuvens e não havia tecnologia com sensores como hoje.

Os pesquisadores ainda discutem se o material liberado na atmosfera impactará o clima no Hemisfério Sul. O cientista Jim Salinger, que pesquisou os impactos de grandes erupções vulcânicas, incluindo a do Pinatubo, no clima da Nova Zelândia, disse à rádio estatal do país que não foi uma erupção tão grande quanto a de 1991 nas Filipinas e não teria um impacto global no clima, mas poderia haver alguns efeitos locais no Hemisfério Sul, o que inclui a América do Sul. Salinger disse que pode levar alguns meses para os efeitos começarem a ser sentidos com um resfriamento de cerca de 0,1ºC a 0,5ºC durando até a primavera.

O vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai

Muito pouco se sabe sobre a evolução do vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai, afirma o Programa de Vulcanismo Global do Smithsonian. A primeira observação registrada de uma erupção foi em 1912, seguida por outra em 1937 e depois 1988, 2009 e 2014-15. Essas erupções foram todas pequenas, a maior de VEI-2 na escala de erupções, mas com tão poucos eventos não há uma boa compreensão do estilo de atividade, diz o Smithsonian.

Erupção no Pacífico Sul de 15/1/2022 | CIRA

A erupção de 1988 foi vista por pescadores e piloto de avião, depois analisada por geólogos. Ocorreu a partir de três aberturas de águas rasas junto à ilha de Hunga Ha’apai, mas não havia nenhuma ilha formada pelo vulcão. A erupção que começou em 17 de março de 2009 teve uma abertura em Hunga Ha’apai e outra submersa a cerca de 100 metros da costa. A ejeção de material vulcânico preencheu o espaço entre elas em alguns dias, expandindo o tamanho da ilha.

Após apenas quatro dias, a erupção de 2009 acabou, mas estendeu a ilha em um quilômetro, deixando lagos de crateras emitindo vapor. A próxima erupção ocorreu de 19 de dezembro de 2014 a 28 de janeiro de 2015. Esse período mais longo de atividade foi centrado entre as ilhas de Hunga Tonga e Hunga Ha-apai e construiu uma nova ilha. Eventualmente, havia tanto material que as ilhas estavam todas conectadas.

Em 20 de dezembro de 2021, uma nova erupção produziu uma pluma de gás e cinzas rica em vapor que subiu a 16 quilômetros (52.500 pés) de altitude. Após quase duas semanas de período de calmaria, a atividade retomou com uma alta fase eruptiva freatomagmática no vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai. Uma explosão espetacular ocorreu às 15h14 UTC da quinta, caracterizada por massas escuras e densas de material piroclástico. Uma pluma cada vez maior e densa enviou cinzas até 55.000 pés (17.000 metros) de altitude. No dia 15 de janeiro, o vulcão teve a sua maior explosão e foi um evento global com tsunami no mar no Pacífico e uma onda de choque planetária que gerou meteotsunami em outros oceanos do planeta.