O céu com aspecto muito avermelhado, rosa e laranja foi assunto nesta semana em Vitória e Vila Velha, no Espírito Santo. Moradores das duas cidades utilizaram as redes sociais para publicar as imagens e a coloração do céu chegou a ser notícia na imprensa local, contudo o que pouquíssimas pessoas sabem é que parte da causa está a mais de 12 mil quilômetros de distância das terras capixabas, de fato no outro lado do planeta, no Pacífico Sul.
A erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai, em Tonga, a maior no planeta em três décadas e que trouxe devastação em áreas próximas, ocorrida no dia 15 de janeiro, liberou 0,4 Tg (teragrama) ou 400 mil toneladas de dióxido de enxofre na atmosfera, acompanhando as cinzas e gases que alcançaram a altura da estratosfera, o que somente ocorre em episódios de grande intensidade.
Pode parecer muito, e realmente é muito, mas erupções recentes na história mundial liberaram muito mais material na atmosfera e que afetaram o clima planetário. O Pinatubo em 1991, por exemplo, ejetou 20 Tg de S02. O vulcão El Chichón de 1982 emitiu 7,5 Tg de dióxido de enxofre. As duas erupções foram as principais nas últimas décadas a interferir no clima do planeta. A energia da explosão do vulcão em Tonga dia 15 foi equivalente a de centenas de bombas atômicas, informou a NASA.
Nenhum grande evento eruptivo adicional foi detectado em Hunga Tonga-Hunga Ha’apai desde então. A pluma de gás, vapor e cinzas produzida durante a erupção, após alcançar a estratosfera, derivou para Oeste. Com base em alertas de cinzas vulcânicas emitidos pelos centros de alerta para a aviação de cinzas (VAAC) de Wellington e depois pelo de Darwin, a extensão horizontal da pluma cresceu de 18.000 quilômetros quadrados em 15 de janeiro para 12 milhões de quilômetros quadrados em 19 de janeiro.
A pluma se estreitou e se alongou ao longo de um eixo de Leste para Oeste, movendo-se na direção Oeste. A pluma continuou a flutuar em altitudes entre 12,8 quilômetros e 19,2 quilômetros entre os dias 19 e22 de janeiro. As cinzas eram difusas e difíceis de se distinguir das nuvens, embora o sinal de dióxido de enxofre fosse mais forte. Em 22 de janeiro, a ponta da pluma atingiu a costa Leste da África. Na sequência, com menor densidade, o material vulcânico cruzou o continente africano e chegou ao Atlântico até atingir a costa brasileira ao redor do dia 25.
Cinzas na costa do Brasil identificadas por satélites
As cores muito vibrantes do céu no Espírito Santo coincidiram justamente com o período em que a pluma vulcânica estava no litoral do Brasil, com maior densidade na costa mais ao Norte da Região Sudeste, pelas imagens de satélite. A Zoom Earth, especializada em imagens de satélite, chegou a fazer uma publicação em suas redes sociais destacando a presença da pluma da erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai na costa do Brasil com cinzas na atmosfera.
Ash from the #TongaVolcano eruption has now drifted more than half way around the world — to Brazil 🇧🇷
Here you can see the milky-white ash clouds turn brown as the sun sets over the South Atlantic 💨 pic.twitter.com/Ke1rhfcRRL
— Zoom Earth (@zoom_earth) January 24, 2022
A MetSul Meteorologia analisou dia por dia as imagens de satélite com sensores de dióxido de enxofre e outros gases e identificou que a área com profundidade óptica de aerossóis elevada que se observada no litoral do Espírito Santo no dia 26 de janeiro teve deslocamento nas horas e dias anteriores de Leste para Oeste, ou seja, não era resultado de emanações na América do Sul.
Apesar disso, o Sudeste do Brasil no período recebia aerossóis também de uma segunda origem, no caso as queimadas e incêndios que ocorriam pela poderosa onda de calor e a seca no Centro da América do Sul, notadamente no Nordeste da Argentina e no Paraguai. A Argentina está com número de focos de calor por queimadas mais de 400% acima da média histórica de janeiro e o Paraguai igualmente registra número de focos no mês mais de 400% acima dos valores médios mensais.
Parte da fumaça destes incêndios foi transportada por correntes de vento para o Sudeste do Brasil à medida que a bolha de ar quente se expandiu para o Norte e com alta densidade nas imagens de satélite. A divisão de aerossóis da NOAA, a agência de clima do governo dos Estados Unidos, observou que a grande profundidade óptica no Sudeste do Brasil captada pelo satélite GOES-16 na Bolívia, Argentina e Sudeste do Brasil era uma “mistura de incêndios na região com enxofre e cinzas vulcânicas do Hunga Tonga-Hunga Haʻapai.
#GOES16 #ABI aerosol optical depth (AOD) captured thick aerosol over #Bolivia, #Paraguay, NE #Argentina, S #Brazil & off #Atlantic coast today 26 Jan, a mix of #smoke from regional #fires & transported volcanic ash/sulfate from #HungaTongaHungaHaapai.@metsul @SanGasso @GOESguy pic.twitter.com/WRBoaUiTHZ
— AerosolWatch (@AerosolWatch) January 26, 2022
As cinzas do Hunga Tonga-Hunga Haʻapai não representam nenhuma ameaça para a população e estão sendo transportadas na atmosfera em grandes altitudes. Não é a primeira vez que uma pluma vulcânica alcança o Brasil, mas os episódios anteriores documentados eram de vulcões na região, nos Andes, como o Lascar (1993) e o Puyehue-Cordón Caulle (2011) com impactos mais no Sul do Brasil.
Nos dois eventos, cinzas se precipitaram sobre o Rio Grande do Sul e em 2011 a qualidade do ar chegou a ser péssima em um dia em Porto Alegre e houve muitos reflexos para o transporte aéreo da capital gaúcha, onde muitos voos foram cancelados. A pluma de cinzas do chileno Puyehue-Cordón Caulle deu a volta ao mundo pelo Hemisfério Sul e chegou a causar cancelamentos de voos na Austrália, mas a pluma se deslocava em altitudes menores.
O notável neste episódio de agora é a documentação visual possivelmente inédita de uma pluma vulcânica alcançando o Brasil a partir de uma erupção ocorrida fora da América do Sul. Apesar de a erupção do Hunga Tonga-Hunga Haʻapai ter sido a maior em décadas, com onda de choque que causou variação de pressão no mundo inteiro e documentada em estações brasileiras, assim como tsunami em todos os oceanos do planeta e de pequena altura no litoral do Brasil, a erupção de 1991 do Pinatubo foi muito mais potente. Só que à época, apesar de existirem satélites meteorológicos, o foco era observar nuvens e não havia tecnologia com sensores como hoje.
Os pesquisadores ainda discutem se o material liberado na atmosfera impactará o clima no Hemisfério Sul. O cientista Jim Salinger, que pesquisou os impactos de grandes erupções vulcânicas, incluindo a do Pinatubo, no clima da Nova Zelândia, disse à rádio estatal do país que não foi uma erupção tão grande quanto a de 1991 nas Filipinas e não teria um impacto global no clima, mas poderia haver alguns efeitos locais no Hemisfério Sul, o que inclui a América do Sul. Salinger disse que pode levar alguns meses para os efeitos começarem a ser sentidos com um resfriamento de cerca de 0,1ºC a 0,5ºC durando até a primavera.
O vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai
Muito pouco se sabe sobre a evolução do vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai, afirma o Programa de Vulcanismo Global do Smithsonian. A primeira observação registrada de uma erupção foi em 1912, seguida por outra em 1937 e depois 1988, 2009 e 2014-15. Essas erupções foram todas pequenas, a maior de VEI-2 na escala de erupções, mas com tão poucos eventos não há uma boa compreensão do estilo de atividade, diz o Smithsonian.
A erupção de 1988 foi vista por pescadores e piloto de avião, depois analisada por geólogos. Ocorreu a partir de três aberturas de águas rasas junto à ilha de Hunga Ha’apai, mas não havia nenhuma ilha formada pelo vulcão. A erupção que começou em 17 de março de 2009 teve uma abertura em Hunga Ha’apai e outra submersa a cerca de 100 metros da costa. A ejeção de material vulcânico preencheu o espaço entre elas em alguns dias, expandindo o tamanho da ilha.
Após apenas quatro dias, a erupção de 2009 acabou, mas estendeu a ilha em um quilômetro, deixando lagos de crateras emitindo vapor. A próxima erupção ocorreu de 19 de dezembro de 2014 a 28 de janeiro de 2015. Esse período mais longo de atividade foi centrado entre as ilhas de Hunga Tonga e Hunga Ha-apai e construiu uma nova ilha. Eventualmente, havia tanto material que as ilhas estavam todas conectadas.
Em 20 de dezembro de 2021, uma nova erupção produziu uma pluma de gás e cinzas rica em vapor que subiu a 16 quilômetros (52.500 pés) de altitude. Após quase duas semanas de período de calmaria, a atividade retomou com uma alta fase eruptiva freatomagmática no vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai. Uma explosão espetacular ocorreu às 15h14 UTC da quinta, caracterizada por massas escuras e densas de material piroclástico. Uma pluma cada vez maior e densa enviou cinzas até 55.000 pés (17.000 metros) de altitude. No dia 15 de janeiro, o vulcão teve a sua maior explosão e foi um evento global com tsunami no mar no Pacífico e uma onda de choque planetária que gerou meteotsunami em outros oceanos do planeta.