Quem minimiza as mudanças climáticas ou nega a influência humana no clima se apega quase sempre aos fatos de que o clima está em permanente transformação e que o planeta já passou ao longo de sua história por repetidos ciclos de aquecimento e resfriamento sem que houvesse qualquer interferência do ser humano, aliás até antes do Homo Sapiens. Estes são fatos que são corroborados pela ciência, mas jamais antes as mudanças se deram de forma tão rápida e com evidentes sinais de influência antropogênica.

O aquecimento do planeta que leva às mudanças climáticas passa por um processo natural que é denominado de efeito estufa em que gases como o dióxido de carbono e metano, junto ao vapor d´água, formam uma camada que aprisiona parte do calor do Sol em nossa atmosfera. Sem a presença destes gases, a Terra seria um ambiente gelado e a vida em nosso planeta não teria tamanha diversidade.

Desde a Revolução Industrial no século 19, entretanto, a humanidade passou a fazer uso intensivo do carbono em forma de carvão mineral, petróleo e gás natural. As florestas, grandes depósitos de carbono, começaram a ser destruídas e queimadas cada vez mais rápido. Com isso, imensas quantidades de dióxido de carbono, metano e outros gases passaram a ser lançados atmosfera, aumentando dramaticamente o efeito estufa com aquecimento da Terra.

O dióxido de carbono atmosférico medido no Observatório de Mauna Loa, no Havaí, atingiu o pico de 2021 em maio com uma média mensal de 419 partes por milhão (ppm), o nível mais alto desde que medições começaram há 63 anos. O maior valor médio mensal de CO2 do ano ocorre em maio, pouco antes das plantas no Hemisfério Norte começarem a remover grandes quantidades do gás da atmosfera durante a estação de crescimento. Charles David Keeling foi o primeiro a observar o aumento sazonal e subsequente queda nos níveis de dióxido de carbono a cada ano, uma dinâmica que agora é conhecida como Curva de Keeling.

A quantidade de dióxido de carbono hoje na atmosfera terrestre é comparável aos níveis do período entre 4,1 e 4,5 milhões de anos atrás, quando o CO2 estava perto ou acima de 400 ppm. Durante esta era, o nível do mar estava cerca de 23 metros mais alto que hoje, a temperatura média era 4ºC mais alta do que nos tempos pré-industriais, e estudos indicam que grandes florestas ocupavam áreas do Ártico que agora são tundra.

O sexto relatório do Grupo de Trabalho I do IPCC divulgado neste ano, denominado como um código vermelho para a humanidade, mostrou inequivocamente que o mundo provavelmente atingirá ou excederá 1,5 °C de aquecimento nas próximas duas décadas, portanto mais cedo do que em análises anteriores. O mesmo relatório mostrou que os atuais níveis de aquecimento não estariam ocorrendo sem a interferência do ser humano (antrópica), portanto a elevação da temperatura planetária em grande parte não tem origem na variabilidade natural do clima.

Somente cortes ambiciosos nas emissões permitiriam manter o aumento da temperatura global em 1,5°C, o limite que os cientistas dizem ser necessário para evitar os piores impactos climáticos. Em um cenário de altas emissões, o IPCC constata que o mundo pode aquecer até 5,7°C até 2100 e com resultados catastróficos.

Nos cenários estudados pelo IPCC, há mais de 50% de chance de que a meta de 1,5°C seja atingida ou ultrapassada até 2040 (há uma estimativa central para o início de 2030). O período de 2021-2040 se antecipa em uma década ao intervalo estimado anteriormente pelo IPCC por conta de estimativas maiores de aquecimento histórico e de aquecimento futuro de curto prazo. Em um cenário de altas emissões, o mundo atinge o limite de 1,5°C ainda mais rapidamente (2018-2037). Se o mundo seguir um caminho de alto carbono (SSP5-8.5), o aquecimento global poderá subir para 3,3ºC-5,7°C acima dos níveis pré-industriais no final do século. Para colocar isso em perspectiva, o mundo não experimentou um aquecimento global de mais de 2,5°C nos últimos 3 milhões de anos.

Além disso, a ciência da atribuição que liga eventos extremos ao aquecimento induzido pelo homem ficou muito mais sofisticada ao contar com mais dados observacionais, reconstruções paleoclimáticas aprimoradas, modelos de alta resolução, capacidade maior de simular o aquecimento recente e novas técnicas analíticas. A influência humana, por exemplo, é provavelmente a principal causa de eventos de precipitação mais frequentes e intensos, como as chuvas torrenciais do furacão Harvey, nos Estados Unidos.

Também há uma conexão entre as mudanças nas condições climáticas e o risco de incêndio no Mediterrâneo, nos Estados Unidos, na Austrália e no Sul da Europa. Um estudo recente descobriu que o calor extremo (que se tornou pelo menos duas vezes mais provável como resultado da mudança climática induzida pelo homem) foi um dos principais impulsionadores dos recentes incêndios na Austrália, por exemplo. Outro estudo preliminar sugere que o recente calor extremo no Noroeste do Pacífico dos Estados Unidos e no Oeste do Canadá seria “virtualmente impossível” sem as mudanças climáticas causadas pelo homem.

Os cientistas também descobriram que a influência humana é o principal motor de muitas mudanças na neve e no gelo, nos oceanos, na atmosfera e na terra. As ondas de calor marinhas, por exemplo, tornaram-se muito mais frequentes no século passado, e o IPCC observa que as atividades humanas contribuíram com 84-90% delas desde pelo menos 2006.

O aquecimento induzido pelo homem tem muito provavelmente sido o principal motivo para o recuo glacial desde década de 1990, a redução do gelo no Mar Ártico desde 1970, o declínio da cobertura de neve da primavera no Hemisfério Norte desde 1950 e o aumento do nível do mar global desde pelo menos 1970.

Um dos grandes temores dos cientistas é o chamado tipping point ou ponto de não retorno no clima. Trata-se da hipótese de o aquecimento global passar a apresentar uma realimentação positiva mediante mecanismo interno e não mais por influência externa, tornando-se incontrolável. Atualmente, o aquecimento global vem sendo produzido essencialmente por influência externa com a emissão de gases estufa decorrente das atividades humanas.

Se atingido o ponto crítico, a hipótese do ponto de não retorno afirma que mecanismos físicos intrínsecos envolvidos no aquecimento tenderão a se tornar dominantes e passarão a realimentar a si mesmos em um nível que escapará da capacidade humana de interferir para seu controle. Caso a hipótese se concretize, prevê-se grande elevação da temperatura em um período relativamente curto de tempo, desencadeando consequências devastadoras sobre o meio ambiente e sobre a sociedade humana.

Degelo

O aquecimento do planeta está derretendo o gelo a taxas sem precedentes nos tempos modernos. A cobertura de gelo do mar Ártico no final do verão é menor do que em qualquer época dos últimos mil anos. O recuo das geleiras não tem precedentes nos últimos dois mil anos com quase todas as geleiras do mundo recuando desde a década de 1950.

Aumento do nível do mar

Os gases de efeito estufa, aquecimento do planeta e derretimento do gelo da Terra estão a provocar grandes mudanças nos oceanos. A taxa de aumento do nível do mar é hoje a mais alta em pelo menos três mil anos. O nível médio global do mar cresce cada vez mais e está acelerando. A taxa de aumento foi de 1,3 mm por ano entre 1901 e 1971, mas aumentou para 3,7 mm por ano entre 2006 e 2018. Cerca de 90% do excesso de calor aprisionado no sistema terrestre é armazenado nos oceanos. Como resultado, o oceano está ganhando calor mais rápido do que em qualquer momento desde o final da última Idade do Gelo.

Acidificação dos oceanos

O dióxido de carbono se dissolve na água do mar e torna o oceano mais ácido, o que representa uma ameaça para os corais e outras formas de vida marinha. A acidificação dos oceanos está agora em níveis “incomuns nos últimos dois milhões de anos”, diz o relatório do IPCC.

Eventos extremos

A discussão sobre condições meteorológicas extremas é uma grande parte do relatório deste ano e que é claro: “A mudança climática induzida pelo homem já está afetando muitos climas e extremos climáticos em todas as regiões do globo”.  O aquecimento traz mais ondas de calor, fortes precipitações, aumentos nos furacões mais intensos, secas e os chamados eventos compostos em que o impacto de vários desastres se acumula. E o relatório avisa que o pior está por vir. Com 1,5ºC de aquecimento global – um nível que provavelmente será atingido em 2030 – o documento afirma que devemos esperar ver “eventos extremos sem precedentes no registro de observação”.

Ondas de calor

As ondas de calor têm a conexão mais óbvia com o aquecimento global. Eles se tornaram “mais frequentes e mais intensas na maioria das áreas do planeta desde 1950”, diz o relatório. Extremos recentes teriam sido “extremamente improváveis ​​de ocorrer sem a influência humana no sistema climático”. O documento também observa que as ondas de calor marinhas – temperaturas excepcionalmente altas em águas oceânicas – quase dobraram desde a década de 1980, com impressões digitais humanas na maioria delas.

Chuva

À medida que a temperatura do ar aumenta, a atmosfera pode reter mais umidade e, assim, produzir chuvas mais intensas. Como resultado, os eventos de precipitação muito intensa aumentaram em frequência e intensidade desde 1950. Este é um risco muito alto para grandes cidades que sofrem com alagamentos ou inundações repentinas. A mudança climática também está contribuindo para as secas, muitas vezes por causa do aquecimento que leva ao aumento da evaporação dos solos e da vegetação.

Ciclones tropicais

Com temperaturas mais altas do oceano e mais umidade atmosférica disponível, ciclones tropicais e furacões estão passando por mudanças. A proporção global de grandes tempestades (categorias 3 a 5) aumentou nas últimas quatro décadas e a mudança climática também aumenta a forte precipitação associada a elas.

Os impactos no Brasil

Os efeitos das mudanças climáticas devem se tornar ainda mais dramáticos no Brasil nas próximas décadas com condições extremas cada vez mais freqüentes na temperatura e no regime de chuva. Em qualquer dos cenários apresentados pelo IPCC, haverá impactos e negativos no país, mas sob o pior cenário de aquecimento de até 4ºC elas podem ser de enorme gravidade no território brasileiro.

(Com foto de capa de Ekaterina Anisimova/AFP/MetSul Meteorologia)