Lúcifer. Sim, acredite, este é o nome que foi dado ao anticiclone responsável pelo calor “infernal” que atinge o Norte da África e o Sul da Europa e que tende a piorar no restante da semana com a intensificação do calor em diversos países do Mediterrâneo, castigados já duramente por calor extremo e incêndios florestais com magnitude como nunca vista em décadas. Em 2017, numa intensa onda de calor, um anticiclone já tinha sido batizado de Lúcifer na Europa.

Um voluntário segura uma mangueira de água perto de um incêndio em chamas enquanto tenta apagar o fogo fora de controle na aldeia de Glatsona, na ilha grega de Evia, em 9 de agosto. Bombeiros tentaram evitar que os incêndios atingissem comunidades e uma densa floresta que poderia alimentar as chamas que, segundo uma autoridade, destruíram centenas de casas em sete dias na ilha grega de Evia. Se a maior parte das quase duas semanas de incêndios se estabilizaram ou diminuíram em outras partes da Grécia, os da região acidentada e arborizada de Evia foram os mais preocupantes e criaram cenas apocalípticas. | Angelos Tzortzinis/AFP/MetSul Meteorologia

A temperatura está alcançando valores recordes e sem precedentes em diversos pontos do Norte da África e do Sul da Europa. Hoje, a máxima em estação meteorológica local em 48,8ºC em Siracusa, na Sicília, Sul da Itália, chegou a 48,8ºC.

A marca supera o recorde de maior temperatura oficial já registrada no continente europeu aceito pela Organização Meteorológica Mundial de 48,0ºC, em Atenas, na Grécia, em 1977. A máxima de 48,8ºC na Itália nesta quarta, entretanto, precisará ser validada pela OMM como novo recorde de calor oficial da Europa.

No Norte da África, o calor tem sido inclemente. A temperatura hoje atingiu 50,3ºC em Kairouan, a maior máxima registrada em medição confiável na Tunísia desde o começo dos registros meteorológicos no país, superando o recorde nacional anterior de 50,1ºC em Al Burmah, em 26 de julho de 2005.

Ontem, a capital Tunis e a cidade de Bizerte tiveram o maior calor dos seus registros históricos com 48,9ºC. Os recordes de calor na Tunísia têm caído dia após dia e focos de incêndios surgem em diversos pontos do país.

Na Argélia, o calor está atingindo valores extremos raramente vistos. A máxima ontem na cidade de Bejaia de 48,4ºC foi a maior da série histórica da estação local, superando o recorde anterior de 45,3ºC por 3,1ºC, o que é muito. As máximas entre 48ºC e 49ºC que têm sido registradas na Argélia estão entre as mais altas já observadas em qualquer lugar do continente africano em áreas costeiras.

O calor extremo e histórico que se experimenta nestes dias na Argélia desencadeou uma série de incêndios devastadores de vegetação. As autoridades confirmaram que ao menos 69 pessoas morreram com os incêndios que avançaram sobre vilarejos e cidades do Norte do país.

Bombeiros e civis lutam contra as chamas de um prédio em chamas, nas colinas arborizadas da região de Kabylie, a Leste da capital argelina, Argel, nesta quarta-feira. | Ryad Kramdi/AFP/MetSul Meteorologia

Moradores desesperados tentavam apagar com mangueiras e baldes de água as chamas que avançavam sobre as suas casas. Muitos tentavam salvar animais domésticos e gado no campo.

O vento muito forte agravou o alastramento muito rápido dos incêndios que ocorrem sob condições de tempo muito seco e quente em meio a uma brutal onda de calor que assola o Norte da África e o Sul da Europa. Os focos de incêndios atingiam17 províncias argelinas e a situação era descrita como “alarmante”.

Entre as dezenas de mortos há bombeiros e voluntários que com pouco sucesso combateram os incêndios ainda fora de controle. Nas redes sociais argelinas os apelos por ajuda e solidariedade aos bombeiros se acumulavam ao longo desta quarta-feira.

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Assim como muitas áreas do Norte da África e do restante da Europa, a Itália sofre com incêndios e que as autoridades locais encontram dificuldade em conter. O fogo consumiu vegetação e residências principalmente do Centro para o Sul da Sícilia. Mais de três mil bombeiros foram mobilizados em apenas um dia na Sicília e na Calábria.

Uma mulher segura um cachorro nos braços enquanto os incêndios florestais se aproximam da aldeia de Pefki na ilha de Evia (Eubeia), a segunda maior ilha da Grécia, em 8 de agosto de 2021. Centenas de bombeiros gregos lutaram desesperadamente para controlar os incêndios florestais na ilha e que devastaram vastas áreas de vegetação, casas e obrigaram os turistas e locais a fugir. Grécia e Turquia lutam contra incêndios devastadores há quase duas semanas, enquanto a região sofreu sua pior onda de calor em décadas, que os especialistas relacionam à mudança climática. | Angelos Tzortzinis/AFP/MetSul Meteorologia

A ilha grega de Évia foi devastada pelo fogo. As chamas prosseguem e já destruíram uma área de setenta mil hectares de florestas, além de muitas residências. Moradores de Évia descreveram o cenário na ilha como um “filme de terror”. O primeir-ministro da Grécia declarou que o país enfrenta “um desastre natural de dimensões sem precedentes”.

A situação não deve melhorar no Norte da África e na Europa nos próximos dias e em alguns países deve, inclusive, piorar. Uma imensa massa de ar extremamente quente atua na região com um padrão de bloqueio atmosférico associado ao anticiclone (centro de alta pressão) que foi batizado. Há uma imensa bolha de calor, o que em inglês se chama de heat dome, que traz uma longa sequência de dias de tempo seco e quente. O calor e o tempo seco se retroalimentam e pioram ainda mais a situação.

Modelos numéricos indicam que o calor extremo seguirá nos próximos dias no Norte da África e na Europa com marcas perto de 50ºC em algumas áreas. O calor, que diminuiu um pouco na Grécia, deve voltar a ganhar força no final da semana. Ademais, as áreas de calor extremo devem avançar mais para Oeste.

Com isso, o calor vai aumentar muito no final desta semana na península ibérica, para onde estão sendo previstas máximas que devem superar os 45ºC em algumas cidades tanto de Portugal como Espanha.

Meteorologistas locais em Portugal estão advertindo para uma condição “rara” de calor. Os dois países, até agora livres da onda de incêndios nos demais países do Mediterrâneo, devem ver o risco de fogo em vegetação disparar nos próximos dias com a chegada do calor mais extremo.