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MYCCHEL LEGNAGHI/SÃO JOAQUIM ONLINE

“Como que há aquecimento global se tá frio em novembro, fica o questionamento”, escreve um usuário da rede social Twitter. “Como os defensores de aquecimento global explicam o frio em excesso”, questiona outro. “Cadê esse aquecimento global que todo mundo fala, mó frio em Curitiba”, protesta um paranaense em sua rede social. “Nada mais fake que aquecimento global, olha o frio que tá”, afirma uma usuária do Twitter. “Se aquecimento global existe, então por que tá frio?”, pergunta outro.

Sim, as pessoas estão corretas em se espantarem com a intensidade do frio nesta época do ano. O mês de novembro começou com uma onda de temperatura baixa absolutamente incomum para esta época do ano. Uma grande massa de ar frio de atípica intensidade e abrangência para novembro avançou pela América do Sul, derrubando a temperatura. O Sul do país anotou marcas negativas, formação de geada nos três estados com prejuízos para a agricultura e ainda uma sem precedentes queda de neve em pleno mês de novembro.

O frio incomum, entretanto, não se limitou a este começo de novembro. A primavera deste ano tem sido marcada por temperatura abaixo do que é normal para esta época do ano. Basta ver que o número de dias de calor na estação até agora foram poucos no Sul do país e que os de temperatura baixa numerosos. A estação, aliás, já em suas primeiras horas, no dia 22 de setembro, teve uma nevada em Santa Catarina com acumulação que é muito raro.

Por outro lado, a primavera fria e o começo de novembro excepcionalmente frio não refutam o aquecimento do planeta. Claro que situações como estas obviamente despertam dúvidas sobre o aquecimento, mas o frio em nada afasta o fato que a Terra está aquecendo e seguirá esquentando no longo prazo sem medidas de mitigação de emissões de gases do efeito estufa.


A resposta está em dois conceitos básicos que todos aprendemos na escola. Tempo e clima. Usados com frequência como sinônimos na imprensa e em geral, são distintos. O tempo é a condição momentânea da atmosfera, o curto prazo. O clima é a condição de longo prazo, a média do tempo.

O dia de hoje e o amanhã são o tempo, as condições dos últimos 12 meses são o clima. Assim, o aquecimento do planeta é uma realidade do clima e o frio deste começo de novembro uma realidade do tempo presente. Portanto, tempo não é clima.

O aquecimento global é uma tendência estabelecida por muitas décadas. O frio é tendência de poucos dias ou semanas. Valer-se de um episódio de frio extremo para negar uma tendência de aquecimento do planeta seria o equivalente a dizer que uma semana de muita chuva no sertão nordestino seria uma prova que a região não é semi-árida e frequentemente seca”.

Tendência de longo prazo é o que importa

Ao longo da história o planeta passou por vários ciclos de aquecimento e resfriamento sem qualquer intervenção humana, por causas absolutamente naturais como eras geológicas, mas o ritmo de aquecimento atual da Terra não tem precedentes. Não é apenas o aquecimento, mas a velocidade com que as mudanças climáticas estão acontecendo, e isso não se explica por causas naturais.

MET OFFICE

Os oito anos mais quentes desde que se iniciaram as medições regulares de temperatura no planeta foram justamente todos de 2014 até 2021, de acordo com a NOAA, e os 10 mais quentes se deram desde 2005. A última década foi a mais quente já registrada no globo e 2020 ao lado de 2016 foram classificados entre os anos mais quentes já observados.

Os dados de outubro ainda não foram divulgados pela NOAA, mas setembro de 2022 marcou o 46º setembro consecutivo e o 453º mês seguido com temperaturas, ao menos nominalmente, acima da média do século 20 no planeta. Regionalmente, a América do Norte teve seu setembro mais quente já registrado, superando o recorde anterior estabelecido em 2019 em 0,3ºC.

O Rio Grande do Sul, por exemplo, que chegou a ter recordes de mínimas de um século para o mês de novembro no último dia 2, tem uma clara tendência de aquecimento de longo prazo. Acompanhando a tendência global, a esmagadora maioria dos anos foi mais quente do que a média no estado gaúcho nas últimas duas décadas.

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Parte da tendência do aquecimento do planeta se explica pela diminuição dos dias frios e o aumento dos dias de temperatura mais alta. Isso vem se verificando em grande parte do planeta nas últimas décadas. Eventos extremos de frio não deixam de ocorrer, mas sem tornam mais raros.

BERKELEY EARTH

No caso desta primavera de 2022, o que determina o tempo mais frio no Centro-Sul do Brasil é fenômeno conhecido como La Niña, que se caracteriza por resfriamento das águas superficiais e alteração no regime de vento, chuva e nebulosidade na faixa equatorial do Oceano Pacífico. Os seus efeitos se operam de escala global e tendem a causar resfriamento do planeta e, no caso do Sul do Brasil, um aumento do número de dias frios.

Trata-se do terceiro ano seguido com La Niña atuando e, mesmo com o efeito de diminuição da temperatura do planeta pelo fenômeno, 2022 deve figurar na lista dos dez anos mais quentes já registrados na Terra na era observacional. Até três ou quatro décadas atrás, eventos de La Niña faziam que os anos no mundo terminassem com temperatura abaixo da média, mas isso já não é mais realidade. Estes anos de La Niña de 2020 a 2022 são mais quentes no mundo que anos de El Niño – que favorecem aquecimento – de 30 anos.

INMET

Todos se impressionam com o frio que faz agora na primavera e neste começo de novembro, mas muitos esquecem que o Sul do Brasil, particularmente o Rio Grande do Sul, teve onda de calor sem precedentes na duração e intensidade em janeiro. No último verão, o recorde de calor do Rio Grande do Sul que era de 1917 e 1943 acabou caindo. E em julho, mês central do inverno, o Brasil teve o mês de julho mais quente já registrado.

O seu quintal não é o planeta

Algumas poucas áreas do planeta podem ter ficado mais frias nos últimos dias e semanas, como o Centro-Sul do Brasil, mas, no geral, quase toda a Terra esquentou nas últimas duas a três décadas. Uma realidade local isolada não pode ser usada para confrontar uma curva de tendência planetária porque para cada um ponto que ficou mais frio existem muitíssimo mais que ficaram mais quentes.

As mudanças no clima não ocorrem de forma uniforme em um mesmo país, quanto mais no mundo inteiro. Mesmo se considerarmos apenas o tempo, o frio de agora não é evidência que contrarie o aquecimento global. Se no começo de novembro a temperatura estava abaixo da média no Centro-Sul do Brasil, muitas áreas do globo estavam com temperatura acima da média.

Então, na virada do mês, enquanto uma poderosa massa de ar frio fora de época avançava e começava a ingressar no Brasil, a Europa sofria com uma enorme onda de calor tardia e com temperaturas muitíssimo acima do normal para o outono. O começo de novembro é por demais quente no Nordeste dos Estados Unidos e no Leste do Canadá. Em pleno novembro, pessoas têm se banhado no litoral de Nova Iorque.

O sábado (5) foi o dia de novembro mais quente já registrado em Montreal, no Canadá. A máxima chegou a 24,3ºC no aeroporto de Trudeau. O recorde anterior em Montreal para o mês de novembro era de 22,4ºC, registrado em 10 de novembro de 2020. O recorde histórico para o dia específico, 5 de novembro, anteriormente era de 21,1ºC , em 1938.

Assim, o que acontece em nosso quintal não é parâmetro para se avaliar uma tendência de escala planetária. Uma onda de frio, por exemplo, no Sul do Brasil não é evidência que contrarie uma série histórica de décadas mostrando aquecimento na região e no mundo.

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