Uruguaiana (foto) teve hoje a maior temperatura já registrada oficialmente no Rio Grande do Sul em novo recorde estadual | Rádio Charrua/Arquivo

A temperatura máxima em Uruguaiana na tarde de hoje atingiu 42,9ºC na estação automática do Instituto Nacional de Meteorologia. O registro é extraordinário do ponto de vista histórico na climatologia do Rio Grande do Sul porque se trata da maior temperatura máxima já observada oficialmente no estado desde que tiveram início as medições regulares entre os anos de 1910 e 1912.

A máxima de hoje de 42,9ºC em Uruguaiana passa a ser o novo recorde oficial absoluto de temperatura máxima no Rio Grande do Sul, superando os recordes anteriores de 42,6ºC em Alegrete em 19/1/1917 e em Jaguarão em 1º de janeiro de 1943. Trata-se também do novo recorde oficial de calo para fevereiro no Rio Grande do Sul. E, ainda, recorde absoluto de máxima para fevereiro e qualquer mês do ano em Uruguaiana, batendo as marcas de 42,2ºC de1986 e 42,0ºC de 1943.

Significa que os recordes de calor que perduraram por décadas e caíram agora em 2022 foram estabelecidos no Rio Grande do Sul quando o mundo lutava a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Desde então, conforme os dados disponíveis (Santa Rosa estava sem dados oficiais na onda de calor de janeiro de 2022), jamais se anotou máxima tão alta quanto a de hoje no estado gaúcho em estação oficial.

A onda de calor de 1917

Em 1917, quando da intensa onda de calor que afetou o Rio Grande do Sul, um dos principais diários do estado era o jornal A Federação. Fundado em 1º de janeiro de 1884 em Porto Alegre, a publicação circulou até o ano de 1937. O jornal, um órgão do Partido Republicano Rio-Grandense, tratava de questões políticas e notícias gerais, além de anúncios que no século XIX ofereciam escravos.

O diário apresentava no começo do século uma coluna diária com as condições ocorridas do tempo com dados de temperaturas mínimas e máximas em Porto Alegre, interior gaúcho, Montevidéu, Florianópolis e Rio de Janeiro. Foi na coluna diário do tempo intitulada “O Tempo” do Instituto Astronômico e Meteorológico que apareceu o recorde de Alegrete.

O estado vivia no período uma severa estiagem, conforme os jornais da época. Em janeiro de 1917, o jornal A Federação noticiava que a seca era “assustadora” em Arroio Grande. Já o noticiário por telex que vinha de Pelotas dava conta que continuava “a se fazer sentir a seca em todo o município de maneira extraordinária”.

 

Publicações em jornais à época sobre acontecimentos meteorológicos davam pouca atenção e não costumavam passar de notas com poucas palavras, uma vez que reportagens não eram as regras nos jornais. Nota publicada no jornal A Federação em 1917, contudo, narrou o calor extraordinário em Alegrete e os recordes de temperatura registrados com tabelas e uma descrição do calor.

O lugar mais quente do estado

Em Alegrete tem feito um calor senegalesco, tendo a temperatura nos dias 17, 18 e 19, attingido, naquella cidade, respectivamente a 41,1C, 42,3ºC e 42,5ºC, o que é extraordinário quando nos lembramos que aqui em Porto Alegre a temperatura máxima naquelles dias sufocantes foi de 38,9ºC. Diz a Gazeta de Allegrete, a propósito: ‘Há muitos anos, ou pelo menos desde que aqui temos estação meteorológica, (1912) nunca tivemos um calor tão sufocante, mesmo se attendermos às condições especiaes de impermeabilidade do nosso sólo, por natureza secco e pedregoso. A respeito das altas temperaturas, Alegrete sempre tem se manifestado um dos pontos mais quentes do Estado, nos mezes de janeiro, fevereiro, março, novembro e dezembro, que soem ser os de maior calor do ano. Em 1912 excedeu a todas demais pontas do Estado com 38,5ºC, no dia 21 de março. De então para cá, em cada anno, tem mantido seus créditos em assumpto de temperaturas elevadas”.

Em 1917, a temperatura em Alegrete alcançou 38,6ºC no dia 17, uma máxima de 41,1ºC no dia 17, 42,3ºC no dia 18, impressionantes 42,6ºC no dia 19 e 40,0ºC no dia 20. O calor extremo provocou insolação nas pessoas e até morte na comunidade alegretense, conforme informações dos jornais da época.

Calor de janeiro de 1943

Assim como em 1917, em 1943 o verão começou com uma grave seca no Rio Grande do Sul. Os jornais da época estavam repletos de relatos e balanços de perda no campo por todas as regiões gaúchas com reportes de falta de água, lavouras destruídas e prejuízos imensos pela falta de chuva no interior gaúcho.

No mesmo dia em que Jaguarão anotou 42,6ºC, a cidade de Porto Alegre teve 40,7ºC de máxima que permanece como recorde oficial até os dias atuais desde o começo das medições em 1910. O dia mais quente da história de Porto Alegre, conforme as medições oficiais, se deu em meio à Segunda Guerra Mundial. O prefeito da cidade era José Loureiro da Silva e todas as atenções da época estavam voltadas aos enfrentamentos da guerra na frente europeia.

Nos jornais, o calor recorde mereceu pouca atenção. O Diário de Notícias publicou uma nota mais ampla em que descreveu o dia sufocante na capital gaúcha. O jornal descreveu que o calor foi o assunto dominante nas rodas de conversa da cidade e chamou a atenção que a temperatura atingiu 40,7ºC mesmo com um dia que a publicação classificou como “sombrio” e “quase sem um raio de sol” (pouco factível).

O jornal lembrou ainda que a última vez que Porto Alegre tinha registrado tanto calor fora em 1929, ocasião em que os estoques de refrigerantes da cidade incrivelmente acabaram. Segundo ainda o jornal, devido ao intenso calor do dia 1º de janeiro de 1943 muita gente buscou se refrescar nas águas do Guaíba, ainda não poluídas à época. O diário ainda publicou nota do Instituto Coussirat de Araújo, responsável pela Meteorologia de Porto Alegre no ano de1943, que atestou o recorde histórico e informou que a máxima de 40,7ºC foi alcançada às 15h45.

Por que fez tanto calor hoje em Uruguaiana?

O calor foi intenso em grande parte do Rio Grande do Sul neste domingo (27), mas as marcas extremas na rede oficial ocorreram no Oeste, especialmente em Uruguaiana com 42,9ºC (novo recorde estadual) e Quaraí com 40,3ºC. Em outras regiões, apesar de máximas muito altas, as marcas sequer chegaram perto dos valores anotados durante a onda de calor de janeiro deste ano.

O Instituto Nacional de Meteorologia registrou hoje máximas de 42,9ºC em Uruguaiana, 40,3ºC em Quaraí, 39,0ºC em Campo Bom, 38,7ºC em São Vicente do Sul, 38,5ºC em Alegrete, 38,1ºC em São Luiz Gonzaga, 38,0ºC em Rio Pardo, 37,8ºC em Teutônia, 37,7ºC em Santa Maria. Em Porto Alegre, a máxima foi de 36,0ºC. Em cidades mais ao Sul gaúcho, por nebulosidade e chuva, a temperatura não passou de 30ºC em muitas cidades e em algumas, como Jaguarão, manteve-se abaixo de 25ºC na maior parte do dia.

O calor extraordinário de Uruguaiana não se repetiu em outras regiões gaúchas pela presença de muitas nuvens altas e médias que se formavam com o calor e com a presença de áreas de instabilidade trazendo chuva no Sul do Estado desde cedo da manhã. Em Uruguaiana, em particular, pelas imagens de satélite, o tempo ficou mais aberto e permitiu o recorde de calor histórico.

Mas a menor nebulosidade por si só não explica o calor tão extremo e que superou as marcas na cidade observadas mesmo durante a excepcional onda de calor de janeiro de 2022. O que foi determinante foi o ingresso de ar muito quente e seco a partir do Norte da Argentina com uma corrente de jato (vento) em baixos níveis da atmosfera atuando no Oeste gaúcho e que se originava na Bolívia.

A análise do modelo meteorológico europeu indicava às 12Z (9h da manhã) temperatura em 850 hPa em Uruguaiana de 22,9ºC e projetava para a tarde 23,3ºC. Já a análise do GFS para as 12Z deste dia de calor recorde apresentava o mesmo valor de 22,9ºC, mas para a tarde (18Z) sinalizava 26,1ºC no nível de 850 hPa (1.500 metros de altitude).

A menor umidade relativa do ar observada durante esta tarde de calor recorde e histórico em Uruguaiana foi de 24% e o vento soprava predominantemente de Noroeste (300º de direção) com rajadas de até 12 m/s ou 44,6 km/h, efeito da corrente de jato em baixos níveis.