Nordeste da Argentina enfrenta três anos seguidos de seca e este fim de ano é o de menor umidade no solo dentre os três na região com impactos na agricultura e nos níveis dos grandes rios como Paraná | JUAN MABROMATA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A grande onda de calor que se instala nesta semana entre a Argentina, o Uruguai, o Sul do Brasil e o Paraguai terá origem sob condições semelhantes à onda de calor histórica de janeiro deste ano que trouxe 15 dias seguidos acima de 40ºC no Rio Grande do Sul e dois dos três dias mais quentes da história da cidade de Buenos Aires, embora não se preveja um episódio de calor tão extremo e prolongado como de janeiro.

Intensas ondas de calor são favorecidas por quadros de seca e estiagem. Em janeiro passado, o Sul do Brasil, a Argentina e o Uruguai enfrentam uma estiagem severa. Desta vez é igual, mas a seca mais intensa ocorre numa faixa entre o Centro e o Norte da Argentina, junto à bacia do Rio Paraná e na exata área onde atuam as correntes de jato em baixos níveis que trazem o ar muito quente pelo interior do continente.

NASA

Hoje, na Argentina, são 163 milhões de hectares afetados pela seca, nas diferentes regiões do país. Do total, são 22 milhões de hectares que sofrem com uma acentuada falta de umidade para o desenvolvimento dos cultivos, segundo o último relatório de Monitoramento de Secas.

Durante o mês de outubro, os déficits pluviométricos mais importantes ocorreram no Norte e Leste da província de Buenos Aires, Centro e Sul de Santa Fé e no Sul da província de Entre Ríos. A zona central da Argentina é uma das mais atingidas.

Em comparação com o último relatório, a área afetada pela falta de chuva continua aumentando. Houve melhora no Norte do país, mas agora o impacto é maior no Norte de Buenos Aires, Sul de Santa Fe e em Entre Ríos.

Segundo a série histórica de dados da Meteorologia argentina, a disponibilidade hídrica é a menor nos registros das estações meteorológicas da zona núcleo de produção agrícola e a segunda menor da zona central do país nos últimos 60 anos.

NOAA

Os mapas acima mostram os níveis de seca da semana 48 do ano, comparando a situação de 2 de dezembro de 2021 (esquerda) e 2 de dezembro de 2022 (direita). O quadro de deficiência hídrica e de estiagem é muito pior hoje que na mesma data do ano passado. A bolha de calor que se instala nesta semana terá o seu centro justamente na região mais afetada pela seca.

Ondas de calor intensas ocorrem nos meses quentes do ano com ou sem estiagem, em verões secos ou chuvosos, mas, historicamente, se observa que os episódios de calor mais extremo se dão durante estiagens ou secas.

Isso por um processo de interação terra-atmosfera em que a estiagem deixa a atmosfera ainda mais seca e, com o ar mais seco, a temperatura se eleva mais em mecanismo de feedback positivo. A literatura técnica explica tal processo:

“A compreensão atual da física por trás das secas meteorológicas e ondas de calor sugere que anomalias de circulação em grande escala persistentes semelhantes são críticas para o início de ambos os eventos, o que explica em parte por que os extremos frequentemente coincidem.

Feedbacks terrestres-atmosféricos semelhantes têm sido sugeridos como centrais em sua evolução, mesmo se as secas e ondas de calor frequentemente abrangem escalas temporais diferentes, sendo as últimas tipicamente mais curtas (dias a semanas) do que as primeiras (meses a anos).

Esses feedbacks são intuitivos: conforme o solo e a vegetação secam, a evaporação da terra (ou evapotranspiração) é reduzida, portanto, o ar se torna ainda mais seco, o que pode diminuir ainda mais a probabilidade de chuva e favorecer a ocorrência de secas meteorológicas.

Concomitantemente, conforme a evaporação declina progressivamente, uma fração maior da radiação incidente é empregada para aquecer o ambiente, o que leva a um acúmulo de calor sensível na atmosfera que pode evoluir para uma onda de calor ou exagerar sua magnitude”. (Miralles D G, Gentine P, Seneviratne S I and Teuling A J 2019 Land–atmospheric feedbacks during droughts and heatwaves: state of the science and current challenges Ann. N. Y. Acad. Sci. 1436 19–35).

Foi exatamente o que ocorreu na extraordinária onda de calor que assolou o Noroeste dos Estados Unidos e British Columbia (Canadá), com centenas de mortes em junho do ano passado, para muitos especialistas a onda de calor mais excepcional já documentada pelos imensos desvios da temperatura em relação à média. O episódio se deu em meio a um ciclo de seca excepcional e incêndios que afetava o Oeste da América do Norte. O calor exacerbou a seca e agravou os incêndios que agravaram o calor.

Na Europa, o continente registrou a mais alta temperatura da sua história com 48,8ºC em Siracusa, na Sicília, no Sul da Itália, no mês de agosto, em 2021. O recorde se deu durante uma poderosa onda de calor que foi batizada localmente de Lúcifer e em meio a um quadro de seca e grande número de incêndios na costa do Mediterrâneo.

Neste ano, também na Europa, uma onda de calor ainda pior ocorreu sob a pior seca em décadas em vários países da parte ocidental do continente. Foi o verão mais quente já registrado em territó0rio europeu.

Verkhoyansk, uma cidade na Sibéria, registrou 38ºC em 20 de junho de 2020. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou que a cidade siberiana, 115 quilômetros ao Norte do Círculo Polar Ártico, experimentou a temperatura mais alta já registrada no Ártico. O recorde se deu com seca severa na região.