Pontes e estradas desabaram com a chuva extrema na Bahia | CBMBA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Uma calamidade se abateu sobre a Bahia pela chuva extrema nos últimos dias e os efeitos ainda se fazem sentir de forma dramática na região. Os volumes de precipitação de até quase 500 trouxeram inundações catastróficas, cidades inteiras submergiram, estradas desabaram, pontes caíram, barragens se romperam e em muitos locais somente era possível se chegar de helicóptero.

O episódio de chuva excepcional no estado da Bahia deixou ao menos 11 mortos, conforme o último balanço oficial da Defesa Civil. Mais de 50 municípios decretaram situação de emergência e alguns recorreram ao decreto de estado de calamidade. O total de feridos passa de 260. As estatísticas oficiais indicam ainda 6.371 pessoas desabrigadas e outras 15.199 desalojadas. Os números podem mudar porque algumas localidades seguem incomunicáveis.

A chuva na Bahia entre quarta (8) e sábado (11) somou 486 em Itamaraju, 264 mm em Ilhéus, 248 mm em Porto Seguro, 217 mm em Guaratinga, 133 mm em Igrapiúna, 124 mm em Itabuna, 111 mm em Lajeadinho, e 110 mm em Belmonte. Os dados são do Centro Nacional de Previsão de Desastres (Cemaden) e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

O que causou a chuva extrema na Bahia nos últimos dias foi a combinação incomum entre um evento da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), um corredor de umidade, e uma tempestade subtropical no Atlântico Sul. Houve um enorme aporte de umidade para a região que, com a atmosfera aquecida, resultou na chuva extrema.

Cidades inteiras ficaram submersas com muitas áreas isoladas após o episódio de chuva excepcional que atingiu o Sul da Bahia | ISAC NOBREGA/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Militares, polícia e bombeiros foram mobilizados para auxiliar a população na Bahia com comunidades que somente podiam ser acessadas por via aérea| ISAC NOBREGA/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Normalmente, os episódios de ZCAS são desencadeados por frentes frias que estão associadas na maioria das vezes a um ciclone extratropical na costa da Argentina. Desta vez, a ZCAS se originou a partir do canal de umidade cujo gatilho foi um ciclone subtropical, portanto atípico e incomum na costa brasileira.

Atmosfera mais quente, mais vapor, mais chuva extrema

A Física explica o processo que leva aos eventos extremos de chuva mais frequentes. Há um princípio físico conhecido como relação Clausius-Clapeyron que relaciona temperatura, pressão e vapor d’água.

O princípio mostra que o ar mais quente pode reter mais vapor de água com cerca de 7% a mais de vapor de água por 1ºC. Quanto mais quente a atmosfera, mais vapor d’água reterá e mais vapor significa mais umidade disponível para se precipitar como chuva, o que leva a taxas de chuva mais altas.

O mesmo, paradoxalmente, ocorre em tempestades de neve. Em média, o planeta já aqueceu mais de 1ºC desde os tempos pré-industriais, de acordo com o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas divulgado neste ano. O relatório explica que o aumento das temperaturas controla “as mudanças no vapor de água por meio do aumento da evaporação e da capacidade de retenção de água da atmosfera”.

Estrutura viária do Sul da Bahia foi severamente afetada pelas inundações com desabamento de estradas e pontes que caíram com a força da correnteza | | ISAC NOBREGA/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Em escala global, o conteúdo de vapor d’água “aumenta aproximadamente seguindo a relação Clausius-Clapeyron (C-C), com um aumento de aproximadamente 7% por 1ºC de aquecimento”. “As projeções dos modelos climáticos mostram que o aumento do vapor de água leva a aumentos robustos nos extremos de precipitação em todos os lugares, com uma magnitude que varia entre 4% e 8% por grau Celsius de aquecimento da superfície”, diz o IPCC.

No entanto, existem “vários casos indicando que a precipitação muito extrema pode aumentar a uma taxa maior do que a taxa C-C”, observa o relatório. O aquecimento do clima também pode afetar processos “dinâmicos” na atmosfera, segundo o IPCC, como a frequência e intensidade dos ciclones, frentes e sistemas convectivos.

O número de estudos sobre projeções de chuvas extremas em escala horária “é limitado”, observa o Painel Intergovernamental de Mudanças Climática da ONU. As simulações por modelos climáticos regionais, que são capazes de simular processos convectivos conhecidos como modelos de permissão convectiva, são “limitados e apenas disponíveis em algumas regiões por causa dos altos custos de processamento por computação”.

O relatório, entretanto, destaca que “a maioria das simulações de permissão de convecção disponíveis projetam aumentos nas intensidades de eventos extremos de precipitação subdiária com uma quantidade semelhante ou superior à taxa de escala C-C”.

Pior cenário antes do previsto

Os impactos das chuvas extremas podem ser mais frequentes e severos do que se pensava anteriormente, de acordo com a análise de novo modelo climático de última geração e maior resolução, segundo o Met Office, o serviço meteorológico do Reino Unido. A nova geração de modelos climáticos e a última avaliação do IPCC (AR6) forneceram uma nova luz para olhar para as recentes inundações catastróficas vistas em todo o mundo e o que poderia ser esperado no futuro.

Em um exemplo gritante, novos cálculos usando um cenário de altas emissões com cerca de 3°C de aquecimento até 2070 mostram que em Glasgow, onde ocorreu a COP26, o número de dias em que 30 mm ou mais de chuva são registrados em apenas uma hora pode ser 3,5 vezes mais provável na década de 2070 do que na década de 1990. Em Londres, precipitação de 30 mm por hora pode ser tornar 2,5 vezes mais provável.

Muitas casas não resistiram e vieram abaixo com o transbordamento de rios e a força da correnteza nas enxurradas que acompanharam a precipitação extrema no Sul da Bahia e que chegou a ter volumes perto de 500 mm | ISAC NOBREGA/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A marca de 30 mm de chuva em uma hora é um limite normalmente utilizado para acionar avisos de alagamentos e inundações repentinos. Os resultados sugerem um grande aumento na frequência de eventos de chuva que produzem enchentes repentinas. Embora o cenário de altas emissões seja maior do que o resultado esperado da COP26, cenários plausíveis de altas emissões como este são rotineiramente usados ​​para avaliação de risco de longo prazo.

Os eventos de inundação recentes mostram que há uma urgência maior do que se pensava anteriormente em reduzir as emissões e preparar as sociedades para torná-las mais resistentes a eventos extremos de chuva. Essas novas projeções climáticas estão ajudando organizações e pessoas a melhorar sua resiliência a enchentes.

Além do aumento da precipitação de alta intensidade, o número de dias em que são registrados 80 mm de chuva em 24 horas pode se tornar 4,5 vezes mais provável em Glasgow até 2070 em um cenário de altas emissões. Esta é a primeira vez que cenários climáticos nacionais recebem uma resolução sobre modelos de previsão do tempo.

Os eventos de inundação nos últimos 12 meses incluem enchentes devastadoras na Europa Central durante o verão de 2021, inundações no subsolo de Londres em julho de 2021 e em Zhengzhou, China, no mesmo mês. No evento da Europa Central, algumas áreas tiveram até dois meses de chuva em dois dias. Nova York e outras áreas do Nordeste dos Estados Unidos enfrentaram graves inundações com chuva intensa sem precedentes em curto período.

Além do aumento na intensidade da chuva por hora, a última geração de modelos climáticos de alta resolução também mostra a ocorrência de tempestades mais duradouras que podem levar a grandes acúmulos de chuva, com altas taxas de precipitação sustentadas por várias horas. Isso tem sérias consequências para a mudança do risco de inundação, como foi visto na Europa Central no verão e agora na Bahia.