Correntes descendentes violentas de vento (downburst) podem produzir danos típicos de tornados como virar veículos pesados assim como se viu em Guaíba | Mauro Schaefer/Correio do Povo

O violento vendaval em Guaíba com fortes características de dowburst (corrente violenta de vento descendente de uma nuvem de tempestade) se soma a outros episódios marcantes deste tipo de fenômeno que atingiram a região metropolitana de Porto Alegre na última década, sempre com muitos estragos e impactos significativos na rotina e nos serviços das comunidades atingidas. Todos os episódios ocorreram durante os meses quentes do ano, no verão climático que compreende o período entre dezembro e fevereiro, e em dias de elevada temperatura.

Em 31 de janeiro de 2014, violento temporal atingiu a cidade de Novo Hamburgo e outros municípios da região com menor gravidade. Os danos foram significativos. Houve chuva torrencial de curta duração, queda de granizo e principalmente rajadas de vento de grande intensidade. O prefeito de Novo Hamburgo decretou situação de emergência à época.

A estrutura de serviços públicos essenciais foi seriamente comprometida com danos extensos e importantes à rede elétrica, o que deixou a cidade sem água. Um dos locais mais afetados foi o Hipermercado Atacadão, cuja cobertura desabou sobre automóveis com a força do vento.

O fenômeno que atingiu Novo Hamburgo no último dia de janeiro de 2014 foi uma tempestade severa localizada associada à supercélula de temporal, formada ainda no Vale do Caí, numa atmosfera bastante quente e úmida. A temperatura antes do temporal era de 37ºC. A supercélula gerou sobre a cidade o que se denomina de microexplosão atmosférica (downburst), coluna descedente de ar que se espalha radialmente ao atingir a superfície com vento intenso, gerando danos graves e comparáveis a até mesmo a de um tornado.

Dois anos mais tarde, o episódio mais grave de vento severo localizado da região metropolitana nos últimos dez anos. Uma tempestade severa atingiu a cidade de Porto Alegre com vento destrutivo que atingiu vários bairros e afetou principalmente pontos mais centrais da cidade como a Praia de Belas, a Cidade Baixa e o Menino Deus.

Nestes pontos mais castigados, a MetSul concluiu à época ter se tratado de um dowburst, o que depois foi corroborado por estudos científicos da área de engenharia especializada em vento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em dezembro de 2018, o Vale do Sinos voltou a enfrentar graves danos por um episódio de vento severo e isolado, novamente gerado por uma corrente de vento violenta descendente e que desta vez atingiu a área da Scharlau, entre os municípios de Novo Hamburgo e São Leopoldo, com destelhamentos, desabamento parcial de edificações e quedas de árvores.

Em 2 de fevereiro de 2021, uma tempestade severa atingiu o município de Gravataí no final da tarde. O temporal intenso de chuva e vento causou destelhamentos, alagamentos, colapso de estruturas, queda de árvores, quebrou vidros de prédios e trouxe falta de luz. O fenômeno responsável pelos danos em Gravataí foi mais uma vez um downburst e foi registrado em vídeos.

Tratou-se de um temporal muito localizado com a formação de uma nuvem de grande desenvolvimento vertical do tipo Cumulonimbus após a temperatura ter atingido 35°C na região com alta umidade. Assim, foi uma ocorrência muito isolada com chuva de apenas 10 mm em alguns bairros e até 40 mm na área do Itacolomi. O mesmo episódio atingiu também parte do município de Viamão.

Agora, em janeiro de 2022, Guaíba entra para a lista de episódios severo de vento localizado associados a um dowburst com muito estragos no que foi um dos piores temporais da história do munícipio com danos graves em diversos bairros. Não houve vítimas, entretanto os prejuízos materiais são significativos com destelhamentos de casas, empresas e prédios públicos, muitos postes caídos e colapso de estruturas.

Este tipo de fenômeno ocorre principalmente no verão porque é a época em que os dias são muito quentes e, sob a presença de umidade alta, formam-se nuvens de grande desenvolvimento vertical do tipo Cumulonimbus (Cb) que podem atingir até 15 a 20 quilômetros de altura e são capazes de gerar vento destrutivo.

O episódio de Guaíba, assim como os demais da história recente da Grande Porto Alegre, foi localizado e atingiu apenas um município ou partes de algumas cidades. No episódio de Guaíba, cidades vizinhas pouco ou nada sofreram. Estações próximas não registraram vento muito forte nem logo a Leste nem tampouco ao Norte e ao Sul da cidade.

Em Eldorado do Sul, por exemplo, estação meteorológica registrou 40 km/h. Em Barra do Ribeiro, as duas estações da cidade indicaram 22 km/h e 31 km/h, respectivamente. Em Porto Alegre, as rajadas chegaram 63 km/h no Salgado Filho. No Jardim Botânico, também na Capital, 60 km/h. Em Canoas, na base aérea, 50 km/h.

Em sua página na internet, o National Weather Service dos Estados Unidos explica o que é um downburst – uma corrente descendente de vento violenta – que é capaz de produzir estragos e danos tão graves quanto o de um tornado pela enorme velocidade que o vento pode atingir durante os episódios deste tipo de fenômeno.

Um downburst é uma forte e relativamente pequena área de ar rapidamente descendente debaixo de uma tempestade que pode resultar de vento muito forte em altitude sendo transportado para a superfície. Ou pode ser efeito do resfriamento muito rápido do ar com a chuva que evapora em uma atmosfera inicialmente seca. O ar mais frio e denso desce rapidamente para a superfície. Um downburst se diferencia do vento uma tempestade comum pelo seu potencial de causar danos próximos à superfície, onde se espalham ou divergem consideravelmente. Ao contrário, em tornados convergem para uma faixa estreita do terreno.

Downbursts intensos podem ser fenomenais. Velocidades do vento podem atingir marcas tão altas quanto as observadas de 281 km/h em Morehead City (Carolina do Norte) e 254 km/h na base aérea de Andrews (Maryland). Fortes episódios de downburst podem causar sons e ruídos que as pessoas frequentemente mencionam como sendo de um trem de carga, termo tipicamente associado a tornados. Embora downbursts não sejam tornados, podem causar danos equivalentes a de um tornado pequeno ou médio, afinal vento é vento.

Downbursts são classificados como macrobursts ou microbursts, dependendo da extensão da área afetada pelo vento. Os danos de macrobursts se estendem horizontalmente por mais de quatro quilômetros enquanto nos microbusts os ventos destrutivos ocorrem em área inferior a quatro quilômetros”.

A MetSul Meteorologia alertava desde a semana passada que a onda de calor entraria em uma fase mais úmida e que esta mudança de perfil na atmosfera com umidade mais abundante traria um risco elevado de temporais fortes a severos com possibilidade de episódios muito intensos e localizados de vento destrutivo, inclusive com ocorrência de downbursts.

Os alertas, reiterados doze horas antes do temporal em Guaíba. enfatizaram sempre que o Leste do Rio Grande do Sul estava entre as áreas de maior risco, mas que pelo caráter excepcionalmente isolado – às vezes na escala de poucos bairros – não é possível prever horas ou dias antes quais pontos exatos serão atingidos.

Com uma massa de ar excepcionalmente quente há uma semana sobre o Rio Grande do Sul, produzindo sucessivos recordes de temperatura máxima e marcas jamais vistas em décadas em diversas regiões, o calor extremo acaba injetando uma quantidade de energia na atmosfera que é enorme.

A forma com que o sistema atmosférico libera tal energia é por tempestades. O calor aumenta, portanto, a probabilidade de tempestades serem mais severas. Por isso, as repetidas advertências desde a semana passada sobre o risco de temporais muito fortes ou mesmo destrutivos em pontos localizados, risco que permanece com o prosseguimento da onda de calor e sua intensificação na segunda metade desta semana.