Uma bolha de calor se instalou entre o Rio Grande do Sul, o Uruguai e a Argentina e trouxe um fim de semana escaldante com marcas acima de 40ºC e recordes de calor na capital argentina. A temperatura do solo (não do ar) atingiu hoje 50ºC em parte do interior gaúcho.  O ar muito quente e seco favoreceu grande número de queimadas e incêndios. A tendência em parte do estado gaúcho é o calor aumentar ainda mais nesta segunda-feira.

A atmosfera, por influência da bolha, ficou extremamente seca com umidade relativa do ar em níveis desérticos. Caiu a 16% no sábado no Oeste e a 11% hoje na Grande Porto Alegre. A umidade baixíssima e o tempo aberto contribuíram para uma espetacular variação de temperatura. O Rio Grande do Sul amanheceu com frio de 5,9ºC em São José dos Ausentes e à tarde a temperatura passou dos 40ºC no estado.

Com o calor extremo, a umidade em patamar desértico e a vegetação muito ressacada por força da estiagem, focos de incêndios e queimadas se proliferaram pelo interior gaúcho. Mas foi o calor o grande protagonista no tempo durante o fim de semana.

No sábado, a máxima em estações oficiais do estado foi de 39,8ºC em Quaraí. Já hoje, o calor aumentou e a máxima estadual superou os 40ºC. De acordo com dados de estações oficiais do Instituto Nacional de Meteorologia, as máximas do domingo foram de 40,4ºC em Quaraí, 39,9ºC em Uruguaiana, 39,5ºC em São Borja, 39,3ºC em Alegrete, 39,1ºC em Bagé, 39,0ºC em São Gabriel, 38,4ºC em São Luiz Gonzaga e 38,3ºC em Campo Bom. Em Porto Alegre, a máxima no Jardim Botânico foi de 36,3ºC.

Já as estações de monitoramento particulares e da Secretaria da Agricultura acusaram 40,6ºC em Bagé, 40,4ºC em Porto Xavier, 40,0ºC em Rio Pardo, 38,8ºC em Lajeado 38,7ºC em Rosário do Sul e Teutônia, 38,5ºC em Santa Rosa, 38,3ºC em Itaqui e Herval, e 38,2ºC em Venâncio Aires.

Calor aumenta nesta segunda

Dados de modelos numéricos indicam que o Rio Grande do Sul agora neste início de semana está entre as áreas mais quentes do mundo, juntamente com o Centro da Argentina e o Uruguai, zonas da África subsaariana e parte da Austrália.

O Rio Grande do Sul terá um dia de extremo calor nesta segunda-feira com marcas ainda mais altas que as de hoje na maioria das cidades. Grande parte dos municípios terão mais de 35ºC à tarde e vários registrarão máximas perto ou acima de 40ºC. O calor será extremo e vai chamar atenção ainda em cidades das regiões de Bagé, Pelotas, Jaguarão e Rio Grande.

Porto Alegre deve ter máxima oficial ao redor de 39ºC, mas, certamente, alguns bairros vão superar 40ºC. Na região metropolitana e nos vales, as máximas em diversos pontos devem ficar entre 39ºC e 41ºC no dia mais quente deste verão até agora.

A umidade relativa do ar segue muito baixa à tarde nesta segunda-feira com valores inferiores a 20% em diversas cidades, mas, segundo os dados dos modelos, o dia não seria tão seco como foi este domingo que registrou mínimo de umidade de 11% em Campo Bom, em cota de emergência.

Verão implacável até agora

Desde o começo do verão já são oito dias com máximas na rede oficial acima de 40ºC, mas em vários dias as máximas ficaram perto da marca dos 40ºC, como ocorreu ontem com 39,8ºC em Quaraí. Dezembro e janeiro terminaram com temperatura acima da média e fevereiro segue no mesmo caminho, o que fará que com todos os meses do verão climático de 2022/2023 sejam de marcas acima da climatologia normal.

Na rede oficial do Instituto Nacional de Meteorologia foram cinco dias com mais de 40ºC em janeiro: 1º/1 com 40,9ºC em Quaraí; 17/1 com 40,4ºC em Quaraí, 20/1 com 40,5ºC em Quaraí e 40,1ºC em Uruguaiana; 24/1 com 40,7ºC em Uruguaiana e 40,3ºC em Quaraí; 25/1 com 40,5ºC em Quaraí.

Já agora em fevereiro são três dias até o momento em que as máximas atingiram os 40ºC na rede oficial. No dia 1º, a máxima de Uruguaiana foi de 40,0ºC. No dia 8, máximas de 40,7ºC em Quaraí, 40,5ºC em São Luiz Gonzaga, 40,2ºC em São Borja e 40,0ºC em Uruguaiana. E hoje com 40,4ºC em Quaraí.

O que é bolha de calor

A causa do calor extremo que se vive é o que se denomina de domo ou cúpula de calor e que em Inglês é chamada de heat dome. O que é isso? O verão significa clima quente – às vezes perigosamente quente – e ondas de calor extremas se tornaram mais frequentes nas últimas décadas por conta das mudanças climáticas. Às vezes, o calor escaldante fica aprisionado no que é chamado de cúpula de calor.

Áreas de alta pressão, como cúpulas de calor, têm ar descendente (subsidência). Isso comprime o ar no solo e através da compressão aquece a coluna de ar. Em suma, uma cúpula de calor é criada quando uma área de alta pressão permanece sobre a mesma área por dias ou até semanas, prendendo ar muito quente por baixo assim como uma tampa em uma panela.

É, assim, um processo físico na atmosfera. As massas de ar quente se expandem verticalmente na atmosfera, criando uma cúpula de alta pressão que desvia os sistemas meteorológicos – como frentes frias – ao seu redor. À medida que o sistema de alta pressão se instala em determinada região, o ar abaixo aquece a atmosfera e dissipa a cobertura de nuvens. O alto ângulo do sol de verão combinado com o céu claro ou de poucas nuvens aquece ainda mais o solo.

Em meio a condições de seca, como o Rio Grande do Sul e países vizinhos hoje enfrentam, o ciclo vicioso não termina aí. A combinação de calor excessivo e superfície terrestre ressecada funciona para tornar a onda de calor ainda mais extrema. É o que os cientistas denominam de mecanismo de feedback.

Com escassa umidade no solo, a energia térmica que normalmente seria usada na evaporação – um processo de resfriamento – aquece diretamente o ar e o solo. Quando a superfície da terra está mais seca, assim, ela não consegue se resfriar por evaporação, o que torna a superfície ainda mais quente, o que fortalece ainda mais o bloqueio da cúpula de calor. Não à toa a maioria das mais poderosas ondas de calor da história gaúcha ocorreram sob forte a severa estiagem, caso de 1943 que tem os recordes oficiais de máxima tanto de Porto Alegre como do interior.

Evidências de estudos sugerem que a mudança climática está aumentando a frequência de cúpulas de calor intensas, bombeando-as para mais alto na atmosfera, algo não muito diferente de adicionar mais ar quente a um balão de ar já aquecido. Por isso, vários estudos apontam aumento da intensidade, duração e frequência de ondas de calor no Brasil e ao redor do mundo.

Nunca na história de mais de um século da observação do clima mundial tantos recordes de calor de todos os tempos caíram por uma margem tão grande quanto na histórica onda de calor do final de junho de 2021 no Oeste da América do Norte, efeito de uma maciça cúpula de calor. Foi o segundo desastre climático mais mortal do ano com 1.037 mortes: 808 no Oeste do Canadá e 229 no noroeste dos EUA. O Canadá quebrou seu recorde nacional de temperatura de todos os tempos em três dias consecutivos em Lytton, British Columbia, que atingiu impressionantes 49,6°Cem 29 de junho, um dia antes da cidade ser incendiada em um feroz incêndio florestal alimentado pelo calor extremo. O antigo recorde de calor canadense era 45,0°C em 5 de julho de 1937.

Este foi o evento regional de calor extremo mais anômalo a ocorrer em qualquer lugar da Terra desde o início dos registros de temperatura. Nada se compara”, disse o historiador do clima Christopher Burt, autor do livro Extreme Weather. Apontando para Lytton, Canadá, ele acrescentou: “Nunca houve um recorde nacional de calor em um país com um extenso período de registro e uma infinidade de locais de observação que foi superado por 4ºC”, afirmou O pesquisador internacional de registros meteorológicos Maximiliano Herrera concordou. “O que vimos é totalmente sem precedentes em todo o mundo”, disse. “É uma cascata interminável de recordes sendo quebrados”, resumiu.

Um estudo de resposta rápida do programa World Weather Attribution descobriu que as altas temperaturas diárias observadas em uma área de estudo que abrange grande parte do Oeste de Oregon, Washington e Colúmbia Britânica em junho de 2021 teriam sido “praticamente impossíveis sem as mudanças climáticas causadas pelo homem”. O estudo estimou que foi aproximadamente um evento de 1 em 1000 anos no clima de hoje, mas em um mundo com 2ºC de aquecimento global, que se projeta para daqui a duas décadas, evento semelhante poderia ocorrer aproximadamente a cada cinco a dez anos.