Acabou! Depois de três anos, chega ao fim um evento histórico do fenômeno La Niña. O anúncio foi feito hoje pela Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA) e já era aguardado ante as condições oceânicas e atmosféricas dos últimos dias no Pacífico Equatorial. Um mês atrás, a MetSul antecipou que a La Niña estava nos últimos dias. Por meses, a MetSul vem destacando ainda a possibilidade de volta do El Niño.

Conforme o Centro Nacional de Previsão do Clima da NOAA, os indicadores de La Niña praticamente desapareceram em fevereiro. A La Niña está associada a águas mais frias do que o normal no Oceano Pacífico tropical, mas recentemente as águas aqueceram e na costa do Peru e do Equador as anomalias de temperatura já estão até em patamar de El Niño costeiro, embora não haja um evento de El Niño.

De acordo com o último boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de -0,2ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada para definir se há El Niño ou La Niña. O valor está na faixa de neutralidade de -0,4ºC a +0,4ºC.

Por outro lado, a região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, que costuma impactar as precipitações mais no verão e a temperatura no Sul do Brasil em qualquer época do ano, estava com anomalia de +1,1ºC, em nível de El Niño costeiro.

Mas um evento de El Niño ainda está no horizonte. O provável retorno do El Niño levanta preocupações sobre como ele pode acelerar o aquecimento global e as crises das mudanças climáticas. O último grande episódio do El Niño em 2015/2016 levou as temperaturas médias globais a recordes e contribuiu para a perda devastadora de florestas tropicais, branqueamento de corais, derretimento do gelo polar e incêndios florestais.

Eventos de El Niño tão intensos normalmente ocorrem uma vez a cada 15 anos, em média, então resta saber – se outro episódio por começar este ano – poderia causar tanto impacto, disse Michael McPhaden, cientista sênior do Laboratório Ambiental Marinho do Pacífico, em Seattle.

A La Niña atuava desde 2020, mas por um breve período houve condições neutras em 2021. Os seus impactos são enormes. Justamente a sucessão de anos de La Niña, que não se via desde a virada do século, causou as estiagens em sequência no Rio Grande do Sul e as secas na Argentina, além de eventos extremos de frio no Sul do Brasil com neve tardia e até inédita em novembro.

FIM DA LA NIÑA É O FIM DA ESTIAGEM?

Com a notícia do fim da La Niña, a pergunta é inevitável: o fim da La Niña significa que a estiagem que assola o Rio Grande do Sul vai acabar? Não, não é tão simples assim. Ideal que acabasse, mas a estiagem vai permanecer ainda por algum tempo. O que pode ocorrer são episódios de chuva mais frequentes, e apenas em certos períodos, como se viu em fevereiro e neste começo de março.

A atmosfera não funciona como virar uma chave, logo o término da La Niña não termina a estiagem de imediato. Isso porque a atmosfera ainda responde por um certo tempo ao padrão que predominava, no caso nos últimos três anos, uma vez que este é um evento de La Niña com três anos de duração, que começou ainda em 2020, o que não ocorria há mais de 20 anos.

O QUE VEM DEPOIS DA LA NIÑA?

Só pode haver uma resposta para a fase seguinte ao evento de La Niña: um período sob estado de neutralidade. O Pacífico tem três fases possíveis que são La Niña, neutralidade e El Niño. Não se passa direto de Niña para Niño ou vice-versa sem um período de neutralidade, seja ele curto ou longo.

Muitas vezes neutralidade no sinal das águas do Pacífico é confundida com normalidade, até por meteorologistas, mas são situações distintas. Neutralidade não é normalidade. Quando o Pacífico Equatorial está neutro, podem ocorrer extremos comuns aos sinais tanto de El Niño como de La Niña.

E saindo de um evento de três anos de resfriamento, a tendência nos momentos iniciais da fase neutra é de um padrão ainda mais perto de La Niña. Mais tarde, em meados do outono – mais para o fim – e no inverno e primavera pode se instalar um evento de El Niño, conforme múltiplas projeções de modelos de clima e oceânicos de longo prazo. Aí os sinais da La Niña terão sumido faz tempo.

El Niño a caminho?

As projeções da Universidade de Columbia, de Nova York, indicam para no trimestre de abril a junho, quando ainda há colheita, 1% de probabilidade de La Niña, 75% de neutralidade e 24% de El Niño. No trimestre de maio a julho que encaminha o inverno de 2023, 1% de chance de La Niña, 75% de neutro e 24% de El Niño.

No trimestre de junho a agosto, o de inverno em 2023, 2% de probabilidade de La Niña, 35% de neutralidade e 63% de El Niño. No trimestre de julho a setembro, importante para a safra de inverno e o trigo, 3% de probabilidade de La Niña, 32% de neutralidade e 65% de El Niño. Já no trimestre de agosto a outubro, que cobre já dois terços da primavera climática, 5% de La Niña, 31% de neutralidade e 64% de probabilidade de El Niño. Por fim, no trimestre de setembro a novembro, o da primavera na climatologia, 7% de La Niña, 31% de neutro e 62% de El Niño.

Os especialistas têm muita cautela com projeções para o Pacífico nesta época do ano. Entre março e junho há o que se denomina de “barreira de previsibilidade” nas projeções para o Pacífico com confiabilidade baixa dos modelos. Agora, à medida que se sai de tal barreira, estas projeções se tornam mais confiáveis e os indicativos são de El Niño pela grande maioria das simulações.

O que é El Niño

Um evento de El Niño ocorre quando as águas da superfície do Pacífico Equatorial se tornam mais quente do que a média e os ventos de Leste sopram mais fracos do que o normal na região. A condição oposta é chamada de La Niña. Durante esta fase, a água está mais fria que o normal e os ventos de Leste são mais fortes. Os episódios de El Niño, normalmente, ocorrem a cada 3 a 5 anos.

El Niño, La Niña e neutralidade trazem consequências para pessoas e ecossistemas em todo o mundo. As interações entre o oceano e a atmosfera alteram o clima em todo o planeta e podem resultar em tempestades severas ou clima ameno, seca ou inundações. Tais alterações no clima podem produzir resultados secundários que influenciam a oferta e os preços de alimentos, incêndios florestais e ainda criam consequências econômicas e políticas adicionais. Fomes e conflitos políticos podem resultar dessas condições ambientais mais extremas.

Ecossistemas e comunidades humanas podem ser afetados positiva ou negativamente. No Sul do Brasil, La Niña aumenta o risco de estiagem enquanto El Niño agrava a ameaça de chuva excessiva com enchentes. Historicamente, as melhores safras agrícolas no Sul do país se dão com El Niño, embora nem sempre, e as perdas de produtividade tendem a ser maiores sob La Niña. O El Niño agrava o risco de seca no Nordeste do Brasil enquanto La Niña traz mais chuva para a região.

A origem do nome “El Niño” data de 1800, quando pescadores na costa do Pacífico da América do Sul notavam que uma corrente oceânica quente aparecia a cada poucos anos. A captura de peixes caía drasticamente na região, afetando negativamente o abastecimento de alimentos e a subsistência das comunidades costeiras do Peru. A água mais quente no litoral coincidia com a época do Natal.

Referindo-se ao nascimento de Cristo, os pescadores peruanos, então, chamaram as águas quentes do oceano de El Niño, que significa “o menino” em espanhol. A pesca nesta região é melhor durante os anos de La Niña, quando a ressurgência da água fria do oceano traz nutrientes ricos vindos do oceano profundo, resultando em um aumento no número de peixes capturados.

O último episódio de El Niño se deu entre 2015 e 2016 e foi de muito forte intensidade, o que rendeu a expressão Super El Niño e o apelido de “El Niño Godzilla”. Este evento foi responsável por grandes enchentes no Sul do Brasil e os maiores picos de cheia do Lago Guaíba, em Porto Alegre, desde as enchentes históricas de 1941 e 1967.