O ano vai terminar sob a influência do fenômeno La Niña no Oceano Pacífico, assim como a equipe da MetSul Meteorologia projetou ao longo dos últimos meses. O resfriamento das águas do Pacífico traz mais um começo de verão climático com estiagem em parte do Rio Grande do Sul e a cultura do milho, tal como se alertava desde o inverno iria ocorrer neste fim de ano, começa a ter quebra de safra.

De acordo com o último boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de -1,0ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada para definir se há El Niño ou La Niña. O valor está na faixa de moderada intensidade de -1,0ºC a -1,4ºC.

Por outro lado, a região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, que costuma impactar as precipitações mais no verão e a temperatura no Sul do Brasil em qualquer época do ano, que chegou a ter uma anomalia de -2,0ºC em outubro, está com -0,7ºC, valor na faixa de fraca intensidade.

Tal área do Pacífico tem grande correlação com a chuva no Sul do Brasil durante os meses do final do final da primavera e do verão com maior probabilidade de estiagem se estiver em território negativo e maior chance de chuva perto ou acima da média se estiver em terreno positivo.

Se negativa, tende a favorecer mais incursões frias no Sul do país e tardias na primavera. A forte anomalia negativa no Pacífico Leste na primavera foi o que colaborou para a temperatura abaixo da média em muitas áreas na estação.

Nevou no primeiro dia da estação, o que não ocorria há muitos anos, e novembro começou com uma massa de ar frio de incomum intensidade para esta época do ano que trouxe geada em um grande número de municípios, além de um histórico episódio de neve sem precedente conhecido no mês de novembro.

Em meados de novembro, o resfriamento das águas do Pacífico Leste, perto das costas tanto do Equador como do Peru, diminuiu significativamente. Consequência da intrusão de águas mais quentes que avançaram a partir do litoral do Chile.

La Niña segue em parte do verão

O atual episódio de La Niña ainda está longe de terminar no Pacífico Equatorial. O fenômeno seguirá atuando até meados do verão de 2023, ao menos até fevereiro. Os modelos de clima estão em razoável acordo que as condições de La Niña devem seguir neste começo de 2023.

Divergem quanto ao momento da transição para um estado de neutralidade (sem El Niño ou La Niña) no primeiro trimestre de 2023. A grande questão, portanto, é quando o Pacífico vai passar de La Niña para a neutralidade.

Analisando-se as projeções de mais de vinte modelos dinâmicos e estatísticos para o Pacífico se observa que para a maioria esmagadora se daria no decorrer do verão. Para alguns modelos, mais cedo no verão e para outros em meados da estação quente. Acreditamos que entre fevereiro e março o Pacífico ingresse em neutralidade.

Cresce chance de El Niño em 2023

Conforme a última projeção da Universidade de Colúmbia, em parceria com a NOAA, para o trimestre de verão, de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023, as probabilidades são de 77% de La Niña e 23% de neutralidade, o que é pouco conforto para o produtor rural que já sofre com estiagem ou enxerga o déficit hídrico aumentar em sua propriedade.

No trimestre de janeiro a março, importante para a cultura de soja, as probabilidades são de 50% de La Niña e 50% de neutralidade. Por sua vez, no trimestre de fevereiro a abril, quando do começo da colheita da safra de verão, a estimativa atual é de 26% de probabilidade de La Niña e 71% de neutralidade.

No trimestre de março a maio, o de outono, que marca o auge da colheita, 14% de La Niña, 78% de neutralidade e 8% de El Niño. No trimestre de abril a junho, quando ainda há colheita, 9% de probabilidade de La Niña, 71% de neutralidade e 20% de El Niño. No trimestre de maio a julho que encaminha o inverno de 2023, 8% de chance de La Niña, 60% de neutro e 32% de El Niño.

Por fim, no trimestre de inverno de junho a agosto de 2023, as probabilidades indicadas pela NOAA e a Universidade de Columbia são de 8% de La Niña, 52% de neutralidade e 40% de El Niño. No trimestre de agosto a setembro, 9% de La Niña, 42% de neutralidade e 49% de El Niño.

Chama atenção como cresce cada vez mais a probabilidade de El Niño em 2013 a cada nova atualização. Pela primeira vez, no inverno de 2023, El Niño aparece com probabilidade maior que neutralidade.

Embora a NOAA e a Universidade de Columbia em suas projeções apontem chance de El Niño a partir do inverno ou começo da primavera de 2023, a MetSul não afasta a possibilidade de o Pacífico ingressar numa fase quente de El Niño ainda no outono de 2023.

O que é La Niña

A La Niña se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais da faixa equatorial do Oceano Pacífico com a alteração do regime de vento na região que impacta o padrão de circulação geral da atmosfera em escala global, inclusive no Brasil. Quando há um evento de La Niña há uma tendência de a Terra esfriar ou na fase atual de apresentar aquecimento menor que haveria estivesse sob El Niño.

No caso do Rio Grande do Sul, há estudos mostrando efeitos em produtividade agrícola pelas diferentes fases do Pacífico. Estes trabalhos levam em conta décadas de dados. Quando sob neutralidade a produtividade ficou acima da média em um terço dos anos, abaixo da média em outro terço e acima no terço restante.

Sob El Niño, a tendência maior foi de aumento de produtividade e com La Niña verificou-se uma probabilidade maior de perdas na produção. Há uma propensão a se fazer uma correlação entre El Niño e mais chuva no Sul do Brasil e La Niña a um maior risco de estiagem, mas esta é uma fórmula distante de correta e existem muitas ressalvas a serem feitas do ponto de vista histórico.

Nenhum evento de La Niña é igual ao outro. Apesar de a grande maioria das estiagens no Sul do país ter ocorrido sob neutralidade ou La Niña, a maior seca do Rio Grande do Sul neste século, em 2005, se deu com o Pacífico Equatorial oficialmente numa condição de El Niño. Da mesma forma já houve muitos meses bastante chuvosos e até enchentes durante episódios de La Niña, como se viu no outono e neste inverno no Sul do Brasil.