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O clima é um grande quebra-cabeças. Quando se faz uma análise ou previsão de longo prazo, os meteorologistas se valem de diversas variáveis como a temperatura dos oceanos, como os casos do El Niño e La Niña, as oscilações sazonais como Madden-Julian, do Ártico e Antártica, e outras. Neste ano, contudo, uma variável de consequências quase imprevisíveis acabou por influenciar o clima no nosso inverno no Brasil: um vulcão. E, embora não tenha sido a única causa, ajudou o imverno brasileiro a ter sido mais quente.

A erupção gigantesca do vulcão submarino de Tonga, no Pacífico Sul, levou uma quantidade de água imensa e inédita na era da ciência para a atmosfera. Em curtas palavras, para entender, a água resfria a estratosfera na parte mais alta da atmosfera e o resfriamento nesta parte da atmosfera acaba intensificando o vórtice polar, retendo o ar mais gelado perto do polo e “fechando a porta” para o avanço de ar mais frio para latitudes médias.

O resfriamento na estratosfera foi sem precedentes no Hemisfério Sul nos últimos meses, o que acabou por determinar um inverno mais quente e seco no Brasil enquanto em áreas mais perto do polo, no Sul da América do Sul, o inverno foi mais frio do que a média em regiões como da Patagônia.

Um evento notável de resfriamento estratosférico foi constatado pelos cientistas a partir da injeção gigantesca de vapor de água. A erupção não foi de um vulcão sobre terra, mas sob água do oceano, e a explosão monumental no dia 15 de janeiro levou uma quantidade incrível de água a grandes altitudes da atmosfera e que permaneceu e ainda segue na atmosfera. Resfriamento na estratosfera na escala observada nos últimos meses não foi visto em registros de satélites modernos, desde 1979.


Todas as nuvens e o tempo estão na camada mais baixa da atmosfera, chamada troposfera. Acima dela, há uma camada muito mais profunda chamada estratosfera. Esta camada tem cerca de 30 quilômetros de espessura e é muito seca. É onde está a camada de ozônio. Embora o tempo ocorra na parte mais baixa da atmosfera, ele pode ser fortemente modificado pelo que ocorre mais acima, na estratosfera.

O vapor de água é muito potente para resfriar a estratosfera. Desvia a radiação solar incidente, mantendo as temperaturas mais baixas. Com um resfriamento maior da estratosfera, acaba se intensificando o vórtice polar, uma circulação de ventos ao redor do polo. Isso geralmente bloqueia e retém o ar mais frio nas regiões polares, criando condições mais amenas nas latitudes médias mais distantes da região polar.

Já um vórtice polar enfraquecido abre as portas para ar mais gelado alcançar áreas mais ao Norte, em latitudes médias como do Centro da Argentina, Uruguai, Paraguai e o Brasil, uma vez que as correntes de jato (corredores de vento a cerca de 10 a 12 quilômetros de altura) ondulam mais. Os eventos de vórtices polares fracos normalmente resultam de eventos de aquecimento estratosférico, mas neste ano o que se teve foi um resfriamento estratosférico recorde sobre a Antártida.

SIMON LEE/DIVULGAÇÃO

Em julho, o efeito de resfriamento da estratosfera foi muito forte. As anomalias de temperatura no mês na estratosfera ficaram até 10ºC abaixo do normal, reforçando o vórtice polar e desta forma “fechando a porteira” para que massas de ar frio escapassem do polo em direção às latitudes médias, mantendo a circulação do ar gelado mais perto da Antártida e no Sul da América do Sul. Veja como este resfriamento muito intenso (linha vermelha) da estratosfera teve início a partir de junho e se acentuou muito em julho e agosto, desviando demais da média (zona cinza), mantendo-se agora em setembro.

NOAA

O maior resfriamento da estratosfera se deu justamente entre 30ºS (latitude de Porto Alegre) e 50ºS de latitude Sul, no nível de 10 hPa ou cerca de 30 quilômetros acima da superfície, o que ajuda a explicar o porquê de ter feito mais frio do Centro para o Sul da Argentina enquanto no Brasil a temperatura esteve mais abaixo da média mais ao Sul no Rio Grande do Sul na estação e mais quente em latitudes menores mais ao Norte em direção ao Centro-Oeste e o Sudeste.

Com o movimento do ar frio mais zonal (de Oeste para Leste) no Sul do continente, o número de incursões de ar frio fortes no Brasil no inverno foi baixo depois da grande onda polar do mês de maio, quando o resfriamento estratosférico ainda não fugia muito ao normal. O mês de julho, em especial, teve baixíssima frequência de ingresso de ar frio e o ar quente predominou, o que levou a um julho de temperatura muitíssimo acima da média no território nacional.

O mês de julho, assim, foi determinante para que o trimestre de inverno (junho a agosto) fosse de temperatura acima a muito acima da média em grande parte do território brasileiros com as anomalias muito positivas principalmente em estados do Centro-Oeste, do Sudeste e mais ao Norte do Sul do Brasil.

O mesmo ocorreu na Argentina. Durante o mês de julho, o frio no país vizinho só se destacou na Patagônia, que teve temperaturas mínimas de até -19°C em Río Negro, e nevascas recorrentes nas áreas andinas. Por outro lado, principalmente no Centro e no Norte do país o mês foi de pouco frio e teve dias de calor com recordes de máximas para julho desde 1961, como Chepes, La Rioja com 31,5°C (9/07) e Oberá, Misiones, com 32,5°C (26/07).

Com menor frequência de avanço de ar frio, as frentes frias foram mais escassas e fracas no auge do inverno, sem alcançar muitas vezes o Sudeste e do Centro-Oeste do Brasil. De acordo com dados do Serviço Meteorológico Nacional da Argentina, o inverno deste ano foi o 7º mais seco desde 1961.

A NASA, agência espacial dos Estados Unidos, havia advertido que a quantidade enorme de vapor d´água que alcançou a estratosfera poderia trazer temperaturas mais altas. A enorme quantidade de vapor de água lançada na atmosfera na erupção de janeiro do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai pode acabar aquecendo temporariamente a superfície da Terra. Em janeiro, logo após a erupção, a cogitação era contrária entre alguns pesquisadores que especulavam a possibilidade de um pequeno resfriamento.

TONGA GEOLOGICAL SERVICE

Quando o vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai entrou em erupção em 15 de janeiro, houve um tsunami que atingiu todos os oceanos de planeta e ainda um estrondo sônico que circulou o globo duas vezes. A erupção submarina no Oceano Pacífico Sul também lançou uma enorme nuvem de vapor de água na estratosfera da Terra, o suficiente para encher mais de 58.000 piscinas olímpicas.

“Nunca vimos nada parecido”, disse Luis Millán, cientista atmosférico do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), da NASA, no Sul da Califórnia. O pesquisador liderou um novo estudo examinando a quantidade de vapor de água que o vulcão de Tonga injetou na estratosfera, a camada da atmosfera entre cerca de 12 quilômetros e 53 quilômetros acima da superfície da Terra. A explosão do vulcão chegou a ser ouvida a dez mil quilômetros de distância.

No estudo publicado na Geophysical Research Letters, Millán e seus colegas estimam que a erupção de Tonga enviou cerca de 146 teragramas (1 teragrama equivale a um trilhão de gramas) de vapor d’água para a estratosfera terrestre, igual a 10% da água já presente na camada superior da atmosfera. Isso é quase quatro vezes a quantidade de vapor de água que atingiu a estratosfera na erupção do Pinatubo, em 1991, nas Filipinas, afirma o pesquisador.

Millán analisou dados do instrumento Microwave Limb Sounder (MLS) do satélite Aura da NASA, que mede gases atmosféricos, incluindo vapor de água e ozônio. Depois que o vulcão Tonga entrou em erupção, a equipe da MLS começou a ver leituras de vapor de água que estavam fora dos gráficos. “Tivemos que inspecionar cuidadosamente todas as medições na pluma para garantir que fossem confiáveis”, disse Millán.

Desde que a NASA começou a fazer medições, apenas duas outras erupções – o evento Kasatochi de 2008 no Alasca e a erupção Calbuco de 2015 no Chile – enviaram quantidades apreciáveis ​​de vapor de água para altitudes tão altas na atmosfera. Mas esses foram minúsculos em comparação com o evento de Tonga, e o vapor de água de ambas as erupções anteriores se dissipou rapidamente. O excesso de vapor de água injetado pelo vulcão Tonga, por outro lado, pode permanecer na estratosfera por vários anos.

Esse vapor de água extra pode influenciar a química atmosférica, aumentando certas reações químicas que podem piorar temporariamente a destruição da camada de ozônio. Também pode influenciar as temperaturas da superfície.

Erupções gigantescas como a do Krakatoa (1883) e do Monte Pinatubo (1991) normalmente resfriam a superfície da Terra ao ejetar gases, poeira e cinzas que refletem a luz solar de volta ao espaço. Em contraste, o vulcão Tonga não injetou grandes quantidades de aerossóis na estratosfera, e as enormes quantidades de vapor de água da erupção podem ter um efeito de aquecimento pequeno e temporário, já que o vapor de água retém o calor. O efeito se dissiparia quando o vapor de água extra saísse da estratosfera e não seria suficiente para exacerbar visivelmente os efeitos das mudanças climáticas.

A grande quantidade de água injetada na estratosfera provavelmente só foi possível porque a caldeira do vulcão subaquático, uma depressão em forma de bacia geralmente formada após a erupção de magma ou drenagem de uma câmara rasa sob o vulcão, estava na profundidade certa no oceano: cerca 150 metros para baixo. Se fosse mais raso, não haveria água do mar superaquecida pelo magma em erupção suficiente para explicar os valores estratosféricos de vapor de água que Millán e seus colegas viram. Mais profundo, e as imensas pressões nas profundezas do oceano poderiam ter silenciado a erupção.

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