A situação sinótica (sistemas meteorológicos em atuação) será muito diferente, mas a natureza da chuva que trará volumes extremos para áreas do Nordeste do Rio Grande do Sul e o Sul e o Leste de Santa Catarina será a mesma que foi responsável pelo desastre do dia 15 de fevereiro em Petrópolis, na Região Serrana no estado do Rio de Janeiro com 230 mortos e muitos danos, e que se repetiu em março com menor proporção nas consequências, embora os volumes mais altos.
O que vai acontecer no Sul do Brasil? Uma área de baixa pressão alongada reforça a chuva hoje no Sul do país com intensificação das precipitações principalmente sobre a Metade Norte do Rio Grande do Sul que terá um dia de tempo encoberto com chuva a qualquer hora e que será forte a torrencial por vezes em alguns pontos, acompanhada de trovoadas.
Grande número de cidades da Metade Norte gaúcha terá chuva nesta segunda-feira ao redor ou acima de 50 mm com marcas de 75 mm a 100 mm e isoladamente superiores no Nordeste do Estado. A chuva afeta também grande parte de Santa Catarina e áreas mais ao Sul do Paraná.
Nesta terça-feira, um vórtice ciclônico (também conhecido em Meteorologia como baixa fria) vai se organizar e progredir do Nordeste da Argentina e avançar para áreas a Oeste do Sul do Brasil. O sistema vai contribuir para aumentar ainda mais a instabilidade e generalizar a chuva pelo Sul do Brasil com precipitação ao longo da terça-feira em quase todos os municípios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paraná.
A chuva durante a terça-feira, com o vórtice ciclônico passando a atuar no Sul do Brasil, vai ter período de moderada a forte em muitas cidades com precipitações localmente torrenciais que podem despejar altos volumes localizados em curto período. Entre o Nordeste gaúcho e o Sul de Santa Catarina a chuva ganha mais força.
TEMPO | Animação do modelo norte-americano GFS mostra progressão de vórtice ciclônico (baixa fria) em 500 hPa (~5 mil metros de altitude) que dará origem ao ciclone em superfície. Leia alerta em https://t.co/9gbbBqs6Rq e veja vídeo em https://t.co/sjtGSnWcjl. pic.twitter.com/gcBhyTrLV7
— MetSul.com (@metsul) May 2, 2022
Entre terça e quarta-feira, o vórtice ciclônico vai estar sobre o Sul do Brasil e entrará em fase com centro de baixa pressão em superfície, dando origem a um ciclone extratropical com a área de baixa pressão presente em baixos, médios e altos níveis da atmosfera. Com isso, a chuva vai se intensificar muito sobre o Nordeste do Rio Grande do Sul e o Sul e o Leste de Santa Catarina.
O ciclone extratropical trará vento por vezes moderado a forte do mar para o continente, o que popularmente é conhecido como “Lestada” pelos catarinenses, transportando grande volume de umidade da região oceânica em direção ao continente, criando o cenário para acumulados de precipitação excepcionalmente altos.
Será quando a chuva passará a ter natureza orográfica nas áreas com previsão de acumulados mais extremos de precipitação, junto a Leste da Serra e o setor mais Norte perto da Serra no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, e o Sul e o Leste de Santa Catarina. O intenso fluxo de ar úmido vindo do mar pela circulação ciclônica vai gerar chuva com volumes extremamente altos nestas áreas.
A chuva orográfica é a precipitação induzida pelo relevo. Umidade que vem do oceano, trazida por vento do quadrante Sul a Leste, em razão de uma massa de ar frio de trajetória oceânica ou um ciclone, ao encontrar a barreira do relevo da Serra do Mar, ascende na atmosfera e encontra temperatura mais baixa à medida que ascende na atmosfera com camadas mais frias. Isso leva à condensação e à ocorrência de chuva induzida pelo relevo.
Em um exemplo bem didático e simples de entender. O que acontece se você chega na frente de um espelho e soltar ar da sua boca? O espelho que tem uma superfície mais fria vai ficar embaçado (úmido) e molhado. Com a chuva orográfica ocorre o mesmo. O ar mais úmido e quente (analogia com ar que sai da boca) encontra um obstáculo físico que é o relevo (como o espelho) e ao chegar nesta barreira que são os morros sobe na atmosfera e encontra temperatura mais baixa, condensando-se o vapor de água e formando chuva.
Episódios de chuva orográfica são de alto risco porque costumam trazer acumulados de precipitação muito altos e que não raro até acabam superando as projeções dos modelos numéricos. Estas simulações computadorizadas estão a indicar volumes extraordinariamente altos para uma zona entre o Nordeste do Rio Grande do Sul, na borda do Parque Nacional dos Aparados da Serra e mais ao Norte no Litoral Norte gaúcho assim como no Sul e no Leste de Santa Catarina.
Veja que nas últimas projeções de chuva acumulada dos modelos Icon (Alemanha) e ECMWF (Centro Meteorológico Europeu) os volumes previstos para estas áreas mencionadas são por demais extremos com marcas de 200 mm a 300 mm e acumulados isolados tão altos quanto 400 mm a 500 mm. O modelo Icon, por exemplo, chega a indicar 500 mm a 600 mm isoladamente.
O nosso modelo de maior resolução, o WRF (Weather and Reserch Forecasting Model) prevê cenário quase idêntico com marcas até 21h de quarta-feira de 250 mm a 450 mm para o extremo Nordeste gaúcho e uma faixa que vai do Sul de Santa Catarina até a capital Florianópolis.
Santa Catarina, por ter a Serra do Mar no Leste do seu território, de Sul a Norte, diferentemente do Rio Grande do Sul que na sua faixa litorânea tem relevo a Oeste apenas mais ao Norte, acaba tendo um histórico de eventos de chuva orográfica com episódios extremos de precipitação e alguns com consequências trágicas.
O mesmo ocorre com frequência nos litorais de São Paulo e no Rio de Janeiro. No começo de abril, o maior volume de chuva da história da fluminense Angra dos Reis trouxe acumulados na região da Costa Verde do Rio de Janeiro tão absurdamente altos quando 700 mm a 800 mm com inundações e deslizamentos.
No desastre de 15 de fevereiro deste ano, Petrópolis teve a formação de um temporal enquanto uma frente fria passava pelo estado do Rio de Janeiro. Uma corrente de vento úmido que vinha do mar encontrou a barreira da Serra e choveu de forma extraordinária em curto período na cidade.
Alguns pontos de Petrópolis tiveram até 300 mm em tão-somente três horas enquanto em partes do município a precipitação foi muito inferior, com registros entre 50 mm e 100 mm. Os maiores volumes se deram justamente próximos de elevações, como o Morro da Oficina, onde se registraram os piores deslizamentos e grande parte das vítimas do desastre.