Equipes de resgate atuam no local de um deslizamento de terra em que uma mãe e seus filhos foram mortos, em Paraty, estado do Rio de Janeiro, no começo do sábado. Chuvas torrenciais provocaram inundações e deslizamentos de terra em diversas cidades com saldo de mortos e desaparecidos. BRUNO KAIUCA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O temporal que atingiu a Costa Verde no litoral Sul fluminense, entre a noite de sexta e ontem, causou mortes e destruição em Paraty. Seis pessoas de uma mesma família morreram em consequência de um deslizamento de terra que destruiu a casa onde moravam, segundo o Corpo de Bombeiros. O deslizamento ocorreu na Praia da Ponta Negra e atingiu sete casas.

Mãe e cinco filhos, entre 2 e 15 anos de idade, perderam a vida. Uma criança foi resgatada com vida e encaminhada para o hospital municipal. De lá, ela foi transferida para o Hospital de Praia Brava, em Angra dos Reis, cidade vizinha. No mesmo deslizamento, quatro crianças de outras famílias foram resgatadas com ferimentos leves e estão bem.

O prefeito de Paraty Luciano Vidal pediu ajuda para os desalojados. “Precisamos principalmente de agasalhos, colchões, material higiênico e cestas básicas para distribuir aos bairros afetados. Estamos com mais de noventa pessoas trabalhando para restabelecer a segurança em todos os locais com barreiras, porém tendo que lidar com a dificuldade de acesso. Pedimos paciência. Na praia do Sono teve inundações, mas sem nenhum óbito. Estamos trabalhando por lá também”, informou o prefeito.

Equipes dos Bombeiros e da Defesa Civil de Paraty permanecem na Praia da Ponta Negra apoiando as ações de resgate.  O prefeito informou ainda que 22 bairros foram atingidos por alagamentos e outras ocorrências ligadas às chuvas. “Pelo menos 71 famílias estão desalojadas”, disse.

Angra dos Reis também registra vítimas. No bairro Monsuaba, quatro residências foram atingidas por deslizamentos de terra. A Defesa Civil foi acionada e cinco pessoas foram resgatadas. Outras nove, de acordo com os relatos de parentes, estão desaparecidas. Dois óbitos foram registrados no bairro. Os agentes localizaram os corpos de duas crianças. O Corpo de Bombeiros trabalha na região com auxílio de cães farejadores para  ajudar a localizar os desaparecidos.

Na Ilha Grande, as comunidades mais afetadas são Araçatiba, Vermelha, Provetá e Aventureiro. Na Praia Vermelha e no Provetá ocorreram deslizamentos de terra e blocos de pedra. A Praia de Itaguaçu, ao lado da praia Vermelha, foi praticamente soterrada. Houve registro de deslizamento também no Aventureiro e na Vila do Abraão.

A prefeitura está disponibilizando abrigos para as pessoas que precisam deixar suas casas. No momento, 49 pessoas encontram-se em abrigos, localizados em unidades da rede municipal de ensino, recebendo apoio da Secretaria de Educação, Saúde e da Assistência Social. Todas as escolas da rede estão mobilizadas e prontas para atender à população, de acordo com as necessidades indicadas pela Defesa Civil.

Baixada Fluminense

A chuva forte provocou alagamentos também na Baixada Fluminense. Nos municípios de Nova Iguaçu, Belford Roxo e Mesquita, a chuva forte causou o transbordamento de rios. Em Mesquita, um homem morreu eletrocutado ao sofrer uma descarga elétrica, quando passava por dentro d’água na região central do município. Segundo a prefeitura municipal, uma força-tarefa está fazendo vistoria em residências, desobstrução de vias e limpeza da cidade.

Nova Iguaçu está em alerta máximo pela cheia dos rios Botas e Iguaçu. Segundo a prefeitura, durante a madrugada do sábado choveu 166 mm em apenas quatro horas, 175% do volume médio histórico de todo o mês de abril. No Hospital Geral de Nova Iguaçu, houve infiltrações em dois CTIs. Em um deles, 13 pacientes tiveram que ser transferidos para os setores de pós-operatório.

Em Belford Roxo, em apenas duas horas, choveu 228 mm, obrigando pelo menos 300 pessoas a deixar suas casas. Cerca de 180 pontos de alagamento foram registrados e houve deslizamentos nos bairros Shangrilá e Santa Maria. Em Maricá, também localizada na região metropolitana do Rio de Janeiro, o rio Mumbuca também teve elevação em seu nível. Parte da ponte Mumbuca cedeu e equipes da prefeitura. Já no município vizinho de Saquarema, algumas pontes foram danificadas e houve alagamentos, quedas de muros e de árvores.

Cidade do Rio de Janeiro

As localidades de Rio das Pedras e Muzema, em Jacarepaguá, na zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, igualmente foram castigadas pelo temporal. Com os bueiros entupidos e a falta de drenagem, as lojas comerciais ficaram alagadas nas duas regiões. A comunidade de Rio das Pedras fica totalmente ilhada. Até os ônibus urbanos tiveram dificuldades de transitar pelo bairro. Os carros de passeio ficam impedidos de rodar devido aos bolsões d´água.

Moradores e comerciantes da comunidade de Rio das Pedras, zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, sofrem com alagamentos devido às chuvas intensas que causaram estragos em vários pontos do estado do Rio | FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL/EBC/METSUL METEOROLOGIA

O Centro de Operações da Prefeitura do Rio de Janeiro chegou a elevar o nível de preparação da cidade para “alerta”, o quarto nível em uma escala de cinco, duas vezes entre quinta e ontem. Chegaram a ser emitidos avisos de risco de deslizamentos de terra por dois temporais com chuva intensa que castigaram a capital fluminense com volumes excepcionalmente altos de chuva.

Chuva extraordinária

Os volumes de chuva que atingiram a região da Costa Vede atingiram valores extraordinários. Conforme medições do Centro Nacional de Previsão de Desastres (Cemaden), os acumulados em alguns pontos se aproximam de 1000 mm com várias medições acima de 500 mm. Os dados mais espantosos são de Paraty e de Angra dos Reis.

Conforme as medições do Cemaden em Angra dos Reis, choveu em 96 horas até o final do sábado (2) volumes de 899 mm na Praia de Araçatiba, 678 mm na Praia de Garatucaia, 534 mm na Praia de Goiabas e 545 mm na Ponta Leste. Em Paraty, 461 mm na Mangueira até o final do sábado. Houve acumulados de até 50 mm em apenas 24 horas.

Na cidade do Rio de Janeiro, de acordo com o Alerta Rio, até o final do sábado os volumes em 96 horas eram de 391 mm no Alto da Boa Vista, 387 mm em Guaratiba, 361 mm na Grota Funda, 276 mm na Tijuca, 253 mm no Jardim Botânico, 247 mm no Recreio dos Bandeirantes, 246 mm na Rocinha, 237 mm na Barra/Barrinha e 210 mm em Santa Cruz.

As estações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) acusaram em 96 horas até o fim do sábado marcas de 428 mm em Paraty, 350 mm no Rio de Janeiro (Marambaia) e 325 mm em Angra dos Reis. Conforme as normais 1981-2010, a média histórica de precipitação de abril é de 166,9 mm. Isso significa que em alguns pontos da Costa Verde choveu em 86 horas mais de 5 vezes a média de todo o mês.

Por que a chuva foi tão extrema

Volumes extremos não são incomuns no litoral do Rio de Janeiro pela condição geográfica da região, mas acumulados tão absurdamente altos como os que acabam de ser registrados fogem muito ao que normalmente se observa e a razão está na excepcionalidade do que levou a chuva a ser excepcional.

Foram duas situações meteorológicas e em dois momentos potencializadas por uma condição geográfica que é a topografia da região. Primeiro, uma frente fria chegou ao litoral do Sudeste do Brasil e trouxe muita chuva na costa de São Paulo e no litoral do Rio de Janeiro. Segundo, e muito mais importante, foi o aporte enorme de umidade do mar para o continente com a atuação de uma massa de ar frio no oceano.

Observe no mapa com o vento em 850 hPa (1.500 metros de altitude) como havia fluxo de vento mais intenso do oceano para a costa, carregado de umidade, praticamente um pequeno e estreito rio atmosférico, justamente no sentido da Costa Verde e da cidade do Rio de Janeiro, o que explica os acumulados de precipitação excepcionais observados no final da semana.

E na infiltração de umidade marítima está a excepcionalidade da situação. A massa de ar frio que levou umidade do oceano para o litoral era muito forte para esta época do ano e trouxe as menores temperaturas em décadas no Sul do Brasil, e até um século na Campanha do Rio Grande do Sul, para o final de março. A excepcionalidade da chuva, assim, passa pela intensidade enorme da massa de ar frio.

Então, entra um terceiro fator que é o relevo da região da Costa Verde e da cidade do Rio de Janeiro. A umidade que vinha do mar com ar mais frio encontrou ar mais quente sobre o continente e a barreira física dos morros da Serra do Mar, gerando que se denomina de chuva orográfica.

Chuva orográfica é precipitação induzida pelo relevo. Umidade que vem do oceano, trazida por vento do quadrante Sul a Leste, em razão de uma massa de ar frio de trajetória oceânica e que atua na costa do Sul do Brasil, ao encontrar a barreira do relevo da Serra, ascende na atmosfera e encontra temperatura mais baixa.

Isso leva à condensação e à ocorrência de chuva induzida pelo relevo. Episódios de chuva orográfica são de alto risco porque costumam trazer acumulados de precipitação muito altos e que não raro até acabam superando as projeções dos modelos numéricos. Os litorais de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro são os de maior risco de eventos de chuva extrema de natureza orográfica no Brasil.

Modelos numéricos de maior resolução, como o WRF da MetSul Meteorologia, indicavam acumulados extremos para as áreas mais atingidas pela chuva com volumes em alguns pontos de até 250 mm a 300 mm, mas como tradicionalmente ocorre em eventos de chuva orográfica a precipitação acaba extrapolando até as piores projeções dos modelos numéricos.

A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, tem um histórico de eventos de chuva extrema em março e abril por esse tipo de situação em que infiltração de umidade marítima por massa de ar frio no oceano traz acumulados extremos em locais junto ao relevo da Serra do Mar. Não à toa o maior índice de chuva neste evento na cidade do Rio se deu no Alto da Boa Vista.

As dez maiores medições de chuva em 24 horas na rede do Alerta Rio ocorreram todas no mês de abril. Os episódios ocorreram em 6/4/2010, 9/4/2019 e 26/4/2011. A maioria teve acumulados superiores a 300 mm em 24 horas. No fim de março e em abril começam a ingressar as primeiras massas de ar frio mais fortes que encontram o ar tropical quente e úmido no Sudeste com chuva forte que é potencializada em áreas junto à Serra do Mar.

Em seu boletim com o prognóstico para abril, a MetSul advertia que “no Sudeste do Brasil, áreas perto da costa em São Paulo e o Rio de Janeiro podem ter chuva acima a muito acima da média pelo maior transporte de umidade do oceano em razão da maior frequência de ar frio sobre o Atlântico na costa do Sul do país”. O boletim acrescentava o “alto o risco de eventos de chuva excessiva nestas áreas”.