Cenário de devastação no município fluminense de Petrópolis após chuva excepcional de 260 mm em apenas quatro horas que trouxe inundações, desabamentos e quase duas centenas de deslizamentos de terra que soterraram dezenas de pessoas e deixam a cidade em situação de calamidade | CARL DE SOUZA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Um episódio localizado de chuva excepcional atingiu o município fluminense de Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, na tarde de ontem (15), causando dezenas de mortes. Com a chuva extrema, a cidade mergulhou no caos. Ruas se transformaram em rios, carros foram arrastados e desceram encostas junto com a violenta correnteza, partes de morros vieram abaixo, deslizamentos de terra foram registrados em diversos pontos, inundação tomou parte da cidade e alagamentos foram generalizados.

A Prefeitura de Petrópolis decretou estado de calamidade pública devido aos estragos enormes da chuva na cidade. O balanço até o começo do dia indicava 171 deslizamentos de terra, alagamentos e quedas de árvores. Os bairros mais atingidos foram Centro, Quitandinha, Caxambu, Alto da Serra, Coronel Veiga, Duarte da Silveira, Floresta, Caxambu e Chácara Flora. No Morro da Oficina, no Alto da Serra, 80 casas foram atingidas.

A chuva excepcional deixou um cenário de guerra na área urbana do município a 80 quilômetros ao Norte da cidade do Rio de Janeiro. A força da enxurrada arrancou o asfalto das ruas, empilhou automóveis e destruiu casas. Com a baixa das águas durante a noite, corpos apareceram nas ruas de Petrópolis, revelando a dimensão da tragédia. O tamanho do desastre, entretanto, ainda não é conhecido porque algumas áreas estão inacessíveis e há desaparecidos.

O Município recebe o apoio do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, do Grupamento de Operações com Produtos Perigosos (GOPP), do Grupamento de Socorro Florestal e Meio Ambiente que trouxe cães farejadores de Magé, das Polícias Rodoviárias, Militar e Civil, além do Exército Brasileiro.

Volume de chuva muito fora do normal

O acumulado de precipitação na cidade de Petrópolis é incomum. Por ser uma área de risco e com histórico de desastres por chuva, a região conta com eficiente monitoramento de chuva e níveis de rios (hidrometeorológico) com dezenas de pontos de medição dos governos estadual e federal. Os acumulados medidos por estes equipamentos mostraram que a chuva não foi uniforme dentro do município com grande variabilidade nos volumes que oscilaram entre 100 mm e 260 mm.

O maior volume foi observado no ponto de medição do Centro Nacional de Previsão de Desastres Naturais (Cemaden) de São Sebastião/GEO com 260 mm em menos de seis horas, sendo que em apenas quatro horas se precipitaram mais de 200 mm com acumulados que em vários momentos chegaram a ser de 20 mm a cada dez minutos. A média histórica de precipitação do mês de fevereiro inteiro é de 240 mm.

INEA

Já estação do INEA (Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro) apontou 223 mm no ponto de medição de Alto da Serra/Palatinado. Neste ponto, a chuva somou 76 mm entre 16h e 17h, 99 mm entre 17h e 18h e 40 mm entre 18h e 19h, portanto 215 mm em apenas três horas.

Anuário do Instituto de Geociências da UFRJ – 2018

O volume de chuva apenas em três a quatro horas da tarde do dia 15 de fevereiro não apenas superou a média histórica de precipitação do mês inteiro em Petrópolis como foi equivalente a mais de 10% da média anual de precipitação da cidade fluminense, o que evidencia o caráter excepcional da precipitação.

As causas da chuva

A chuva extrema que atingiu o município de Petrópolis não ocorreu durante a passagem da frente fria que cruzou pela costa do estado do Rio de Janeiro horas antes e estava na altura do Espírito Santo no momento em que se abateu a precipitação excepcional sobre o município da Região Serrana do Rio de Janeiro.

A causa principal foi uma massa de ar frio sobre o Oceano Atlântico e que horas antes tinha trazido mínimas de 4ºC no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina com formação de geada em pleno mês de fevereiro em área de maior altitude dos dois estados. O ar frio vindo do mar encontrou o ar mais quente que estava ao Norte de Petrópolis e gerou nuvens sobre o estado do Rio de Janeiro durante a tarde e que de forma isolada despejaram grande quantidade de chuva sobre a cidade serrana.

A imagem de satélite do momento da chuva mais extrema mostra a frente fria sobre o Oceano Atlântico se estendendo até o território capixaba enquanto no estado fluminense se formavam nuvens de desenvolvimento vertical induzidas pelo contraste entre o ar mais resfriado que avançava do oceano e mais aquecido sobre Minas Gerais.

Instituto Nacional de Meteorologia

Dados de análise de modelos numéricos mostravam correntes de vento mais fortes em 850 hPa (cerca de 1.500 metros de altitude) avançando do mar para o continente no Rio de Janeiro no momento da chuva excepcional. Estas correntes de vento não apenas traziam ar mais frio do oceano como umidade que, ao interagir com o relevo local, gerou chuva de natureza orográfica e com volumes extraordinariamente altos.

Topografia da região favoreceu chuva extrema e desastre

Petrópolis está localizada no topo da Serra da Estrela, pertencente ao conjunto montanhoso da Serra dos Órgãos, a 845 metros de altitude média, sendo que a sede municipal está a 810 metros de altitude. A cidade é excessivamente montanhosa, principalmente em sua zona urbana. Possui vários picos próximos ou em seu território de grande altitude como a Pedra Assú, o culminante da Serra do Mar com 2.232 metros, e o da Isabeloca, cuja altura é de 2.200 metros, situado nas proximidades da Pedra Assú, o ponto culminante de Petrópolis.

Anuário do Instituto de Geociências da UFRJ – 2018

As características do relevo local favorecem um tipo de chuva conhecido como orográfica, ou seja, induzida pelo relevo. Ventos úmidos que avançam do mar encontram a barreira física da região serrana e o ar é forçado fisicamente a ascender na atmosfera, onde encontra temperatura menor e a umidade se condensa na forma de chuva.

É o que leva à ocorrência de eventos extremos com altíssimos acumulados de chuva em curto período e faz do Leste e Nordeste de Santa Catarina, o litoral de São Paulo e o Rio de Janeiro as áreas de maior risco para este tipo de precipitação no Brasil. Em 2011, um grande e catastrófico evento de chuva orográfica deixou cerca de mil mortos em várias cidades da Região Serrana do Rio de Janeiro.

Ontem, como destacado, os dados indicavam um fluxo de vento do mar para o continente com um corredor de vento mais forte de Sul para Norte sobre o estado do Rio de Janeiro. Este corredor de vento trazia ar mais frio que encontrou ar aquecido e ainda transportava umidade que se elevou e se condensou ao chegar na barreira física dos picos de Petrópolis, gerando um evento local de chuva excepcional.

As mesmas características topográficas que favoreceram a chuva extrema também contribuem para que os efeitos da precipitação excessiva sejam mais graves. Chuva de 200 mm em quatro horas em qualquer cidade, sob qualquer altitude, traria enormes e graves transtornos para a população, mas em uma cidade de terreno acidentado, com grandes elevações e ocupação desordenada de áreas de encostas as consequências são muito mais graves e desastrosas.

O relevo local faz com que Petrópolis tenha vários pequenos rios em seu território, a maioria afluentes do Piabanha que é o principal do município. Com chuva excessiva, uma enorme carga é despejada nas calhas destes mananciais e a água sobe muito rapidamente e avança com velocidade excessiva, gerando inundações muito rapidamente com enxurradas e aluviões de lama e rochas.

Ou seja, o mesmo relevo que induz a chuva extrema também faz com que seus efeitos sejam potencializados. Somam-se a alta densidade populacional e a grande quantidade de pessoas vivendo em área de risco para que tenha um cenário perfeito para um desastre.

Histórico de desastres por chuva

O desastre que se abate sobre Petrópolis não foi o primeiro e não será o último dadas as características climáticas da região, o seu relevo e a densidade populacional com alta ocupação de área de riscos hidrológico e geológico. São 234 locais considerados como risco alto ou muito alto para deslizamentos, de acordo com o Plano Municipal de Redução de Riscos, divulgado em 2017. Mais de sete mil famílias vivem nestes locais.

Levantamento da imprensa local mostrou que apenas entre 1988 e 2018 morreram mais de 400 pessoas em consequência de chuva somente na cidade de Petrópolis. Os piores anos foram 1988 com 134 mortes, 2001 com 67 vítimas, 2002 com 50 mortos, 2011 com 73 pessoas que perderam suas vidas e 2013 com 33 vítimas fatais.

O mais lembrado dos desastres pela chuva na cidade ocorreu em fevereiro de 1988, quando 134 pessoas morreram em deslizamentos de terra, desabamentos ou levadas pelas águas da enchente em Petrópolis. Bairros inteiros estiveram sob ameaça de desabamento. Comunidades e casas em áreas risco ficaram vulneráveis. O cenário foi de grande destruição, como agora. À época, as autoridades municipais chegaram a cogitar evacuar a cidade.

O evento de chuva de 1988 atingiu toda a cidade. Barracos e casas de luxo tiveram danos. As ruas de Petrópolis, tal como se repete em 2022, pareciam uma zona de guerra com destruição, carros empilhados, asfalto arrancado nas ruas e muitos deslizamentos com dezenas soterrados.

Mudanças climáticas

Sempre que há um desastre natural de grandes proporções e um evento meteorológico extremo há uma tendência natural de se relacionar o fato às mudanças climáticas. Embora esteja demonstrado que o aquecimento do planeta esteja causando um aumento dos eventos de chuva extrema no Sul e no Sudeste do Brasil, somente um estudo de atribuição poderá determinar se as mudanças climáticas tiveram alguma contribuição para o episódio em Petrópolis.

Os cientistas na climatologia trabalham com a equação de Clausius-Clapeyron. O ar mais quente pode reter mais vapor de água, em cerca de 7% a mais de vapor para cada 1ºC de aquecimento. Quanto mais quente o planeta, por efeito mais vapor d’água reterá a atmosfera e, assim, maior o risco de eventos extremos de chuva.

Considerando o longo histórico da região de episódios de chuva excepcional, pelas suas características topográficas e climáticas, é possível, mesmo tendo ocorrido um volume extraordinário de precipitação em curto período, que as causas estejam dentro de um processo natural do clima e não de caráter antropogênico (influência humana).