O principal retrato da emergência climática global de hoje na América do Sul é a crise hídrica que afeta o Brasil com impactos no território brasileiro e com repercussão em países vizinhos. Há risco de a crise afetar o abastecimento de água no estado do Mato Grosso, de acordo com alerta do Serviço Geológico Nacional.
O nível do rio Paraguai, que drena o bioma Pantanal, baixou quase 20 centímetros na última semana, diminuindo cerca de dois centímetros por dia, em Ladário (MS). A estação, considerada uma referência da situação de seca na região, registrava 84 centímetros na quarta-feira (4) enquanto o nível normal esperado para esta época do ano é de 4,15 metros.
O ritmo de descida dos níveis deve se intensificar nas próximas semanas e piorar a crise hídrica na região, de acordo com o Serviço Geológico do Brasil (SGB-CPRM). O ano de 2021 já é o terceiro consecutivo em que o Pantanal não apresentou a habitual cheia. O prognóstico foi apresentado na Sala de Crise do Pantanal a convite da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA).
Segundo o órgão do governo federal, a seca do rio Paraguai já é a pior de toda a série histórica em Cáceres (MT), que data de 1967, e está entre as dez piores da série histórica em Porto Murtinho (MS), que data de 1937. Em Ladário já é a quinta pior vazante desde 1901. Este é o segundo ano consecutivo que a bacia está nesta situação. O pesquisador Marcus Suassuna afirma que os meses de julho e agosto apresentam um avanço mais rápido do processo de vazante, principalmente na calha principal do rio Paraguai.
Situação crítica do Rio Paraná aumenta risco de racionamento de energia
O Norte da bacia, região estratégica para o monitoramento porque as chuvas costumam ser mais abundantes no início do ano, também preocupa. As estações em Cáceres (MT) e na capital Cuiabá (MT) registram níveis abaixo da mínima histórica que já havia sido atingida em 2020. A estação de Cáceres registra 54 centímetros ao passo que o esperado seria 1,73 metro. Ano passado, nesta mesma data, o rio marcava 85 centímetros.
Pode faltar água no Mato Grosso
Há preocupação com o impacto no abastecimento de água. Na capital do estado, a cota atual é 20 centímetros, quando o valor normal seria de 81 centímetros. Nos municípios de Ladário e Porto Murtinho (MS), o nível do rio subiu consideravelmente em janeiro de 2021, mês em que as chuvas ficaram mais próximas do normal, entretanto foi o único mês em que isso aconteceu. O rio logo voltou a sofrer com chuvaa abaixo da média e a recuperação foi lenta. A situação foi agravada pelo fim precoce da estação chuvosa, no início de abril.
De acordo com o CPRM, o rio só esteve mais baixo do que agora em 4 ou 5 episódios durante a seca prolongada dos anos 1960 e 1970, mas poucas estações de monitoramento existiam na região do Pantanal na época. Deve ser o o terceiro ano consecutivo com déficit significativo de chuvas.
O reservatório da usina de Manso, que atende a região de Cuiabá (MT), opera com vazão mínima há mais de um ano. Segundo a Furnas, empresa que opera a hidrelétrica, o reservatório conta atualmente com 20,6% de seu armazenamento e, caso seja mantido o nível de utilização atual, é possível projetar um colapso hidráulico a partir da primeira quinzena de outubro.
A estação de Ladário deve atingir a mínima de -44 centímetros por volta de 20 de outubro, sendo que atingiu -32 centímetros no ano passado. O pesquisador Marcus Suassuna afirma que as previsões para o comportamento futuro do rio são feitas em comparação com a série histórica. Normalmente, quanto mais baixo o nível do rio em junho, mais cedo deve começar a estação chuvosa. “Com qualquer chuva que caia sobre a bacia, o rio terá uma resposta mais rápida”, explica. No entanto, em 2020 a combinação foi a pior possível: uma seca severa com fim tardio.
Seca do Rio Paraná impacta a Argentina
A escassez de chuva na bacia do Rio Paraná no Brasil tem graves reflexos na Argentina. A região mais afetada é o Nordeste do país, na chamada área do Litoral. Os efeitos da denominada “bajante extraordinária” do Paraná se sentem nas províncias do Chaco, Santa Fe, Formosa, Entre Ríos, Misiones e Buenos Aires.
Trata-se da maior baixa do Paraná na Argentina em sete décadas e há conseqüências para a economia local com a dificuldade de escoar a safra de grãos. O Porto da cidade de Rosário, em Santa Fé, escoa grande parte da produção agrícola argentina e está com o nível do Rio do Paraná em mínimos históricos.
O Instituto Nacional da Água da Argentina estima que o nível do Paraná possa atingir o nível mais baixo da sua história no próximo mês, paralisando por completo o transporte de mercadorias e trazendo preocupação com o abastecimento de água para a população.
Produção de energia em Itaipu Binacional
A baixa histórica do nível do Rio Paraná prejudicado pescadores na região de Foz do Iguaçu e o nível do reservatório da usina hidrelétrica de Itaipu, a maior do Brasil e da América Latina, na fronteira brasileira com o Paraguai. A geração de Itaipu é a menor em 27 anos em consequência da seca.
A produção de energia em 2021 até o momento é 12% menor que no ano passado, mas 35% inferior ao seu pico de geração do ano de 2016, quando chuva excessiva associada ao evento de Super El Niño atingiu o Centro-Sul do Brasil. A despeito da grave crise hídrica, as demandas dos mercados do Brasil e do Paraguai estão sendo atendidas normalmente pela gigantesca usina da fronteira.