A nuvem de poeira que deixou a Patagônia no último domingo chegou ao Rio Grande do Sul no começo desta terça-feira, entretanto dificilmente será percebida e não oferece qualquer risco por não ser densa e estar quase totalmente sobre o mar. As primeiras imagens de satélite do começo da manhã de hoje mostravam com nitidez a presença da poeira sobre o oceano na costa do Uruguai e da região Sul do estado gaúcho.

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Em imagens de satélite da manhã de ontem, a nuvem de poeira chegava a ter uma área de 615 mil quilômetros quadrados e se estendia por uma faixa de mais de mil quilômetros que ia de Puerto Madryn, no Norte da Patagônia, até Mar del Plata, na costa da província de Buenos Aires.

Na manhã de hoje, atrás de uma frente fria que estende por uma enorme faixa no Atlântico Sul, de acordo com o cientista da NASA especialista em aerossóis Santiago Gassó, a nuvem de poeira tinha uma área sobre o Atlântico de 1,26 milhão de quilômetros quadrados (mais de quatro vezes a área territorial do Rio Grande do Sul) e estava junto ao Chuí e Santa Vitória do Palmar e a aproximadamente 500 quilômetros a Sudeste de Porto Alegre e 400 quilômetros de Mostardas.

É possível distinguir com grande facilidade a poeira das nuvens nas imagens do começo desta manhã de terça. Observe uma pequena faixa de nuvens associada a uma frente fria de escassa atividade sobre o Atlântico a Leste do Litoral Sul gaúcho, que se identifica pela cor branca, e imediatamente abaixo uma área de cor com aspecto amarronzado que denota a presença da poeira que avança para Nordeste com o vento na retaguarda do sistema frontal.

Zoom Earth

Na prática, as pessoas sequer devem perceber a presença da poeira no céu porque sua maior densidade está sobre o oceano. Parte pequena da nuvem de poeira alcançou o Extremo Sul gaúcho e nesta manhã o céu estava azul.

Em Santa Vitória do Palmar, o colaborador da MetSul Leonardo Alves, da Grande 4 Irmãos, notou que para o setor Sul do município, no horizonte, se observa o céu com aspecto mais acinzentado e leitoso, como se tivesse fumaça de queimadas em suspensão, denotando a presença de poeira vinda da Patagônia.

Leonardo Alves/Granja 4 Irmãos

Mais ao Sul, em Santa Vitória do Palmar, Daniel Silveira da Porteira Adentro, registrou o céu azul no município.

Daniel Silveira/Porteira Adentro

A frente fria que passa pela costa gaúcha vai seguir no sentido Nordeste de forma que a poeira seguirá indo mais para o Norte sobre o mar. O material particulado deve permanecer quase que totalmente sobre o mar e sua concentração deve diminuir cada vez mais, sem efeitos no tempo do Sul do Brasil.

Por que esta nuvem de poeira é um fato notável?

Mesmo que mal seja percebida pela esmagadora maioria das pessoas no Extremo Sul do Rio Grande do Sul e permaneça praticamente toda ela sobre o mar, esta grande nuvem de poeira é um fato relevante do ponto de vista meteorológico e no monitoramento de dispersão de materiais particulados.

A poeira que avançou sobre o Oceano Atlântico foi possível observar ontem mesmo a partir da câmera voltada para a Terra a bordo da Estação Espacial Internacional, quando a órbita da ISS passou sobre o Rio Grande do Sul e os litorais da Argentina e do Uruguai na tarde de ontem. As imagens foram captadas por Santiago Gassó que monitorava a nuvem e acompanha as imagens da estação espacial.

O que é notável neste episódio é uma imensa nuvem de poeira da Patagônia avançar pelo Atlântico para Norte e alcançar a costa do Sul do Brasil. Para se ter ideia, a última vez que material particulado do Sul do Argentina visível em satélite chegou em latitudes do Rio Grande do Sul foi na erupção do vulcão Puyué-Cordon Caulle em 2011. É comum o estado gaúcho, por correntes de vento de Norte, receber ingresso de fumaça de queimadas da Amazônia, Bolívia, do Centro-Oeste do Brasil, Paraguai e Nordeste da Argentina, mas material particulado vindo do Sul do continente é muito raro.

Por quê? Exceção de erupções vulcânicas nos Andes, com histórico de chegada de cinzas ao Rio Grande do Sul, as nuvens de poeira formadas por vento forte na Patagônia não costumam alcançar o território brasileiro. Elas são menores e com tendência de deslocamento para Leste e Sudeste no Sul do continente, ou seja, tendem a permanecer a milhares de quilômetros de distância daqui.

O que houve de diferente neste evento foi uma tempestade de vento de intensidade incomum na Patagônia coincidindo com uma frente fria que avançou sobre o mar pelo litoral da Argentina e que trouxe junto para latitudes do Centro da Argentina, Uruguai e o Sul gaúcho a poeira da região patagônica.

Como se formou a nuvem de poeira

A nuvem de poeira, incomum pela sua enorme dimensão e deslocamento muito para Norte, foi consequência de um temporal de vento descrito por meteorologistas argentinos como “terrível” que atingiu durante o domingo a região da Patagônia. Em uma região já acostumada com grandes temporais de vento, este foi qualificado como o mais intenso dos últimos anos, com rajadas com força de furacão e que trouxeram muitos danos.

Boletim divulgado pelo Serviço Meteorológico Nacional da Argentina informou que as rajadas de vento durante o domingo alcançaram 163 km/h em Esquel, 142 km/h em Comodoro Rivadavia, 122 km/h em Pueto San Julián, 111 km/h em Bariloche, 111 km/h em Santa Cruz e 87 km/h em Chapelco. Medições não oficiais indicaram rajadas de até 180 km/h.

Um centro de baixa pressão muito aprofundo atuava ao Sul de Magallanes (Chile) e a Terra do Fogo (Argentina), entre a Antártida e o extremo Sul da América do Sul, trazendo valores muito baixos de pressão atmosférica na Patagônia.  Na sequência, passou uma frente fria que foi responsável por causar neve ontem em Ushuaia e que trouxe muito vento. Foi o cenário que levou ao temporal atipicamente intenso de vento no Sul da Argentina.