A La Niña segue atuando no Oceano Pacífico Equatorial neste fim de julho e volta a se intensificar depois de ter enfraquecido nas últimas semanas após o trimestre de outono ter transcorrido sob a La Niña mais forte desde 1950. Modelos numéricos indicavam que no final de junho e em parte de julho o fenômeno enfraqueceria para voltar a ganhar força no fim de julho e durante o mês de agosto, prolongando a sua atuação ao menos até a primavera.

De acordo com o último boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia da temperatura da superfície do mar no Pacífico Equatorial Central, a denominada região Niño 3.4, foi de -0,7ºC na última semana. O valor está na faixa de La Niña fraca, que vai de -0,5ºC a -0,9ºC, e aponta um maior resfriamento em relação à metade de julho, quando a anomalia chegou a -0,5ºC, limite da neutralidade. Esta é a região do oceano usada para definir oficialmente se há El Niño ou La Niña, portanto a mais atentamente monitorada.

Já no Pacífico Equatorial Leste, a denominada região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, a anomalia de temperatura da superfície do mar na última semana foi de -1,0ºC, marca que está no limite inferior da faixa de intensidade moderada que vai de -1,0ºC a -1,4ºC. Tal área do Pacífico tem grande correlação com a chuva no Sul do Brasil durante os meses do verão com maior probabilidade de estiagem se estiver em território negativo e maior chance de chuva perto ou acima da média se estiver em terreno positivo.

A maior anomalia negativa observada na última semana no Pacífico Equatorial Central decorre do crescimento de uma área de águas mais frias do que a média abaixo da superfície que já começa a produzir efeitos na superfície do oceano. Uma onda Kelvin trouxe águas mais quentes entre junho e julho que emergiram e foram responsáveis pelo enfraquecimento do fenômeno, mas seus efeitos já cessaram.

O enfraquecimento foi, assim, em parte, devido a uma ligeira diminuição dos ventos alísios, os ventos predominantes de Leste a Oeste perto do Equador, na primeira quinzena de junho. Quando os ventos alísios enfraquecem, o resfriamento evaporativo impulsionado pelo vento diminui e a superfície aquece. Além disso, uma onda Kelvin bastante fraca, uma região de água mais quente que a média sob a superfície, se moveu de Oeste para Leste nos últimos meses, subindo gradualmente em direção à superfície.

Os ventos alísios se fortaleceram na segunda quinzena de junho e permanecem mais fortes do que a média. Isso ajuda a resfriar a superfície e pode contribuir para uma onda de ressurgência de Kelvin, uma região de água mais fria que a média abaixo da superfície que se move de Oeste para Leste. Trata-se de um sinal de que a circulação ampliada de Walker da La Niña, a resposta atmosférica à superfície do mar mais fria, ainda está presente e que o fenômeno tende a seguir atuando.

La Niña seguirá na primavera

O atual episódio de La Niña que já dura doi anos está longe de terminar no Pacífico Equatorial. O fenômeno seguirá atuando no que resta deste inverno e vai prosseguir durante a primavera, podendo se estender ao começo do verão de 2023. Os mais recentes dados dos modelos apontam a presença da La Niña no Pacífico durante todo o segundo semestre, compreendendo a primavera e o começo do próximo verão.

Conforme a última projeção da Universidade de Colúmbia, em parceria com a NOAA, para o trimestre agosto a outubro, há probabilidade de 68% de La Niña e 31% de neutralidade. De setembro a novembro, o trimestre da primavera, 70% de La Niña e 29% de probabilidade de neutralidade. Entre outubro a dezembro, 69% de La Niña e 29% de neutro. E entre novembro e janeiro, no período crítico para o milho, 63% de La Niña e 33% de neutralidade.

Já no trimestre de verão, de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023, as probabilidades são de 55% de La Niña e 39% de neutralidade, o que é pouco conforto para o produtor rural. No trimestre de janeiro a março, importante para a cultura de soja, as probabilidades são de 43% de La Niña e 50% de neutralidade. Por sua vez, no trimestre de fevereiro a abril, a estimativa atual é de 26% de probabilidade de La Niña e 64% de neutralidade. Por fim, no trimestre de outono de 2023, de março a maio, apenas 13% de La Niña, 72% de neutralidade e 15% de El Niño.

De acordo com dados da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a La Niña no outono meridional deste ano foi a mais intensa desde 1950. Conforme a série histórica da agência, desde 1999 o trimestre de inverno não começava com o Pacífico Equatorial tão frio.

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A La Niña foi responsável no último verão por uma estiagem que quebrou a safra agrícola nos três estados do Sul do Brasil e em parte do Mato Grosso do Sul com perdas de dezenas de bilhões de reais e uma queda acentuada do Produto Interno Bruto (PIB) agrícola. No outono, trouxe uma estação mais fria do que a média e contribuiu para a mais intensa onda de frio em maio no Brasil Central desde 1977 com geada até no Sul da região amazônica e em Brasília. No Nordeste, foi fator para as chuvas extremas no litoral da região.

Embora a La Niña esteja no imaginário associada com seca no Sul do Brasil, o fenômeno costuma reduzir muito a chuva entre a segunda metade da primavera e o começo do outono na região. No final do outono, no inverno e começo da primavera, mesmo com La Niña, segue chovendo no Sul do país e muitas vezes com excessos que podem levar a cheias de rios e enchentes em algumas áreas, como 2022 está demonstrando.

O que é La Niña

A La Niña se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais da faixa equatorial do Oceano Pacífico com a alteração do regime de vento na região que impacta o padrão de circulação geral da atmosfera em escala global, inclusive no Brasil. Quando há um evento de La Niña há uma tendência de a Terra esfriar ou na fase atual de apresentar aquecimento menor que haveria estivesse sob El Niño.

No caso do Rio Grande do Sul, há estudos mostrando efeitos em produtividade agrícola pelas diferentes fases do Pacífico. Estes trabalhos levam em conta décadas de dados. Quando sob neutralidade a produtividade ficou acima da média em um terço dos anos, abaixo da média em outro terço e acima no terço restante. Sob El Niño, a tendência maior foi de aumento de produtividade e com La Niña verificou-se uma probabilidade maior de perdas na produção.

Há uma propensão a se fazer uma correlação entre El Niño e mais chuva no Sul do Brasil e La Niña a um maior risco de estiagem, mas esta é uma fórmula distante de correta e existem muitas ressalvas a serem feitas do ponto de vista histórico. Nenhum evento de La Niña é igual ao outro.

Apesar de a grande maioria das estiagens no Sul do país ter ocorrido sob neutralidade ou La Niña, a maior seca do Rio Grande do Sul neste século, em 2005, se deu com o Pacífico Equatorial oficialmente numa condição de El Niño. Da mesma forma já houve muitos meses bastante chuvosos e até enchentes durante episódios de La Niña, como se viu no outono no Sul do Brasil.

No caso do último verão, por exemplo, a MetSul enfatizava a alertava enfaticamente muito meses antes que o evento de La Niña poderia trazer estiagem forte a severa, como ocorreu com perdas no milho e na soja durante o último verão com quebra significativa da safra em algumas regiões. Novamente, em 2022, alertamos que a segunda metade da primavera e o começo do verão podem ter irregularidade de chuva com impacto na agricultura com risco acentuado para o milho.