O inverno meteorológico (trimestre junho a agosto) começa sob influência do fenômeno La Niña, o que poucas vezes ocorreu nas últimas décadas porque o fenômeno de resfriamento das águas do Oceano Pacífico Equatorial normalmente chega ao fim durante o outono após alguns meses e não prossegue na estação fria do ano no Hemisfério Sul.

De acordo com dados do boletim semanal da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar (TSM) no Oceano Pacífico Equatorial Central, a denominada região Niño 3.4, está em -0,9ºC. Esta é a região utilizada para classificar se há El Niño ou La Niña e, portanto, a mais observada na climatologia. O valor de -0,9ºC observado está no limite de intensidade fraca (-0,5ºC a -0,9ºC) e intensidade moderada para La Niña que vai de -1,0ºC a -1,4ºC.

Sob um contexto histórico, e muito relevante, o valor de -0,9ºC na principal região Niño é o mais baixo observado numa primeira semana de junho, que marca o começo do inverno e do verão meteorológico nos hemisférios Sul e Norte, em 23 anos. A última vez que o Pacífico Equatorial Central esteve tão frio no primeiro dado semanal de junho foi em 1999, quando a anomalia de TSM registrada pela NOAA foi de -1,1ºC, valor por coincidência que foi o da última semana de maio deste ano.

Já a anomalia da temperatura da superfície do mar no Pacífico Equatorial Leste, na região que é conhecida como Niño 1+2, perto dos litorais do Peru e do Equador, foi de -0,6ºC na última semana. O valor está dentro da faixa de fraca intensidade que vai de -0,5ºC a -0,9ºC. Esta região mais a Leste do Pacífico, conforme estudos de correlação de teleconexão, possui forte influência na chuva do Sul do Brasil, particularmente no Rio Grande do Sul, durante os meses do verão.

No inverno, ao contrário, mesmo a região Niño 1+2 estando muito fria, podem ocorrer eventos de chuva volumosa, como se viu em maio e agora no começo de junho no Sul do Brasil. A sua influência no inverno se dá mais na temperatura, favorecendo fortes incursões de ar frio com grandes ondas polares e às vezes eventos significativos de neve quando as anomalias são negativas.

La Niña mais forte em décadas no outono

O comportamento do atual evento de La Niña foge ao que costuma se observar. O episódio que se iniciou em agosto do ano passado normalmente atinge seu pico de intensidade entre o fim do ano e o começo do ano seguinte. Na sequência, começa a perder intensidade e, via de regra, há uma transição para neutralidade no outono do ano seguinte. Não é o que ocorre em 2022.

A La Niña voltou a ganhar força no outono e fazia muito tempo que o Pacífico não se encontrava tão frio na região equatorial nesta época do ano, de acordo com os dados da série histórica mantidos pela agência NOAA. Com -1,1°C, abril de 2022 empatou com 1950 para maior anomalia negativa de abril no Pacífico Central nos registros 1950-202, conforme a série ERSSTv5, conjunto de dados de observação de temperatura da superfície do mar a longo prazo mais confiável que a NOAA possui.

Valores tão baixos de temperatura para o Pacífico Equatorial nesta época do ano ocorreram poucas vezes na série histórica das últimas décadas. Conforme a base de dados da NOAA, o Pacifico esteve muito frio entre abril e maio, com anomalias no limite de moderada a forte intensidade em 1985, 1988, 1999, 2000, 2008 e 2011.

La Niña segue no inverno

O atual episódio de La Niña está longe de terminar. O fenômeno seguirá atuando no inverno e tende a alcançar a primavera e talvez o verão de 2023 no Hemisfério Sul. Os dados ao longo do outono aumentaram as probabilidades de La Niña no final deste ano. Já para o verão de 2023, embora não se descarte que persista, é cedo para prognósticos com maior confiabilidade pois se está ainda no intervalo entre março e junho que todos os anos é chamado de “barreira de previsibilidade” em que as projeções de longo prazo para o Pacífico se tornam menos confiáveis.

Conforme a última projeção da Universidade de Colúmbia, em parceria com a NOAA, para o trimestre de inverno no Hemisfério Sul de julho a agosto a probabilidade calculada é de 62% de La Niña e 37% de neutralidade. Para julho a setembro, 56% de La Niña e 41% neutro. Entre agosto e outubro, 57% de La Niña e 39% de neutralidade.

De setembro a novembro, o trimestre da primavera, 58% de La Niña e 36% de probabilidade de neutralidade. Entre outubro a dezembro, 60% de La Niña e 33% de neutro. E entre novembro e janeiro, no período crítico para o milho, 58% de La Niña e 34% de neutralidade. Já no trimestre de verão, de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023, as probabilidade se aproximam com 47% de La Niña e 42% de neutralidade, o que é pouco conforto para o produtor rural.

A La Niña e seus efeitos

A La Niña se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais da faixa equatorial do Oceano Pacífico com a alteração do regime de vento na região que impacta o padrão de circulação geral da atmosfera em escala global, inclusive no Brasil. Quando há um evento de La Niña há uma tendência de a Terra esfriar ou na fase atual de apresentar aquecimento menor que haveria estivesse sob El Niño.

No caso do Rio Grande do Sul, há estudos mostrando efeitos em produtividade agrícola pelas diferentes fases do Pacífico. Estes trabalhos levam em conta décadas de dados. Quando sob neutralidade a produtividade ficou bastante dividida: acima da média em um terço dos anos, abaixo da média em outro terço e acima no terço restante. Sob El Niño, a tendência maior foi de aumento de produtividade e com La Niña verificou-se uma probabilidade maior de perdas na produção.

Há uma propensão a se fazer uma correlação entre El Niño e mais chuva no Sul do Brasil e La Niña a um maior risco de estiagem, mas esta é uma fórmula distante de correta e existem muitas ressalvas a serem feitas do ponto de vista histórico. Nenhum evento de La Niña é igual ao outro. Apesar de a grande maioria das estiagens no Sul do país ter ocorrido sob neutralidade ou La Niña, a maior seca do Rio Grande do Sul neste século, em 2005, se deu com o Pacífico Equatorial oficialmente numa condição de El Niño.

Da mesma forma já houve muitos meses bastante chuvosos e até enchentes durante episódios de La Niña, como se está vendo neste ano no Sul do Brasil. No caso do último verão, por exemplo, a MetSul enfatizava a alertava enfaticamente muito meses antes que o evento de La Niña poderia trazer estiagem forte a severa, como ocorreu com perdas no milho e na soja durante o último verão com quebra significativa da safra em algumas regiões, alerta que renova para a cultura de milho na safra 2022-2023.