Devastadora onda de tornados nos Estados Unidos é a pior já registrada até hoje no mês de dezembro e destruiu cidades inteiras no estado do Kentucky | BRETT CARLSEN/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A devastadora onda de tornados que atingiu o Meio-Oeste e as Planícies Centrais dos Estados Unidos na noite de sexta para sábado, possivelmente a mais fatal em uma década e que destruiu cidades inteiras, teve como causa um centro de baixa pressão no Norte do país e uma frente fria que avançou de Oeste para Leste com radical mudança de massa de ar de uma muito quente para uma muito fria.

Este foi o cenário sinótico do tempo que levou ao evento catastrófico que atingiu seis estados e deixou enorme destruição principalmente no Oeste do Kentucky. Há, contudo, as razões climáticas e elas passam por um fenômeno de variabilidade natural, sem intervenção humana, que impacta o clima no mundo inteiro e, por exemplo, favorece estiagem no verão no Sul do Brasil.

A literatura científica tem fartos estudos documentando como as fases quente (Niño) e fria (Niña) do Pacífico afetam a frequência de tornados e onde eles ocorrem. Os principais e mais completos estudos focam principalmente nos Estados Unidos porque são o país que mais sofrem com este tipo de fenômeno.

Tornados nos Estados Unidos podem ocorrer em qualquer época do ano, mas os violentos se dão durante a temporada do fenômeno que tem seu auge entre março e junho. Normalmente, no trimestre de inverno climático que vai de dezembro a fevereiro, os tornados são muito menos frequentes e ocorrências extremas de F4/EF4 ou F5/EF5 são muito raras. A onda de tornados arrasadora de sexta para sábado, assim, fugiu ao que normalmente ocorre neste período do ano.

Pacífico frio, mais tornados no inverno

Os estudos mostram como o fenômeno La Niña, atualmente em curso no Oceano Pacífico Equatorial, tende a favorecer mais tornados que o normal justamente na área mais castigada pelo episódio de tempo severo da noite de sexta para sábado. Assim, não é coincidência que a área mais afetada tenha se centrado ao redor de Kentucky.

Um trabalho de 2015 de John Allen e equipe mostrou, a partir da análise de índices que são correlacionados com granizo e tornados, que a temperatura no Oceano Pacífico modula a ocorrência dos fenômenos durante o inverno e a primavera seguinte por alterar o ambiente atmosférico em grande escala.

De acordo com os autores, menos tornados e eventos de granizo ocorrem na região central dos Estados Unidos durante os episódios de El Niño e, inversamente, mais ocorrem durante as condições de La Niña. Além disso, as condições de anomalia oceânica observadas no inverno muitas vezes persistem no início da primavera (do Hemisfério Norte) e, consequentemente, o estado do Pacífico durante o inverno pode ser usado para prever se haverá mais ou menos tornados na primavera seguinte. Assim, um inverno (setentrional) com La Niña tem maior risco de tornados, condição que permanece em parte da primavera que se segue.

De acordo com o último boletim semana da NOAA, a anomalia de temperatura da superfície do mar no Pacífico Equatorial Central, a denominada região Niño 3.4, está em -0,9ºC. O valor está dentro da faixa de intensidade fraca (-0,5ºC a -0,9ºC), mas no limite de moderada. Por sua vez, a anomalia de temperatura no Pacífico Equatorial Leste encontra-se em -1,1ºC, no limite inferior da faixa de intensidade moderada (-1,0ºC a -1,4ºC). O fenômeno La Niña atua desde a metade de outubro e deve persistir até o começo do outono.

La Niña favorece mais tornados no Sul do Brasil

Não apenas nos Estados Unidos há uma maior propensão para ocorrência de tornados quando o Pacífico está na fase fria ou La Niña. Também no Sul do Brasil as estatísticas mostram que cresce o risco do fenômeno quando o Pacífico estiver resfriado, de acordo com alguns estudos publicados nos últimos anos.

Conforme trabalho de Amanda Comassetto Iensse e Cássio Arthur Wollmann, que analisou todos os tornados documentados no Rio Grande do Sul entre 2001 e 2015, das 73 ocorrências de tornados 15 se deram sob El Niño, 25 sob neutralidade e 33 sob La Niña. Os autores dizem que “notou-se uma grande tendência de os eventos acontecerem em situações de La Niña e posteriormente em anos neutros”.

Ponderam que “em situações de El Niño, o estado tem um grande aumento na pluviosidade, provocada pela perturbação da circulação atmosférica padrão, que em função de uma dinâmica de massas de ar e correntes perturbadas frequentes pode dificultar a formação tornados”.

Quando há La Niña, as massas de ar frio tendem a ser mais fortes e ocorrerem de forma mais tardia na primavera e antecipadamente no fim do verão e no outono, o que acaba por encontrar a atmosfera ainda aquecida pelo período mais quente do ano com risco acentuado de tempo severo.