Volumes extremos de chuva atingiram o Litoral Norte do Rio Grande do Sul no começo desta semana com marcas acima de 100 mm apenas na segunda-feira em alguns municípios da região e que se somaram aos acumulados já altos anotados em alguns pontos durante o fim de semana. A MetSul havia alertado reiteradamente desde a semana passada para o risco de chuva como não vista em meses no Rio Grande do Sul e reforçou os avisos para o Leste da Serra e o Litoral Norte no fim de semana.

A chuva causou o transbordamento de rios e arroios, gerando inundações e enchentes, além de deslizamentos de terra. Aulas foram suspensas em alguns municípios. O grande volume de água inundou lavouras e cobriu estradas em zonas rurais.

Alguns moradores tiveram que ser resgatados em razão da inundação repentina. Municípios de Maquiné, Três Forquilhas, Morrinhos do Sul, Itati e Dom Pedro de Alcântara foram os mais castigados pelas inundações.

Em Dom Pedro de Alcântara, o Arroio dos Mengue transbordou e alagou tanto residências como propriedades rurais. Um morador do município destacou que nunca tinha vivenciado três dias consecutivos de alagamentos: “em 29 anos nunca tinha visto uma situação dessa”, pontuou.

A ponte que liga os municípios de Itati e Três Forquilhas acabou atingida pelas águas da chuva extrema. Áreas no interior dos dois municípios estavam inacessíveis pelas inundações. No final da segunda-feira, a área urbana de Três Forquilhas estava tomada por alagamentos e equipes da prefeitura trabalhavam para atender os moradores.

Equipes das prefeituras chegaram a usar tratores e retroescavadeiras para retirar moradores isolados de áreas inundadas. Os bombeiros, para conseguir retirar pessoas presas em meio às inundações, fizeram uso de barcos nos resgates nas áreas alagadas.

Resgates de barco em Três Forquilhas | CBMRS

Comunidades foram isoladas péla chuva em Três Forquilhas | CBMRS

Estrada Pedra de Amolar, em Maquiné, coberta na segunda-feira pela água da inundação | VICENTE MEDAGLIA

Municípios da região mais atingida consideram decretar situação de emergência pelos danos às lavouras e o impacto da chuva na infraestrutura dos municípios. Em Três Forquilhas, as águas chegaram a tomar conta da Escola Municipal José Alberto Schutt, alagando as salas de aulas.

Quanto choveu no Litoral Norte

O evento de chuva extrema que atingiu o Litoral Norte gaúcho foi um episódio de quatro dias. No começo, a instabilidade decorreu de áreas de instabilidade geradas pelo calor e a circulação de umidade da baixa pressão que ainda estava distante da costa. Entre domingo e a segunda, a chuva aumentou muito por ser de natureza orográfica (associada ao relevo) com o centro de baixa pressão juntos aos litorais Norte gaúcho e Sul catarinense.

Os acumulados em 24 horas até 21h de segunda-feira, o dia de chuva mais intensa, foram de 147 mm em Maquiné, 137 mm em Itati, 134 mm em Três Forquilhas e 73 mm em Terra de Areia. Choveu em 96 horas na região 256 mm em Maquiné, 197 mm em Três Forquilhas, 180 mm em Itati, 175 mm em Torres, 162 mm em Três Cachoeiras e 142 mm em Xangri-lá.

A chuva volumosa não se limitou aos municípios na orla e na encosta da Serra do Mar na região do Litoral Norte. Por efeito da umidade vinda do mar para o continente, choveu muito em pontos da Serra perto da costa. Os acumulados atingiram em 96 horas marcas de 214 mm em Riozinho e 212 mm em São Francisco de Paula e Rolante.

O que causou a chuva extrema

O episódio de chuva extrema que atingiu o Nordeste do Rio Grande do Sul foi consequência de um centro de baixa pressão de trajetória atípica que influenciou o tempo no estado desde o final da semana passada.

Foram quatro dias seguidos em que o mesmo sistema meteorológico provocou instabilidade. O sistema trouxe chuva para todas regiões gaúchas, volumosa a excessiva em diversas localidades com alagamentos e inundações, mas não proporcionou chuva com elevados volumes em todas as cidades gaúchas

A área de baixa pressão avançou na sexta-feira para o Oeste e no sábado chegou ao litoral, gerando chuva intensa e temporais sábado à tarde no Rio Grande do Sul. No domingo, o sistema estava sobre o mar na costa Sul catarinense. Ontem, o sistema começou uma trajetória retrógrada – do mar para o continente – e de manhã estava rente ao Litoral Sul de Santa Catarina. Já à tarde estava a poucos quilômetros da costa no Litoral Norte gaúcho.

Nesta terça, este centro de baixa pressão que por dias trouxe chuva para o Rio Grande do Sul alcançou o Leste do estado e avança na direção Sul. À medida que se desloca sobre terra, a baixa pressão acaba por se desorganizar. Por isso, a instabilidade enfraquece bastante nesta terça na maioria das áreas e o sol aparece.

Chuva orográfica gerou acumulados mais extremos

A chuva orográfica é a precipitação induzida pelo relevo. Umidade que vem do oceano, trazida por vento, em razão de uma massa de ar frio ou um ciclone (centro de baixa pressão), ao encontrar a barreira do relevo da Serra do Mar, ascende na atmosfera e encontra temperatura mais baixa à medida que ascende na atmosfera com camadas mais frias.

Isso leva à condensação e à ocorrência de chuva induzida pelo relevo. Em um exemplo bem didático e simples de entender. O que acontece se você chega na frente de um espelho e soltar ar da sua boca? O espelho que tem uma superfície mais fria vai ficar embaçado (úmido) e molhado. Com a chuva orográfica ocorre o mesmo.

O ar mais úmido e quente (analogia com ar que sai da boca) encontra um obstáculo físico que é o relevo (como o espelho) e ao chegar nesta barreira que são os morros sobe na atmosfera e encontra temperatura mais baixa, condensando-se o vapor de água e formando chuva.

Foi o que ocorreu entre domingo e ontem em cidades do Litoral Norte gaúcho e da Serra mais próximos do Litoral Norte. Por isso, os volumes de chuva foram muito mais altos nos municípios juntos aos morros e entre os morros da Serra do Mar no Litoral Norte que em estações na beira da praia.

Episódios de chuva orográfica são de alto risco porque costumam trazer acumulados de precipitação localmente muito altos e que não raro até acabam superando as projeções dos modelos numéricos. Os litorais de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro são os de maior risco de eventos de chuva extrema de natureza orográfica no Brasil, como se viu recentemente no Litoral Norte paulista, mas o Litoral Norte gaúcho por ter em parte da sua extensão a Serra do Mar a Oeste também sofre ocasionalmente os efeitos de chuva orográfica.

Previsão para hoje nas áreas atingidas

A baixa pressão atua no Leste do Rio Grande do Sul, mais fraca e se desorganiza. O sol aparece com nuvens no estado, mas no decorrer do dia ainda vão ocorrer períodos com maior nebulosidade de céu nublado a encoberto, especialmente na Metade Leste gaúcha.

Persiste a chance de chuva na Metade Leste do estado, mas intercalada com momentos de sol e nuvens. A MetSul Meteorologia adverte que em pontos isolados podem ocorrer momentos de chuva forte a torrenciais durante o dia com risco de alguns alagamentos. Na Metade Oeste, onde o sol e o tempo firme predominam, chuva isoladíssima à tarde em poucos locais.

Como consequência deste cenário estadual, o Litoral Norte do Rio Grande do Sul e as áreas mais a Leste da Serra que foram as regiões mais atingidas pela chuva extrema devem ter um dia nesta terça com sol e nuvens, mas no decorrer do período se formam nuvens de maior desenvolvimento que trazem pancadas isoladas.