A história está sendo reescrita na climatologia dos ciclones tropicais e com marcos incríveis. Denominar a tempestade de “extremamente rara” talvez seja pouco para o ciclone Freddy. É um sistema único, como nunca visto antes, que cruzou um oceano inteiro, avançou de um continente para outro e completa agora mês, estando na iminência de se tornar o ciclone de mais longa duração já documentado na história.

Em uma das mais incríveis imagens meteorológicas no mundo em 2023, o olho extremamente simétrico do ciclone tropical Freddy visto da Estação Espacial Internacional (ISS) na metade de fevereiro, quando o sistema se tornou o primeiro ciclone categoria 5 do ano no mundo | NASA

Os sinais de que este ciclone seria excepcional começaram em 3 de fevereiro, quando Freddy se originou entre o Noroeste da Austrália e a Indonésia. Na primeira situação muito rara, o ciclone tropical atravessou todo o Oceano Índico de 10 mil quilômetros de largura da Oceania e o Sudeste Asiático até alcançar a África.

Freddy originou-se de uma área de baixa pressão em meio às monções. Em 6 de fevereiro, 15 dias antes de tocar terra pela primeira vez em Madagascar, tanto o Bureau de Meteorologia da Austrália quanto o Joint Typhoon Warning Center (JTWC) relataram a formação do ciclone tropical Freddy a cerca de 676 quilômetros a Noroeste da costa noroeste. da Austrália.

Freddy foi ainda a primeira tempestade de categoria 5 de 2023 e quebrou o recorde de maior quantidade de energia de um ciclone já registrada no Hemisfério Sul. O ciclone não tocou terra só uma vez em Madagascar e Moçambique, mas duas vezes.

O ciclone Freddy é o de maior duração que o mundo já documentou. Com mais de 30 dias de vida, Freddy quebra o recorde anterior estabelecido em 1994 de uma sequência de 31 dias do furacão John no Pacífico. Como Freddy prossegue, o recorde de 31 dias de maior duração já vista de um ciclone acabou superado.

Os dados sobre este ciclone são assombrosos. O ciclone tropical Freddy é a única tempestade conhecida a ter alcançado cinco ciclos separados de intensificação rápida, um processo que ocorre em ciclones tropicais intenso, de acordo com os registros do IBTrACS, a coleção global de dados mais completa de ciclones tropicais disponível.

Freddy é apenas um dos quatro ciclones tropicais registrados que viajaram por todo o Sul do Oceano Índico, de acordo com o banco de dados histórico de furacões da NOAA. Ele atingiu o pico de intensidade equivalente a um furacão de categoria 5 durante o fim de semana de 18 a 19 de fevereiro, apenas o 20º ciclone tropical a atingir tal marca no Sul do Oceano Índico desde 1989.

Freddy fotografado da Estação Espacial Internacional | NASA

Em termos de energia (Accumulated Cyclone Energy ou ACE em Inglês), uma métrica integrada que contabiliza a frequência, intensidade e duração dos ciclones tropicais, Freddy é agora o recordista de todos os tempos para o Hemisfério Sul. A tempestade bateu o recorde de energia do ciclone Fantala de 2016.

Mais. O ciclone Freddy gerou o maior ACE de qualquer ciclone tropical na Terra desde o tufão Ioke em 2006, que foi uma tempestade intensa e de longa duração que percorreu o Oceano Pacífico Central e Ocidental, atingindo um pico de intensidade de categoria 5 durante seus 17 dias jornada.

Na segunda-feira, o ACE de Freddy estava em 70,8 unidades, a apenas 14,5 unidades ACE de quebrar o recorde mundial de 85,3 unidades ACE atualmente detido pelo tufão Ioke. O ACE de Freddy superou o do furacão Irma, no Atlântico, em 2017.

O ciclone tocou terra em Madagascar, cruzou a ilha e rumou para o continente africano, onde alcançou Moçambique. Neste ponto, ao avançar sobre terra, o imaginado é que iria se dissipar, mas a tempestade retornou para o mar e voltou a ganhar energia, oscilando entre Moçambique e Madagascar. De acordo com um estudo publicado na revista Weather and Forecasting em outubro de 2004, menos de 5% dos ciclones tropicais do Sul do Oceano Índico atingem a costa Leste da África Austral.

Como isso foi possível? Após tocar terra pela segunda vez, Freddy castigou Moçambique com chuvas tropicais por seis dias seguidos, depois parou e enfraqueceu. O enfraquecimento encolheu o ciclone verticalmente, permitindo que os ventos locais empurrassem o ciclone para o Leste.

Um movimento como esse é anormal, pois os sistemas normalmente se movem de Leste para Oeste nesta parte do mundo, mas Freddy mudou para o sentido oposto e voltou a atingir Madagascar. A tempestade, que está ativa há um mês, foi responsável por quatro mortes adicionais em Madagascar quase duas semanas após o primeiro impacto no país.

Veja no mapa como o ciclone tropical Freddy passou pela ilha de Madagascar duas semanas atrás, avançou para Moçambique e depois o Zimbábue, retornou para Moçambique, voltou ao mar, atinge novamente agora Madagascar, e tende a retornar para Moçambique para tocar terra pela terceira vez.

Freddy deixou ao menos 21 mortos em Moçambique e Madagáscar. De acordo com o relatório publicado pelas Nações Unidas (ONU), em Madagáscar, 226 mil pessoas foram afetadas pela tempestade. Já em Moçambique foram outras 163 mil pessoas. Devido às chuvas, diversos povoados ficaram submersos nos dois países. Centenas de milhares de pessoas necessitam de ajuda.

Em Moçambique, a província de Sofala continua sob risco de inundações com a contínua queda regular de chuvas, que já dura há mais de duas semanas. As autoridades mantêm o alerta vermelho e apelam à população que abandone as zonas propensas a inundações. Os cidadãos continuam a lidar com as consequências da última intempérie, no final de fevereiro, mas há outra que poderá estar a caminho devido à reativação da tempestade tropical Freddy.