O Bureau de Meteorologia da Austrália (BoM) confirmou nesta terça-feira o que meteorologistas já vinham observando há semanas como tendência. O Oceano Índico entrou na fase negativa de uma oscilação conhecida como Dipolo do Oceano Índico (IOD na sigla em Inglês).

De acordo com o órgão oficial meteorológico australiano, a tendência é que a fase negativa permaneça atuando durante os próximos meses, o que interferiria no clima australiano e em outras partes do mundo. O Bureau of Meteorology ressalta que um evento negativo do dipolo na Austrália aumenta a chance de chuva no inverno e primavera em grande parte do Sul e Leste australiano assim como traz dias mais quentes do que o normal no Norte do país.

Estes eventos negativos do Dipolo do Oceano Índico ocorrem, em média, há cada cinco anos. Em regra, trazem aumento de nebulosidade no Noroeste da Austrália e produzem chuva acima da média em grandes áreas do sul e Sudeste do país durante o inverno e a primavera, o que explica a advertência do BoM.

Trata-se do segundo ano seguido em que se declara uma fase negativa do Dipolo do Índico. Em 2021, registrou-se um evento fraco. Além disso, é a primeira vez que há dois anos consecutivos de IOD negativos desde que os registros confiáveis ​​da teleconexão começaram em 1960. Ao contrário do evento de 2021, a previsão é que o IOD negativo deste ano seja forte e dure até o final do inverno e da primavera.

O que é o Dipolo do Índico

O Dipolo do Oceano Índico, ou IOD, é um fenômeno climático natural que influencia os padrões de chuva ao redor do Oceano Índico, incluindo a Austrália. É provocada pelas interações entre as correntes ao longo da superfície do mar e a circulação atmosférica.

Há quem chame do primo do Oceano Índico dos mais conhecidos El Niño e La Niña do Pacífico. Essencialmente, para a maior parte da Austrália, o El Niño traz o clima seco, enquanto o La Niña traz o clima úmido. O IOD tem o mesmo impacto através de suas fases positivas e negativas, respectivamente.

Projeção do Bureau of Meteorology para o Dipolo do Oceano Índico nos próximos meses | BOM

IODs positivos estão associados a uma maior chance de clima seco no Sul e Sudeste da Austrália. Os devastadores incêndios florestais do chamado “Black Summer” de 2019/2020 foram associados a um IOD extremamente positivo, bem como às mudanças climáticas causadas pelo homem que exacerbaram as condições de calor extremo e fogo.

As fases negativas do Dipolo do Índico tendem a ser menos frequentes e não tão fortes quanto os eventos positivos, mas ainda podem trazer condições climáticas severas, como chuvas fortes e inundações para partes da Austrália com repercussões no clima também em outras partes do mundo.

As fases do Dipolo do Índico

O Dipolo do Oceano Índico (IOD) é oscilação irregular das temperaturas da superfície do mar em que o Oceano Índico ocidental se torna alternadamente mais quente (fase positiva) e depois mais frio (fase negativa) do que a parte oriental do oceano. Há ainda a fase neutra.

O Dipolo do Oceano Índico (IOD) é definido pela diferença na temperatura da superfície do mar entre duas áreas, um polo ocidental no Mar da Arábia (Oeste do Oceano Índico) e um polo oriental no Leste do Oceano Índico, ao Sul da Indonésia.

Assim, eventos IOD positivos são frequentemente associados ao El Niño e eventos negativos ao fenômeno La Niña, favorecendo os dois fenômenos do Pacífico, conforme a fase do Índico. Quando o IOD e o ENSO (Niño e Niña) estão em fase, os impactos dos eventos El Niño e La Niña são frequentemente mais extremos na Austrália, enquanto quando estão fora de fase, os impactos podem ser reduzidos. Logo, IOD negativo no Índico concomitante com La Niña tende a acentuar os efeitos do fenômeno do Pacífico.

Na fase positiva, os ventos de Oeste enfraquecem ao longo do equador, permitindo que a água quente se desloque para a África. As mudanças nos ventos também permitem que a água fria suba das profundezas do oceano a Leste. Isso configura uma diferença de temperatura em todo o Oceano Índico tropical com água mais fria do que o normal no Leste e mais quente do que a água normal no Oeste.

Na negativa, por sua vez, os ventos de Oeste se intensificam ao longo do equador, permitindo que as águas mais quentes se concentrem perto da Austrália. Estabelece-se uma diferença de temperatura em todo o Oceano Índico tropical com água mais quente do que o normal no Leste e mais fria do que a água normal no Oeste.

Desde 1960, os anos de IOD negativa foram 1960, 1964, 1974, 1981, 1989, 1992, 1996, 1998, 2010, 2014 e 2016. Já os anos de IOD positiva foram 1961, 1963, 1972, 1982, 1983, 1994, 1997, 2006, 2012 e 2015.  Os dados são do Bureau de Meteorologia da Austrália.

Impacto do Dipolo do Índico no Brasil

Os efeitos do Dipolo do Oceano Índico, em teoria, são menos pronunciados no Brasil que os do fenômeno ENOS (El Niño e La Niña). Os seus impactos são maiores, sim, no Oceano Índico e na Austrália, o que leva os australianos a dedicar muita atenção à oscilação pelas consequências principalmente na chuva.

Por ser variável mais nova do clima descoberta pela ciência, a literatura técnica possui poucos estudos correlacionando os efeitos das duas fases do Dipolo do Índico com o clima brasileiro, mas as evidências apontam que tendem a potencializar ou atenuar os efeitos dos fenômenos do Pacífico, como El Niño e La Niña.

Precipitação sob La Niña e fase negativa do Dipolo do Oceano Índico no trimestre de setembro a novembro | UNIFEI

Precipitação sob La Niña e fase negativa do Dipolo do Oceano Índico no trimestre de dezembro a fevereiro | UNIFEI

Com efeito, segundo estes estudos de correlação, no caso da precipitação, a fase negativa traria menos chuva para o Sul do Brasil e o Mato Grosso do Sul com maior déficit no Rio Grande do Sul e maior precipitação do Centro para o Norte do Brasil no trimestre de primavera (setembro a novembro) sob La Niña.

Já no trimestre de verão, de dezembro a fevereiro, sob La Niña, o sinal negativo da IOD aparece com chuva mais irregular no Sul do Brasil e um posicionamento das precipitações abundantes de verão mais ao Norte do que a climatologia normal da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) com excessos em Minas Gerais e muitas áreas do Norte e do Nordeste do Brasil.

Uma nota de cautela. Embora a correlação de IOD negativa aponte chuva abaixo da média no Sul do Brasil, em 2016, na última fase negativa, a precipitação ficou acima da média no trimestre de primavera na maior parte do Rio Grande do Sul com um setembro seco e um outubro de muita chuva. No verão seguinte, com um El Niño costeiro mesmo com o Pacífico Central sob La Niña, a chuva ficou acima da média na maioria das regiões gaúchas.

No penúltimo evento de IOD negativa, em 2014, o trimestre de primavera teve chuva acima da média na maior parte do Sul do Brasil com setembro e outubro chuvosos. No antepenúltimo, em 2010, a chuva foi irregular na primavera com áreas abaixo e acima da média na chuva no Sul do país. Em 1998, o trimestre de primavera foi de chuva abaixo da média no Rio Grande do Sul e acima em Santa Catarina e no Paraná. Em 1996, padrão semelhante a 1998. Logo, é difícil ver um sinal claro de impacto na precipitação no Sul do Brasil na primavera em anos de IOD negativa.

Um grande problema para a Austrália

Não à toa os australianos estão preocupados com a fase negativa do Dipolo do Índico. A Austrália teve seu ano mais seco até hoje em 1982 com a fase positiva da IOD coincidindo com El Niño e o ano mais chuvoso em 1974 com uma fase negativa concomitante com La Niña.

O chefe de previsão de longo prazo do Bureau de Meteorologia, Andrew Watkins, afirma que a previsão climática de três meses é de chuva acima da média para grande parte do país, particularmente para os estados do Centro e do Leste, como Queensland e Nova Gales do Sul. Mais chuva onde já choveu demais neste ano e com marcas recordes em várias estações.

“Com solos úmidos, rios altos e barragens cheias, e as perspectivas de chuvas acima da média, o risco de inundação elevado permanece para o Leste da Austrália”, disse ele. E este é o grande problema para os australianos. Uma fase negativa do IOD se somando ao fenômeno La Niña que vai se intensificar neste segundo semestre vai trazer mais chuva para regiões que neste ano estão com índices de precipitação jamais vistos.

O Leste da Austrália vem sofrendo com excesso de chuva e sucessivas grandes enchentes desde o começo do ano. O outono foi extremamente chuvoso e o inverno seguiu a mesma tendência com mais inundações de grande porte. Para se ter uma ideia, a cidade de Sydney acaba de quebrar um recorde mensal de chuvas pela segunda vez neste ano.

Vinte meses de julho mais chuvosos da cidade australiana de Sydney | WEATHERZONE

O pluviômetro principal de Sydney, no Observatory Hill, localizado ao lado da Harbour Bridge, coletou 404,0 mm de chuva em julho. Isso é mais de quatro vezes a média mensal de longo prazo e o maior total de julho em registros que remontam a 1858, superando os 336,1 mm de 1950. Coincidentemente, o trimestre de outono neste ano foi de La Niña mais intenso justamente desde 1950.

Com o julho de chuva sem precedentes na climatologia histórica da cidade, Sydney agora registra dois meses recordes de chuva em 2022, com 404,0 mm de julho e 554,0 mm de março, em mais de 160 anos de observações. A precipitação acumulada da cidade de Nova Gales do Sul entre janeiro e julho também foi recorde, com 1.951,4 mm nos primeiros sete meses de 2022, batendo o recorde anterior de 1.773,8 mm para o mesmo período de 1890.

Evolução da chuva em Sydney em 2022 na comparação com a curva climatológica | WEATHERZONE

Embora 2022 só tenha completado sete meses, 2022 já é o 6º ano mais chuvoso de Sydney até hoje na série que começou em 1859. Sydney só precisa coletar mais 242,5 mm de chuva entre agosto e dezembro para que 2022 se torne o ano mais chuvoso da história da cidade, o que muito possivelmente ocorrerá.

Considerando que a média histórica dos cinco meses restantes (agosto a dezembro) é de 385,9 mm e modelos de previsão indica alta chance de chuva acima da média nos próximos meses, é quase uma certeza que Sydney terá o ano com mais chuva em todos os seus registros de um século e meio.