“Não olhe para cima”. O filme que mais gerou discussões na internet neste fim de ano. Muitos odiaram porque monótono e exagerado, outros adoraram pela mensagem e a caricatura que é um meme em filme dos dias atuais no clima, epidemia e tudo mais. O recado do filme, entretanto, quase todos concordam. E é difícil contestar. Uma sociedade dividida em que a ciência é posta em dúvida e as consequências são catastróficas.

Com um elenco de peso formado por Jennifer Lawrence, Leonardo DiCaprio, Timothée Chalamet, Ariana Grande, Jonah Hill, Chris Evans e Merly Streep, “Não Olhe para Cima” é um longa de 2h25 em que o foco principal é um cometa que colidirá com a terra e destruirá todo o planeta, mas ninguém aparenta se importar com essa ameaça gigante em uma clara alegoria ao caos climático que se avizinha na realidade.

A produção, que estreou no dia 24 de dezembro na Netflix, relata a história de dois astrônomos que descobrem que em poucos meses um meteoro destruirá o planeta Terra. A partir desse momento, eles devem alertar a humanidade por meio da imprensa sobre o perigo que se aproxima sob o ceticismo e o negacionismo do governo e da sociedade até que seja tarde demais para evitar o pior.

Então, no mundo real, longe da ficção, este último dia de 2021 é a prova que algo está errado e que a última coisa que deveríamos estar fazendo é olhar para cima. E, dependendo de onde você estiver, sinta o cheiro do ar.

O último dia de 2021, aliás, é a síntese perfeita do que foi o ano que está acabando. Uma sucessão de eventos extremos no clima como raramente se viu. Neste momento, em 31 de dezembro, uma série de incêndios devastadores em vegetação atinge o Uruguai. Grandes incêndios ocorrem ainda no Sul do Rio Grande do Sul. Tudo alimentado por uma seca que se combina com uma onda de calor.

Você dirá que o calor e a seca não fogem ao normal porque decorrentes de um evento natural e sem influência humana conhecido como La Niña, e você terá razão. O problema é que neste momento grande incêndios atingem os dois extremos do continente americano, quando isso não deveria estar ocorrendo.

Um enorme incêndio em vegetação destrói áreas de uma cidade inteira no estado do Colorado, nos Estados Unidos, em pleno fim de dezembro. Fogo alimentado por tempestade de vento de até 170 km/h. OK, incêndios florestais sempre ocorrem no Colorado. Mas não nesta época. A região arrasada pelo fogo deveria estar coberta de neve e não tem nada de gelo no solo agora, apesar de a neve muito tardia estar prevista para chegar nos próximos dias.

Voltando para a América do Sul, estados como Maranhão, Norte de Minas Gerais, Bahia e Tocantins enfrentam graves inundações no Brasil. Mais uma vez você dirá que sempre chove muito nestas partes do país nesta época do ano, e estará certo, e afirmará ainda que a La Niña que é um fenômeno natural tem influência, e de novo vai estar certo.

Destruição no município baiano de Ubaíra em consequência da chuva extrema que atingiu o estado do Nordeste | Fernando Vivas/Governo da Bahia

Mas o que choveu não é normal. Muitas cidades da Bahia tiveram os maiores volumes de chuva em dezembro de todas as suas séries históricas que têm mais de 60 anos. Quantas vezes houve La Niña nos últimos 60 anos e não choveu sequer perto do que caiu agora. Está provado cientificamente que com a atmosfera do planeta mais quente ela retém mais vapor d´água e isso gera mais eventos extremos de chuva.

Ah, e não esqueça que este dezembro teve duas ondas de tornados nos Estados Unidos fora de época arrasadoras e que nunca antes na história houve tantas mortes e destruição por tornados fora da temporada do fenômeno e tão tardiamente no ano. Em um dezembro com temperatura muito acima do normal no território norte-americano.

Então, nesta virada de ano, nada de olhar para cima. Olhe para os lados. Olhe ao seu redor. E chegue à conclusão inevitável que nem tudo está normal, os extremos só têm piorado e tudo indica que vão piorar ainda mais.