Choveu ontem e chove hoje no Rio Grande do Sul em algumas regiões, entretanto as precipitações têm se tornado cada vez mais irregulares e a tendência é que a chuva se torne cada vez mais insuficiente no território gaúcho durante as próximas semanas com impactos no campo. Em vídeo, a meteorologista da MetSul adverte que os efeitos do fenômeno La Niña começam a se fazer sentir no regime de precipitação e que o cenário é de alto risco para as próximas semanas e meses para a agricultura gaúcha com a atuação do fenômeno de resfriamento das águas do Oceano Pacífico Equatorial.

A grande preocupação neste fim de ano é com a cultura do milho no setor primário do Rio Grande do Sul. Muitos produtores têm relatado já que a chuva bastante irregular das últimas semanas já começa a afetar a safra.

Uma vez que os dias ficarão cada vez mais quentes, a perda de umidade será mais acelerada no solo e a chuva tende a ficar ainda mais irregular neste fim de ano, os riscos para o milho gaúcho são bastante altos e se espera quebra de produção em diferentes locais.

A chuva no mês de outubro ficou acima da média nas principais áreas produtoras de milho do Rio Grande do Sul, localizadas na Metade Norte, ao passo que no Oeste, no Centro e no Sul a maioria dos municípios teve precipitação abaixo da média histórica mensal.

Chegou novembro, contudo, e as precipitações começaram a ficar mais irregulares e aquém do necessário em muitas áreas. Os volumes de chuva nos últimos 30 dias sequer superam os 50 mm em muitos municípios do Centro gaúcho e do Alto Jacuí. No Oeste e no Sul, há pontos em que a precipitação desde a metade de novembro não ultrapassou os 20 mm ou 30 mm.

O último boletim semanal da Emater informou que na região de Ijuí, por exemplo, as áreas de cultivo de sequeiro apresentam sintomas de déficit hídrico mais prolongado à medida que os volumes de chuva não atenderam as necessidades das plantas, o que reduz o crescimento e retarda a emissão do pendão no milho. Na área de Santa Rosa, informa o órgão, a ausência de chuva em alguns municípios e a entrada das lavouras na fase reprodutiva geram expectativa de dificuldades no desenvolvimento.

Quais os cenários de La Niña para os próximos meses

De acordo com a última análise, o trimestre atual de outubro a dezembro tem 99% de probabilidade de La Niña e 1% de neutralidade. O fenômeno foi declarado pela NOAA na metade do mês passado. Para o trimestre de novembro a fevereiro que recém começa, 97% de probabilidade de La Niña e 3% de neutralidade.

Já para o trimestre de dezembro a fevereiro, portanto o do verão climático, e de enorme importância para a agricultura o setor de turismo, a probabilidade é de 92% de atuação do fenômeno La Niña e 8% de neutralidade. Isso significa que o fenômeno terá impacto no regime de chuva no Brasil e alterará o padrão de circulação geral da atmosfera no planeta durante o verão meridional e o inverno setentrional.

No trimestre janeiro a março, de acordo com a avaliação, há 83% de probabilidade de La Niña e 17% de neutralidade. No período de fevereiro a abril, 69% de fase fria no Pacífico Equatorial e 31% de neutro. No trimestre de março a maio, logo de outono, 50% de probabilidade de La Niña, 49% de neutralidade e 1% de El Niño. No trimestre de abril a junho, a probabilidade de fase neutra passa a ser a maior com 33% de La Niña e 63% de neutralidade. No período maio a junho, 23% de La Niña, 65% de neutralidade e 12% de El Niño. E, por fim, no trimestre de junho a agosto, portanto do inverno climático de 2022, probabilidade de 21% de La Niña, 60% de neutralidade e 19% de El Niño.

Situação atual da La Niña

De acordo com o último boletim semanal da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), a agência climática do governo dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar no Pacífico Equatorial Central está em -0,8ºC.

Este valor corresponde à faixa de La Niña fraca, mas nas últimas duas semanas esta área do oceano apresentou anomalias na faixa de intensidade moderada. A área do Pacífico Equatorial Central, região conhecida como Niño 3.4. é a utilizada oficialmente para designar se há El Niño ou La Niña atuando.

Já o Pacífico Equatorial Leste, perto dos litorais do Peru e do Equador, a região denominada de Niño 1+2, apresentou na última semana anomalia de -0,7ºC. Esta parte do oceano na faixa equatorial é conhecida por ter um impacto no regime de chuva do Rio Grande do Sul e quando está mais fria do que o normal nesta época do ano e durante o verão tende a favorecer chuva mais irregular ou abaixo da média no estado gaúcho.

O que é o fenômeno La Niña?

A La Niña se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais da faixa equatorial do Oceano Pacífico com a alteração do regime de vento na região que impacta o padrão de circulação geral da atmosfera em escala global, inclusive no Brasil. Quando há um evento de La Niña há uma tendência de a Terra esfriar ou na fase atual de apresentar aquecimento menor que haveria estivesse sob El Niño.

No caso do Rio Grande do Sul, há estudos mostrando efeitos em produtividade agrícola pelas diferentes fases do Pacífico. Estes trabalhos levam em conta décadas de dados. Quando sob neutralidade a produtividade ficou acima da média em um terço dos anos, abaixo da média em outro terço e acima no terço restante. Sob El Niño, a tendência maior foi de aumento de produtividade e com La Niña verificou-se uma probabilidade maior de perdas na produção.

Há uma propensão a se fazer uma correlação entre El Niño e mais chuva no Sul do Brasil e La Niña a um maior risco de estiagem, mas esta é uma fórmula distante de correta e existem muitas ressalvas a serem feitas do ponto de vista histórico. Nenhum evento de La Niña é igual ao outro. Apesar de a grande maioria das estiagens no Sul do país ter ocorrido sob neutralidade ou La Niña, a maior seca do Rio Grande do Sul neste século, em 2005, se deu com o Pacífico Equatorial oficialmente numa condição de El Niño.

Da mesma forma já houve muitos meses bastante chuvosos e até enchentes durante episódios de La Niña. No caso do último verão, por exemplo, a MetSul enfatizava que o evento de La Niña poderia trazer estiagem, como ocorreu com perdas no milho no começo da estação e pode se repetir agora no final de 2021, mas a mesma previsão indicava que janeiro poderia ser mais chuvoso do que a média, o que beneficiaria o ciclo de soja.

Até porque, sob La Niña, a média dos dados das últimas décadas mostra uma maior propensão para chuva acima da média do que abaixo da média durante o mês de janeiro na maioria dos anos em parte do Rio Grande do Sul. Assim, La Niña nem sempre é certeza de estiagem no Sul do Brasil nem tampouco de chuva acima da média mais ao Norte e o Nordeste do Brasil. O que o fenômeno faz sim é aumentar a probabilidade de ocorrência destes cenários nas diferentes regiões do país. Por isso, se instalando um evento na primavera, aumenta muito o risco de estiagem no Sul do país no próximo verão.

Por fim, da mesma forma que não se pode fazer associação linear entre La Niña e seca ou El Niño e enchentes, a intensidade do fenômeno também não é o melhor parâmetro. Os dados históricos revelam que já houve casos de estiagens mais graves em eventos de La Niña fraco que sob forte a intenso. Isso se explica porque o Pacífico não é a única variável que influencia na chuva. Outras variáveis como a Oscilação de Madden-Julian (OMJ), a temperatura do Atlântico e a Oscilação Antártica podem atenuar ou aumentar os efeitos da La Niña.

Sul do Brasil e Argentina são as áreas de maior risco na agricultura neste segundo verão seguido com La Niña

De acordo com a análise da MetSul, o maior risco por deficiência hídrica na safra de verão se dará no Sul do Brasil e na Argentina e desde já antecipamos um altíssimo risco de perda de produtividade e quebras, especialmente na Argentina.

A safra 2022 da Argentina, em especial, pode sofrer demais durante os próximos meses com falta de chuva e calor muito intenso com temperatura bastante acima da média, agravando ainda mais a perda de umidade do solo e gerando estresse nas plantas. Quebras muito expressivas podem ocorrer nas áreas produtoras de soja e milho do Centro e do Nordeste do país, na zona núcleo do Pampa úmido.

No Sul do Brasil, em particular no Rio Grande do Sul e no Oeste de Santa Catarina, inicialmente a cultura de milho é que pode ser a mais atingida e, assim como ocorreu no final de 2020, ter perdas e quebras até significativas em diversas áreas. A soja plantada cedo no Centro-Oeste do Brasil em princípio, não deve sofrer uma repetição do cenário verificado no ano passado, uma vez que neste ano não apenas a chuva chegou na hora assim como a primavera deve ser mais chuvosa na região que no ano passado em muitas áreas.

No Rio Grande do Sul, ao contrário, o período mais crítico para a soja se dá entre a segunda metade de janeiro e o começo de março, período de maior demanda hídrica e que pode ter irregularidade na chuva em 2022 com riscos. A Metade Norte gaúcha pode enfrentar problemas nos próximos meses com precipitações deficientes, mas os dados de hoje indicam risco de chuva irregular e déficit hídrico será maior nas Metades Oeste e Sul do Rio Grande do Sul, em cenário benéfico para o arroz e de risco para a soja nestas regiões.

Recomenda-se, por fim. ao produtor rural ficar atento aos boletins da Meteorologia e ter uma consultoria especializada em clima diante de uma safra de riscos em 2021/2022. O produtor, ao assinar a MetSul, ainda tem acesso aos nossos mapas de chuva para dias, semanas e meses para melhor planejar as atividades no campo.