Neve na Catedral de Pedra de Canela na noite de 28 de julho de 2021 | ANDRÉ FERNANDES/PREFEITURA DE CANELA

O que cai nesta noite de 28 de julho de 2022 no Rio Grande do Sul é chuva, mas há um ano, a esta hora, no começo da noite de 28 de julho de 2021, o que se precipitava em parte do estado gaúcho era neve, aliás muita neve. Para quem mora na Serra ou se dirigiu para a região serrana após ler e ouvir os prognósticos da MetSul Meteorologia de que a neve poderia ser forte como poucas vezes se viu na história recente do estado, a neve encantou a jamais sairá da memória. O vídeo com a neve forte caindo na Júlio de Castilhos, em São Francisco de Paula, gravado por Davis Pinheiro, correu o mundo nas contas de Meteorologia e foi o mais compartilhado até hoje nas redes sociais da MetSul Meteorologia.

As primeiras precipitações de neve em flocos ou em grãos há um ano tiveram início ainda no começo da tarde em cidades da fronteira com o Uruguai, Campanha e do Sul gaúcho com queda de precipitação invernal em cidades mesmo ao nível do mar no Sul do estado. No decorrer da tarde, relatos de chuva congelada e neve apareceram por grande parte do território gaúcho e os primeiros flocos começaram a cair timidamente na Serra e nos Aparados em meio a aberturas de sol com o aumento da nebulosidade.

No final da tarde, entre 17h e 18h, Porto Alegre teve uma forte pancada de chuva com apenas 5,5ºC na estação do Jardim Botânico, uma temperatura excepcionalmente baixa para o horário na capital gaúcha e poucas vezes vista durante o período da tarde, indicando a grande potência do ar gelado. No começo da noite, por volta das 19h, a banda de nebulosidade ciclônica que trouxe a chuva forte em Porto Alegre atingiu a Serra e a parte Sul dos Aparados, causando neve forte por alguns minutos.

Cerca de meia hora depois, uma segunda pancada de neve muito forte e acompanhada de rajadas de vento atingiu as mesmas áreas. Rapidamente, em poucos minutos, a paisagem se cobriu de branco. No restante da noite, a neve foi intermitente e fraca na Serra e no Sul dos Aparados, mas ganhou força em cidades mais ao Norte dos Campos de Cima da Serra à medida que as bandas de nebulosidade com instabilidade progrediam para o Norte.

Neve rara neste século

O que o Rio Grande do Sul testemunhou na quarta-feira, 28 de julho de 2021, foi um dos eventos de neve mais ampla em décadas no estado. A neve caiu em tantas regiões e em tantos municípios, do Sul ao Norte do Estado, como se tinha visto poucas vezes na história recente. Como, por exemplo, nas ondas de frio de agosto de 1984 (neve em flocos em Porto Alegre), julho de 1994 (neve granular em Porto Alegre), julho de 2000 e agosto de 2013. A MetSul estava em São Francisco de Paula há um ano e pôde registrar com imagens próprias o evento histórico.

Neste século, apenas havia paralelo com 2013 e nevou em 2021 em algumas cidades em que não tinha nevado oito anos antes. Na Serra, apesar de expressiva, é que a neve foi, no geral, menor que em 2013 em acumulação. Isso porque em 2021 a neve foi mais intensa, porém mais breve, mas em agosto de 2013 a neve, embora mais fraca, durou muitas horas. Casos de Caxias do Sul e Gramado que branquearam em 2021, mas tiveram maior acumulação em 2013.

Neve como a que caiu em 28 de julho de 2021 é muito pouco comum na Serra Gaúcha. Muita gente que vem à região, que é um dos principais destinos turísticos do Brasil pela sua beleza e ofertas de lazer e gastronomia de excelência, é levada a crer pela publicidade que a neve é um fenômeno recorrente e que pode encontrar paisagens brancas no inverno. A realidade é que a grande maioria dos invernos não registra grandes nevadas e eventos como de 2021 são pouco usuais, encontrando paralelo na história recente em 1994 e 2013, por exemplo.

Por que nevou tanto e tão forte?

Há dois modelos sinóticos principais para nevar no Rio Grande do Sul. O primeiro é quando o ar gelado atua na retaguarda de frente fria e a chuva se transforma em neve. É aproximadamente o que se viu em agosto de 2013 no estado gaúcho. O segundo, mais comum, é instabilidade de circulação de ciclone no oceano interagindo com ar polar. Foi o caso de 28 de julho de 2021.

Nuvens com precipitação do ciclone chegaram ao Uruguai, onde causaram raras ocorrências de neve no país, e depois foram para o Rio Grande do Sul que começou o dia com sol. A instabilidade alcançou primeiramente áreas do Sul gaúcho de manhã e no final do dia o Norte gaúcho. Como eram nuvens de grande desenvolvimento vertical, o que seria chuva forte não houvesse uma massa de ar polar de rara intensidade se transformou em neve forte.

Era exatamente o cenário que a MetSul desenhou em seus boletins à época, o único instituto a alertar para um evento excepcional no Rio Grande do Sul com precipitação invernal na maioria das regiões gaúchas, e que se confirmou integralmente. Sem solo úmido por chuva precedente à neve e com a atmosfera seca a acumulação seria favorecida e foi o que se deu. Paisagens incríveis podiam ser vistas em diversas cidades e vários estádios de futebol amanheceram com seus campos cobertos de neve.

Ademais, nuvens com maior desenvolvimento trouxeram as várias pancadas de neve forte que acumularia muito rápido, o que justamente ocorreu. As pancadas fortes a intensas de neve de curta duração vieram com vento de 70 km/h a 80 km/h e forte redução da visibilidade.

Por uma meia hora asas condições eram praticamente equivalentes ao que os norte-americanas denominam de blizzard com a passagem de faixa de instabilidade com neve intensa (snow squall) trazendo muita neve em curto período e com vento forte. Por isso, pontos dos Aparados da Serra tiveram maior acumulação. O vento gerou o que se chama de efeito de drifting em que a neve carregada pelo vento se acumula junto a obstáculos como cercas.