O histórico, memorável e rigoroso inverno de 2013 trouxe a primeira grande nevada do século XXI no Rio Grande do Sul. Apesar de nevadas em outros anos, como 2004, 2006, 2007, 2008 e 2010, nenhuma teve a proporção em acumulação e abrangência da registrada entre a noite de segunda-feira e de ontem. Os mais velhos tinham na memória grandes nevadas do passado, mas para os pequenos e mais jovens foi a primeira e motivo de festa nas paisagens brancas da Serra e Aparados.


Região da Serra Gaúcha teve a maior nevada dos últimos 19 anos e que encantou e divertiu a população – Halder Ramos / CP

A Serra teve importantes nevadas em agosto de 1999 e julho de 2000, e outra com menor proporção em agosto de 2010, entretanto o evento de segunda à noite e a madrugada e a manhã de ontem foi a mais significativa desde julho de 1994. Os acumulados, em geral, foram de até 5 centímetros, mas houve pontos com até 10 centímetros de neve no chão. Acumulados maiores na ordem de 20/30 centímetros foram observados, contudo em muito decorreram do efeito do vento (snowdrift).


Gramado amanheceu com paisagem branca na terça-feira como jamais se tinha visto desde julho de 1994 – Halder Ramos/CP

Terminou o jejum de grandes nevadas da Região das Hortênsias, o que gerava muitas dúvidas sobre quais seriam as causas da “estiagem”. Os cartões postais que até hoje são vendidos da neve em Gramado são da nevada de julho de 1994. A neve de ontem proporcionou agora um “arsenal” de imagens novas e belíssimas. Nevadas como a de ontem, apesar de muito mais freqüentes até a primeira metade da década de 90, não são comuns na região. Por isso, a nevada de 2013 entra pra história.


Pórtico de Gramado voltou a ficar coberto de neve como nos postais da nevada de julho de 1994 – Adriana Silveira/GES

Nevou em, pelo menos, 36 municípios do Rio Grande do Sul, conforme levantamento da MetSul Meteorologia, mas o número de localidades deve ter sido maior. A MetSul pôde confirmar neve em 1) Caxias do Sul, 2) Farroupilha, 3) Flores da Cunha, 4) Ipê, 5) Fontoura Xavier, 6) Itapuca, 7) Arvorezinha, 8) Gramado, 9) Canela, 10) Vacaria, 11) Bom Jesus, 12) São Francisco de Paula, 13) Nova Pádua, 14) Parai, 15) São Marcos, 16) Nova Prata, 17) Antonio Prado, 18) Lagoa Vermelha, 19) Ibirubá, 20) Sananduva, 21) Veranópolis, 22) Ausentes, 23) Erechim, 24) Ibiraiaras, 25) Cambará do Sul, 26) São Jorge, 27) Lagoão, 28) Jaquirana, 29) Getúlio Vargas, 30) Bento Gonçalves, 31) Soledade, 32) Guabiju, 33) Capão Bonito do Sul, 34) Nova Petrópolis, 35) Riozinho e São Leopoldo. A neve caiu também no Planalto Sul Catarinense, como São Joaquim e Bom Jardim da Serra.

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Caxias do Sul teve sua maior nevada desde julho de 1994. Foi uma das cidades da Serra em que mais nevou com acumulação de 5 a 10 centímetros. Também os Aparados da Serra tiveram o maior evento de neve desde a década de 90 com a paisagem completamente branca. A neve começou fraca, mas no final da segunda e, sobretudo, na madrugada da terça-feira passou a ser forte com grandes capuchos em alguns pontos, o que propiciou a maior acumulação. A temperatura estava ao redor de 0ºC, o que garantiu uma taxa de equivalente líquido (ratio) de 1 centímetro de neve no solo para 1 milímetro de precipitação.


Imagem panorâmica mostra que Caxias do Sul amanheceu branca pela neve na terça-feira – Saionara Parulosso/Divulgação


Vacaria voltou a testemunhar a tradicional Praça Daltro Filho branca como nas nevadas da década de 60 – Rádio Fátima


Paisagem nevada era deslumbrante nos campos totalmente brancos de Cambará do Sul ontem de manhã – Liane Castilhos

O futebol, claro, também foi personagem na neve. Não teve jogo de futebol disputado na neve, como em maio de 1979 em Bento Gonçalves entre Grêmio e Esportivo. Os jogadores da escolinha, das categorias de base e do time principal do Juventude, entretanto, tiveram uma manhã de terça-feira diferente e inesquecível. O Centro de Formação de Atletas e Cidadãos amanheceu tomado pela neve. Os jogadores aproveitaram para se divertir com bolas de neve e posaram para fotos.


Mas nem tudo foi espetáculo na Serra Gaúcha ontem. A neve, como era de esperar, acabou trazendo problemas em razão do grande volume precipitado por horas. Duas estradas chegaram a ser bloqueadas pela neve, inclusive a BR-116 em Vacaria. Houve ao menos dois acidentes provocados pela neve. Foi a primeira vez desde julho de 1994 que o fenômeno forçou o fechamento de estradas no Estado. Em 1994, houve bloqueio entre Gramado e Nova Petrópolis por conta do grande acúmulo de gelo na pista. Em Gramado, a neve provocou o desabamento ontem da cobertura da Expogramado. Não houve feridos.


Cobertura da Expogramado, em Gramado, não resistiu ao peso da neve caída na terça-feira e cedeu – Halder Ramos/CP


Polícia Rodoviária chegou a fechar a BR-116 em Vacaria ontem após acidentes devido à forte neve na região – Divulgação/PRF

Interessante é que a neve não se limitou às regiões da Serra e dos Aparados da Serra. O fenômeno foi observado também em cidades do Alto Uruguai, Planalt Médio, parte alta do Vale do Taquari e na Serra do Botucaraí, como em Arvorezinha. Caiu ainda em Lagoão, município na parte alta do Vale do Rio Pardo. Não nevou em Porto Alegre, mas esteve perto. No Morro do Espelho, em São Leopoldo, na Grande Porto Alegre, houve registro de chuvisco congelado misturado a pequenos grãos de neve. Na região de Taquara, houve relatos de flocos de neve misturados à chuva, mas que não puderam ser confirmados.


Dois fatores determinaram a neve forte e ampla. Primeiro, poderosa massa de ar polar na Argentina e Uruguai, onde caiu neve ao nível do mar e Mar del Plata teve recorde de mínima para agosto (-7,9ºC). Segundo, instabilidade de frente fria no Sul do Brasil e de área de baixa pressão/cavado na costa Nordeste gaúcha. Isso por si só é uma explicação pobre e convencional, a padrão. Ocorre que esteve evento de neve fugiu muito ao padrão aqui do Rio Grande do Sul. Nevadas, em regra, ocorrem com ciclones intensos (1994, 1999 e 2000), mas desta vez não havia ciclone muito profundo. Ademais, a tradicional referência da temperatura negativa em 850 hPa (1500 metros de altitude) de nada serviu, afinal a temperatura era de 0,1ºC na sondagem de Porto Alegre das 21h de segunda (acima), mas o detalhe é que de 600 metros até 1500 metros a temperatura estava próxima de zero e com valores de ponto de orvalho negativos a partir de 1200 metros. O perfil atmosférico era muito frio. E na sondagem das 9h de terça, este se tornou ainda mais frio, agora com valores negativos em 850 hPa. Outro detalhe que fugiu ao convencional da previsão de neve é que o fenômeno costuma ocorrer com espessura da camada entre 500 e 1000 hPa de 5400 ou inferior, mas tanto a sondagem de segunda-feira à noite como da manhã de terça apontou valores acima de 5400. Por isso, os modelos de previsão foram tão falhos nesta nevada (diferentemente do episódio de julho em Santa Catarina e no Paraná) a ponto do norte-americano GFS das 12Z de segunda sequer ter indicado neve no seu campo do fenômeno. O Europeu é que acusou para os Aparados e o Alto Uruguai, além do Planalto Sul Catarinense. A experiência de previsão e não saídas de campos de neve foram determinantes dias antes para se antecipar que tinha chance de nevar, e horas antes que a neve poderia ser ampla e acumular. (Produção e edição de conteúdo de Alexandre Aguiar)