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Um dos piores vendavais em temporais de verão da história recente do Litoral Norte do Rio Grande do Sul causou muitos estragos no final do domingo em municípios da região. Houve destelhamentos, colapso de estruturas como placas, quedas de postes e árvores, desabamentos e outros danos.

TALIS RAMON/LITORAL NA REDE

As áreas de Tramandaí, Imbé e Osório foram as mais afetadas. Imbé decretou situação de emergência. Em Osório, dezenas de casas foram destelhadas e o desabamento de estrutura de um circo deixou dez feridos.

A praia de Mariluz, que está no município de Imbé, foi uma das mais afetadas com várias residências parcial ou totalmente destelhadas, muitas árvores arrancadas e o comércio quase todo fechado. Apenas estabelecimentos com geradores estavam com as portas abertas na manhã de hoje. Veja fotos dos estragos deixados pelo vendaval na região de Imbé.

Mas o que causou o vendaval tão intenso? Primeiro, é preciso entender o que ocorria na atmosfera do Rio Grande do Sul naquele momento. Uma massa de ar muito quente cobria o estado enquanto uma frente fria se aproximava pelo Sul, vinda do Uruguai. Uma corrente de jato em baixos níveis atuava no território gaúcho, transportando ar quente e elevando acentuadamente a temperatura.

Estações meteorológicas do Instituto Nacional de Meteorologia registraram temperaturas máximas no domingo de 40,0ºC em Uruguaiana; 38,4ºC em São Borja; 37,6ºC em Santiago; 37,5ºC em São Gabriel; 37,4ºC em Santa Maria e Campo Bom; 37,2ºC em Alegrete; 35,5ºC em Rio Pardo; 35,4ºC em Porto Alegre e Camaquã; e 35,3ºC em Teutônia.

Com o calor, explodiram diversas células de tempestade durante a tarde e o começo da noite no Rio Grande do Sul, trazendo chuva intensa, granizo de variado tamanho e ainda vendavais isolados.

Uma destas células passou pela área de Porto Alegre e região metropolitana entre 20h e 21h com chuva forte a intensa que causou alagamentos em diversos pontos da capital, alguns intransitáveis. O vento não chegou a ser intenso na maioria dos bairros, mas em Belém Novo estação mediu 82 km/h.

Quando passou por Porto Alegre, a instabilidade já começava a se organizar em forma de linha, mas foi após superar a capital e se dirigir para o Litoral Norte e o Paranhana que se definiu uma linha de instabilidade clássica com alinhamento de células de tempestade, o que levou ao vendaval violento no Litoral Norte (clique aqui e veja imagens).

Uma linha de instabilidade, fenômeno conhecido como squall line, é um sistema de tempestades organizadas em uma linha contínua ou segmentada, caracterizada por fortes ventos, chuvas intensas e descargas elétricas. Esse fenômeno meteorológico pode se estender por centenas de quilômetros.

A formação de uma linha de instabilidade ocorre quando há um encontro entre massas de ar com características distintas, geralmente ar quente e úmido à frente e ar mais frio e seco avançando atrás. Esse contraste gera forte instabilidade atmosférica.

A aproximação de uma frente fria ou um sistema de baixa pressão pode disparar a formação da squall line. O ar quente sobe rapidamente, criando nuvens de tempestade que se alinham em uma faixa extensa e avançam de maneira coordenada.

Uma das principais consequências da linha de instabilidade são os ventos intensos e horizontais, conhecidos em Inglês como straight-line winds. Esses ventos ocorrem em linha reta, ao contrário dos tornados, que apresentam rotação e padrão de destruição mais caótico.

Os ventos horizontais podem atingir velocidades superiores a 100 km/h, podendo chegar a 150 km/h ou mais em casos extremos. A força desses ventos pode derrubar árvores, destruir telhados e causar estragos similares aos de tornado de menor escala.

No caso de ontem, a estação do Instituto Nacional de Meteorologia em Tramandaí anotou vento de 92 km/h. Já em Imbé, estação do Ceclimar da UFRGS registrou rajada de 141 km/h. Em Osório, estação particular na área urbana apontou vento de 77 km/h.

A intensidade dos ventos em uma squall line pode ser comparável a uma microexplosão, ou downburst. Nesse fenômeno, o ar desce violentamente da nuvem e se espalha ao atingir o solo, criando rajadas extremamente destrutivas em um curto período.

Esse tipo de tempestade ocorre com maior frequência em dias de calor excessivo, quando a atmosfera está carregada de energia, como era o caso de ontem. O ar quente próximo à superfície sobe rapidamente ao encontrar um sistema frontal, favorecendo o desenvolvimento da instabilidade.

Imagem de satélite das 22h do domingo no momento em que o vendaval ocorria no Litoral Norte. Imagem do canal infravermelho indicava topos das nuvens de -80ºC a -90ºC com nuvens gigantescas de tempestade do tipo Cumulonimbus alcançando enormes alturas na atmosfera | METSUL

Antes da chegada de uma frente fria, a atmosfera costuma estar carregada de umidade e calor, elementos essenciais para alimentar a convecção intensa. Essa combinação cria as condições ideais para o surgimento de uma squall line violenta.

O perigo da linha de instabilidade está na sua capacidade de se organizar rapidamente e percorrer grandes distâncias. Em questão de minutos, um céu aparentemente tranquilo pode dar lugar a ventos destrutivos e chuvas torrenciais.

Além dos ventos intensos, as tempestades associadas a uma linha de instabilidade costumam gerar raios frequentes. A elevada incidência de descargas elétricas aumenta o risco de incêndios e de danos em redes elétricas e sistemas de comunicação.

Outro risco é a chuva volumosa, que pode causar alagamentos repentinos, especialmente em áreas urbanas. O deslocamento rápido da linha de instabilidade faz com que grandes volumes de água sejam despejados em um curto intervalo de tempo.

Se houver granizo associado à tempestade, os danos podem ser ainda mais severos. As pedras de gelo podem variar de tamanho, mas em casos extremos podem alcançar dimensões capazes de destruir plantações e danificar veículos e edifícios, como se viu durante o domingo no Sul do estado.

Imagem de radar das 21h do domingo (16/2)| DECEA

Imagem de radar das 21h30 do domingo (16/2)| DECEA

Imagem de radar das 21h50 do domingo (16/2)| DECEA

Os meteorologistas monitoram a formação de linhas de instabilidade usando radares meteorológicos e imagens de satélite. Modelos de previsão ajudam a estimar sua trajetória, mas a rapidez com que se formam pode tornar o alerta desafiador.

A melhor forma de proteção contra uma linha de instabilidade ou de temporais é acompanhar os boletins meteorológicos e buscar abrigo assim que houver alertas. Ficar ao ar livre durante sua passagem pode ser extremamente perigoso devido aos ventos e descargas elétricas, tal como se viu no episódio do circo que desabou durante a passagem da linha de instabilidade por Osório.

Embora sejam mais comuns em certas regiões e épocas do ano, as linhas de instabilidade podem ocorrer em diversas partes do mundo. No Brasil, são frequentes na primavera e no verão, quando o calor intenso favorece sua formação.

Sistemas desse tipo podem atingir áreas densamente povoadas, causando estragos significativos em cidades. O impacto financeiro pode ser alto, devido a prejuízos em infraestrutura, interrupção de serviços e danos a propriedades.

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