Recife e região experimentam um dos maiores desastres meteorológicos da sua história com volumes extraordinários de chuva com precipitações em intensidade poucas vezes antes vista na capital pernambucana. São vários dias seguidos com chuva, em alguns momentos extrema e com acumulados diários acima de 200 mm, o que traz inundações, deslizamentos de terra e um alto número de vítimas, além de muitos transtornos e estragos.
Dados de estações de monitoramento do Centro Nacional de Previsão de Desastres mostram que a chuva está muito acima dos padrões históricos, mesmo sendo maio mês muito chuvoso na região com média histórica de precipitação mensal de 317,1 mm na capital pernambucana, de acordo com as normais meteorológicas 1991-2020. Vários pontos superam o dobro da média do mês e a maior parte da precipitação em maio ocorreu apenas nos últimos dias.
Os dados de chuva mostram volumes acumulados no mês de maio muitíssimo acima da média histórica neste mês até ontem de 510 mm em São Lourenço da Mata, 535 mm em Cabo de Santo Augustinho, 558 mm em Igarassu, 631 mm em Abreu e Lima, 635 mm em Olinda, 660 mm em Jaboatão dos Guararapes e 693 mm em Recife.
No ponto de medição de Alto Mandu, em Recife, os acumulados diários de precipitação foram de 66 mm no dia 24, 177 no dia 25, 29 mm em 26 de maio, 22 mm no dia 27, 204 mm ontem e 38 mm hoje até o meio-dia. Já em Jaboatão dos Guararapes, os acumulados diários no ponto de medição de Muribeca foram de 28 mm no dia 22, 76 mm no dia 24, 158 mm no dia 25, 27 mm em 26 de maio, 22 mm no dia 27 e 201 mm ontem. Em Olinda, a estação de Tabajara registrou 184 mm no dia 25 e 207 mm ontem.
O período mais crítico de chuva se deu entre o final da sexta-feira e a manhã do sábado, quando vários pontos do Recife e sua região metropolitana registraram precipitações torrenciais com acumulados extremos em curto período. Em apenas doze horas, algumas estacoes reportaram 200 mm a 250 mm de precipitação, o que trouxe muitos alagamentos, inundações repentinas e os muitos deslizamentos de terra pelo solo que já estava saturado de umidade com a chuva em altos volumes observados em dias anteriores.
Saldo trágico
O saldo do desastre da chuva na região do Recife é trágico e pode se aproximar da catástrofe da chuva de julho de 1975 que deixou mais de cem mortos na região. Conforme o último balanço oficial, da tarde deste domingo, divulgado pelo governo de Pernambuco, o número de pessoas que morreram em meio às fortes chuvas que atingem Pernambuco subiu para 56. Nove municípios pernambucanos já publicaram decretos de situação de emergência, incluindo a capital Recife.
O balanço oficial apontava até o começo da tarde deste domingo que havia ainda 56 pessoas desaparecidas, o que deve fazer com que o saldo de vítimas fatais aumente muito à medida que seguem os esforços de busca de pessoas soterradas nos vários deslizamentos de terra que atingiram cidades como Recife e Jaboatão dos Guararapes.
A Defesa Civil de Pernambuco contabiliza no momento 3.957 desabrigados, especialmente em cidades da Região Metropolitana do Recife e no Norte da Zona da Mata. Há doze pontos de deslizamentos em que os bombeiros realizam as buscas dia e noite. Os dados foram publicados pela Central de Operações e do Centro Integrado de Comando e Controle Regional (CICCR) do estado pernambucano.
O Exército presta auxílio nos resgates. Equipes formadas pelas forças de segurança estaduais, Exército e a Marinha atuam nos 12 pontos de deslizamento, com o auxílio de cães farejadores e equipamentos de busca e resgate. Até a madrugada de hoje, o Grupamento de Bombeiros Marítimos (GBMAR) havia realizado o resgate de 593 vítimas ilhadas em várias localidades da Região Metropolitana do Recife. Desde a sexta-feira, foram registrados mais de 46 mil chamados para o número de telefone de emergência dos bombeiros.
As cidades que decretaram situação de emergência, de acordo com o governo do estado, foram Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Moreno e Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana; e São José da Coroa Grande, Nazaré da Mata, Macaparana e São Vicente Ferrer, na Zona da Mata.
Chuva prossegue em Recife
A MetSul Meteorologia alerta que o tempo vai seguir instável em Recife, no litoral pernambucano e Zona da Mata. Todos os dias desta semana podem registrar pancadas de chuva na região e que localmente podem ser fortes a torrenciais. A imagem de satélite do começo da tarde deste domingo mostrava um grande aglomerado de nuvens carregadas sobre o Atlântico logo na costa de Pernambuco, o que traz a ameaça de novas ocorrências de chuva intensa.
Mesmo que não sejam registrados volumes tão extraordinariamente altos como do começo do sábado, o cenário segue de alto risco. Isso porque com a chuva dos últimos dias o solo encontra-se saturado de umidade e os rios e córregos estão com seus níveis elevados. Sob tais condições, mesmo chuva fraca a moderada pode gerar novos alagamentos, deslizamentos de terra e quedas de barreiras.
Ondas de Leste trazem chuva
Fenômeno que não afeta o Sul, grande parte do Sudeste e o Centro-Oeste do Brasil, onde a chuva costuma vir com frentes frias, frentes quentes e centros de baixa pressão, o litoral da Região Nordeste está acostumado com uma condição que tem origem a milhares de quilômetros, na África, e todos os anos traz chuva volumosa para a região nesta época do ano.
São as chamadas ondas de Leste que nada mais são que áreas de perturbação atmosférica que avançam pela região tropical do continente africano em direção às Américas, muitas vezes dando origem às tempestades tropicais e furacões no Atlântico Norte. À medida que uma destas perturbações começa a se organizar e se intensificar com a água quente do oceano, pode dar origem a um centro de baixa pressão que pode rapidamente evoluir para um ciclone tropical.
No caso do Nordeste do Brasil, as ondas de Leste não trazem furacões, mas muita chuva. Estas ondas se formam na área de influência dos ventos alísios, perto da linha do Equador, em especial nos meses do outono e inverno do Hemisfério Sul. Quando estas ondas que cruzam o Atlântico chegam ao litoral brasileiro, causam chuva nas zonas costeiras da Região Nordeste do Brasil, principalmente na Zona da Mata, e às vezes até no Recôncavo Baiano e no litoral do Ceará.
Há um fator agravante para o excesso de chuva no caso das ondas de Leste, a temperatura da superfície do oceano. Quanto mais quente o mar, maior a energia da instabilidade. No caso de agora, a temperatura da superfície do mar está acima da média em toda a região costeira do Nordeste e nas áreas do Atlântico por onde avançam as ondas tropicais.