Os Estados Unidos estão passando por uma das maiores “secas” de tornados classificados como EF5, a categoria mais intensa da escala Enhanced Fujita (EF) de tornados, e que já dura mais de uma década. Estes tornados ganharam o apelido de “dedo de Deus” depois de uma passagem do filme Twister (1986). Já se passaram mais de 11 anos sem a formação de um tornado dessa magnitude, o que representa o período mais longo sem um tornado EF5 desde o início dos registros meteorológicos oficiais, em 1950.

Tornado EF-5 na cidade de Joplin, estado norte-americano do Missouri, deixou 160 mortos em 2011 | MIRA OBERMAN/AFP/METSUL METEOROLOGIA
Essa lacuna rara tem gerado discussões acaloradas entre meteorologistas, engenheiros e especialistas em desastres naturais, pois a falta desses eventos violentos levanta questões sobre a precisão da classificação dos tornados e sobre possíveis mudanças no clima.
O artigo intitulado “Where Have the EF5s Gone? A Closer Look at the ‘Drought’ of the Most Violent Tornadoes in the United States“ (tradução livre: “Onde Estão os EF5s? Um Olhar Mais Detalhado sobre a ‘Seca’ dos Tornados Mais Violentos dos Estados Unidos”), escrito pelos pesquisadores Anthony W. Lyza, Harold E. Brooks e Makenzie J. Krocak, faz uma análise detalhada dessa raridade dos tornados EF5 e explora possíveis explicações para esse fenômeno.
O artigo foi enviado para a Bulletin of the American Meteorological Society em 29 de março de 2024 e revisado em 4 de janeiro de 2025. Lyza, Brooks e Krocak estão vinculados ao National Severe Storms Laboratory (NSSL) da NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos) e à School of Meteorology da University of Oklahoma, ambas localizadas em Norman, Oklahoma.
A escala Enhanced Fujita (EF) é usada para classificar a intensidade dos tornados com base na extensão dos danos causados. A classificação varia de EF0 (os tornados mais fracos) a EF5, o nível mais alto, com ventos que podem atingir ou ultrapassar os 322 km/h. Tornados EF5 são considerados os mais devastadores, com o poder de destruir edifícios bem construídos e mudar a paisagem de maneira quase irreconhecível.
A classificação EF5 representa um evento de magnitude extremamente rara e altamente destrutiva. Porém, o número de tornados classificados como EF5 nos Estados Unidos tem diminuído substancialmente nos últimos anos.
Embora tornados de alta intensidade sejam sempre acompanhados de perto por meteorologistas, a falta de EF5s nas estatísticas mais recentes despertou uma série de questionamentos sobre o que está por trás dessa tendência.
Uma “Seca” sem Explicações Simples
De acordo com o estudo de Lyza, Brooks e Krocak, a ausência prolongada de tornados EF5 não pode ser atribuída a uma redução na intensidade dos tornados em si. Em vez disso, os pesquisadores sugerem que a escassez de EF5s pode estar ligada a mudanças nas práticas de construção e na forma como a intensidade dos tornados é classificada atualmente.
A escala Enhanced Fujita foi introduzida em 2006 para substituir a antiga escala Fujita (F), com o objetivo de proporcionar estimativas mais precisas das velocidades do vento com base nos danos causados.

O sol nasce sobre a paisagem arrasada por um tornado EF-5 no amanhecer de 27 de maio de 2013 em Moore, Oklahoma. O tornado de três quilômetros de largura matou duas dezenas de pessoas e arrasou a cidade. | TOM PENNINGTON/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA
Com a adoção da escala EF, tornados que anteriormente seriam classificados como EF5 na escala F agora são muitas vezes classificados como EF4, especialmente quando o tornado atinge regiões com construções mais resistentes, como áreas suburbanas ou urbanas.
Os pesquisadores apontam que, enquanto a intensidade dos tornados não diminuiu, a aplicação mais rigorosa da escala EF pode ser responsável por essa escassez de EF5s, já que ventos que anteriormente eram considerados como tendo intensidade EF5 podem agora ser classificados como EF4, devido aos padrões mais altos de construção.
Mudança na Definição dos Tornados EF5
Uma das questões mais discutidas no artigo é o critério de velocidade dos ventos para a classificação de um tornado como EF5. Segundo Lyza, a aplicação da escala EF é altamente dependente da análise dos danos observados nas construções atingidas.
A nova escala, ao incorporar critérios mais específicos sobre a qualidade das construções, tende a resultar em uma subestimação da intensidade real do tornado. Se a classificação de tornados EF5 fosse ajustada para considerar uma faixa de ventos de 190 mph (cerca de 305 km/h) a 201 mph (cerca de 323 km/h), a taxa de tornados EF5 seria mais alinhada com a climatologia histórica, sem precisar recorrer a critérios mais rigorosos de danos estruturais.
Além disso, os autores também discutem a natureza rara dos EF5s. Apesar de sua raridade, esses tornados têm um impacto desproporcional nas comunidades, uma vez que sua intensidade e destruição são imensuráveis.
Isso eleva a importância de entender corretamente como classificar os danos e interpretar as informações de cada evento tornado para garantir a precisão nos relatórios e na tomada de decisões pelas autoridades.
Isso eleva a importância de entender corretamente como classificar os danos e interpretar as informações de cada evento tornado para garantir a precisão nos relatórios e na tomada de decisões pelas autoridades.
O último tornado EF-5
O último tornado classificado como EF5 na escala Fujita aprimorada se deu em Oklahoma em 20 de maio de 2013. Ao longo de seu caminho devastador de Newcastle a Moore, ao Sul de Oklahoma City, 24 pessoas morreram, 212 ficaram feridas e até 1.200 casas e dezenas de empresas foram destruídas, incluindo duas escolas primárias.

Raios caem durante uma tempestade enquanto sobreviventes de tornado procuram por coisas recuperáveis em sua casa devastada em 23 de maio de 2013, em Moore, Oklahoma | JEWEL SAMAD/AFP/METSUL METEOROLOGIA
Tornados tão fortes, com ventos máximos de pelo menos 350 km/h, são raros. Representam menos de 0,1% de todos os tornados. Ainda assim, em média, eles ocorreram a cada dois anos. Desde 1950 foram 59 nos Estados Unidos e causaram 1.347 mortes, ou seja, uma média de 23 fatalidades por tornado.
Alguns anos viram vários tornados classificados na escala como 5 e vários dias notórios de tempo severo apresentaram vários tornados de categoria 5. Em 1953, tornados tão fortes ocorreram em cinco dias diferentes. Em 2011, ocorreram em três dias diferentes. O máximo de tornados categoria 5 em um ano foi de sete eventos, todos registrados na grande onda de tornados de 1974, o Super Outbreak de 1974.
A recente falta de tornados classificados como 5 pode não estar relacionada à Meteorologia. O sistema usado para avaliar os tornados mudou com o tempo, complicando qualquer esforço para interpretar as tendências. Duas décadas atrás, a Escala Fujita original – em homenagem ao cientista de tornados Theodore Fujita – foi modificada para se tornar a escala Fujita aprimorada
Então, quais são as principais diferenças entre a escala Fujita (F) e a Escala Aprimorada de Fujita (EF)? A principal diferença é que a escala EF é mais refinada e baseada em pesquisas mais atuais. Ele fornece definições mais específicas para cada categoria e o tipo de dano. Leva em consideração novas pesquisas sobre velocidades do vento e padrões de danos. Como resultado, o NWS agora usa apenas a escala EF para classificar a intensidade dos tornados nos Estados Unidos.
Mesmo a Escala Fujita Aprimorada não é um sistema perfeito para medir a intensidade dos tornados e ainda é subjetiva. Ainda é baseada em observações de danos causados por tornados, e muitos fatores podem afetar a quantidade de dano que um tornado causa. Por exemplo, o tipo de material de construção usado em uma estrutura pode influenciar a extensão dos estragos, assim como a idade e a condição da estrutura.
“A escala F original tinha limitações, como a falta de indicadores de danos, nenhuma consideração pela qualidade e variabilidade da construção e nenhuma correlação definitiva entre danos e velocidade do vento”, explica o Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos (NWS) sobre as escalas. “Essas limitações podem ter levado alguns tornados a serem classificados de maneira inconsistente e, em alguns casos, a uma superestimação das velocidades do vento do tornado”, afirma o NWS.

Tornado que arrasou a cidade de Moore, estado norte-americano de Oklahoma, em maio de 2013, foi o último a ser classificado como EF-5 nos Estados Unidos | TOM PENNINGTON/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA
O último ano terrível de tornados nos Estados Unidos ocorreu há mais de uma década. Foi 2011. Houve 1.705 tornados confirmados nos Estados Unidos em 2011. Foi o segundo ano mais ativo já registrado, com apenas 2004 tendo mais tornados confirmados.
O ano de 2011 foi, ademais, excepcionalmente destrutivo e mortal. Foram 553 mortes por tornados nos Estados Unidos, número acima das 564 mortes nos dez anos anteriores somados. Houve várias ondas de tornados entre o meio e o final de abril assim como no final de maio. Foram seis tornados EF5.
O tornado de 22 de maio de 2011 na cidade de Joplin matou 158 pessoas e feriu 1.150, tornando-se o tornado mais mortal dos Estados Unidos desde 1947 e o sétimo mais mortal do mundo. Houve três bilhões de dólares em danos segurados que fizeram do tornado de Joplin o de maior prejuízo da história do mundo.

Um carro capotado está entre os destroços de casas varridas pelo tornado EF-5 em Joplin, em 25 de maio de 2011. O tornado que atingiu a cidade de cerca de 50 mil habitantes foi o mais mortal nos Estados Unidos em mais de 60 anos. | JULIE DENESHA/GETTY IMAGES/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Foto aérea mostra os danos um dia depois da passagem do tornado por Joplin, estado do Missouri, nos Estados Unidos, em maio de 2011. Todas as casas no caminho do tornado EF-5 foram destruídas com apenas o piso resistindo ao vento de 350 km/h. | BENJAMIN KRAIN/AFP/METSUL METEOROLOGIA
Em 10 de junho de 2013, um estudo de engenharia não encontrou evidências de danos estruturais de categoria EF5 em Joplin, devido à má qualidade de construção de muitos edifícios. No entanto, a classificação EF5 foi mantida pelo Serviço Meteorológico Nacional (NWS) em Springfield, Missouri.
O órgão afirmou que que as suas equipes de pesquisa constataram apenas uma pequena área de danos estruturais EF5 e que ela poderia ter sido facilmente não encontrada na avaliação do estudo publicado dois anos depois.
Conforme o NWS, veículos muito grandes, como ônibus, vans e caminhões, jogados a centenas de metros e por várias quadras de seus pontos de origem, o fato de alguns proprietários jamais terem achado os seus veículos levados pelo vento, foram levados em consideração para se concluir pela intensidade do tornado como EF-5.

Somente o edifício do hospital ficou de pé em Joplin que parecia mais uma cidade atacada por uma bomba atômica depois da passagem do tornado EF=5 em maio de 2011 | JULIE DENESHA/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA
Tim Marshall, meteorologista e engenheiro que faz parte da Equipe de Resposta Rápida do Serviço Meteorológico para avaliar os danos causados por tornados, disse que não acredita que os tornados tenham se tornado menos violentos. Na verdade, “o clima se tornou mais violento”, disse Marshall.
O puro acaso desempenha um papel para saber se um tornado pode ganhar uma classificação de 5. A fúria total de seus ventos deve atingir uma estrutura bem construída. Se um tornado violento com ventos equivalentes a 5 passar apenas sobre florestas ou terras agrícolas, ele não poderá receber essa classificação.
Em outras palavras, é provável que os tornados EF5 tenham ocorrido na última década, mas simplesmente não atingiram um edifício solidamente construído onde sua força pudesse ser avaliada. Um estudo de 2021 descobriu que o Serviço Meteorológico está subestimando substancialmente a força de alguns tornados rurais.
O Impacto no Monitoramento e Prevenção de Desastres
O estudo atualizado dias atrás e publicado pela AMS também destaca o impacto que essa “seca” de EF5 pode ter na forma como os meteorologistas avaliam a segurança pública e os esforços de mitigação de desastres. A falta de tornados EF5 nos últimos anos não significa que o risco de eventos violentos tenha desaparecido.
Ao contrário, os cientistas alertam para a necessidade de continuar a melhorar as previsões e as respostas a desastres, uma vez que a ocorrência de um tornado EF5, embora rara, pode ter efeitos devastadores.
Os pesquisadores concluem que, embora o número de tornados EF5 tenha diminuído, os critérios utilizados para classificar esses eventos precisam ser reconsiderados à luz das novas metodologias de construção e das melhores práticas de avaliação de danos. Essa reflexão é essencial para garantir que, no futuro, os tornados de maior intensidade sejam reconhecidos de forma precisa e eficaz, ajudando a proteger as comunidades e a melhorar as estratégias de prevenção e resposta.
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