Um episódio excepcional de poeira do deserto do Saara está sendo registrado desde a tarde de ontem em várias províncias mediterrâneas da Península Ibérica, atingindo Portugal e Espanha. A intensidade do fenômeno espanta e é descrito como o mais forte em várias décadas na região, trazendo paisagens impressionantes que mais se assemelham ao do planeta Marte em algumas cidades com o céu completamente alaranjado.

“É um evento de poeira do Saara como não se registrava na Espanha há décadas”, segundo o presidente da Associação de Geógrafos Espanhóis (AGE), o professor da Universidade de Alicante (UA) Jorge Olcina, em entrevista para a agência de notícias espanhola EFE. De acordo com o especialista, o fenômeno está atingindo hoje áreas do Sul ao Norte do país.

A cor alaranjada e avermelhada transformou o céu de Almería, Múrcia e Alicante ainda durante a segunda-feira e nesta terça a paisagem mudou em grande parte do território espanhol. A agência meteorológica espanhola Aemet alertou que “a intrusão do Saara continuará nos próximos dias e será significativa, levando a uma piora da qualidade do ar”.

As autoridades de saúde recomendam manter as portas e janelas fechadas, o uso de máscaras ao sair e evitar exercícios ao ar livre, principalmente para pessoas com problemas respiratórios. Quanto às máscaras, é preferível que sejam do tipo PFF2, pois oferecem maior proteção. Pedem também que se beba bastante líquido, principalmente crianças e idosos, para evitar a desidratação, e limpe a poeira da casa com panos úmidos.

As ruas de Madrid e outras cidades espanholas ficaram cobertas por uma camada de poeira como resultado da calima que nas primeiras horas da manhã reduzia muito a visibilidade de provocava ardência e coceiras nos olhos dos moradores. A paisagem da capital da Espanha foi tingida de um tom laranja que se transformou no principal assunto das redes sociais.

A poeira atmosférica se moverá para o Noroeste e atingirá a Galícia e o Golfo da Biscaia ao longo desta terça e da quarta-feira, atingindo depois grande parte da França, Bélgica, Holanda, Alemanha e até partes da Dinamarca na quinta-feira.

As causas da calima histórica

A chegada da poeira à Europa é a consequência da tempestade de areia que afetou o Marrocos nos últimos dias. A calima é bastante comum no país que tem um clima desértico e às vezes acaba se estendo ao continente europeu por correntes de vento, sobretudo quando são provenientes do quadrante Sul. Em fevereiro de 2021, um grande evento de calima alcançou até a França.

A origem desta intrusão de poeira do deserto está na tempestade Celia. Trata-se de uma área de baixa pressão, centrada mais ou menos no Golfo de Cádiz, que impulsiona ventos intensos vindos do deserto do Saara. O vento transporta muito material particulado porque no Saara também está soprando com forte intensidade, levantando a areia da superfície do deserto.

Calima piora qualidade do ar

Outra consequência desta nuvem de areia é a piora da qualidade do ar. Várias estações de controle atmosféricos nas províncias de Múrcia, Alicante, Almería, Madrid, Albacete, Guadalajara, Segóvia, Ávila e Burgos, dentre outras, mostram nesta terça-feira que a qualidade do ar é “extremamente desfavorável” devido às partículas de PM10 em suspensão. Em princípio, a calima não é tóxica, mas um acúmulo dessas partículas no sistema respiratório pode ser comprometedor para pessoas que têm algum problema relacionado, sobretudo doenças como a asma.

A qualidade do ar é normalmente medida pelas partículas que se encontram em suspensão, com um diâmetro de 10 microns (PM10). Se a pessoa respira a calima por muito tempo pode vir a ter problemas de saúde”. Estima-se que este episódio deixe até 500 mg de partículas por metro cúbico enquanto a Organização Mundial de Saúde fala em níveis máximos aceitáveis ​​de 50 mg, ou seja, o nível de segurança foi multiplicado por dez. Havia medições na manhã de hoje em alguns pontos de até 700 mg de partículas.

Um estudo do Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC) garante que a composição da calima varia conforme o momento e pode conter partículas nocivas que o vento transporta ao passar pelas zonas onde estão localizadas as centrais térmicas e refinarias no Marrocos, Argélia e Tunísia.

Assim, quando o vento carregado de poeira encontra partículas emitidas pela atividade industrial de usinas termelétricas, onde se queima carvão, ou refinarias de petróleo, a calima contém vestígios de bromo, cromo, níquel, zinco e zircônio, sendo o cromo e o níquel prejudiciais para a saúde.

Segundo o estudo, quando a poeira percorre centenas de quilômetros para chegar às Ilhas Canárias, passando pelo Nordeste da Argélia, sua composição é rica em cálcio, estrôncio, enxofre, potássio e magnésio; enquanto se originada do Noroeste da Argélia, é mais rica em sódio e cloro. Se, por outro lado, a poeira vem do Sudeste do Saara e do Mali, traz mais silício, ferro e manganês.

O que é a calima?

A calima é um fenômeno meteorológico que ocorre na atmosfera. Sua principal característica é que possui um grande número de partículas de poeira e areia. Desta forma, também reduz a visibilidade. Quando cai com a chuva, traz “chuva de barro” ou “chuva de sangue”. Uma concentração tão alta destas partículas reduz a visibilidade, mas também pode causar outros danos aos seres humanos que o nevoeiro normal não causa.

É diferente do nevoeiro que se trata de condensação de partículas de água no ambiente. Esta formação literal de nuvens ao nível do solo pode ter vários impactos na condução devido à visibilidade reduzida. No entanto, não causa nenhum efeito à saúde. Simplesmente, a umidade no ambiente é maior. A diferença entre a calima e o nevoeiro é justamente a composição das partículas que reduzem a visibilidade. Enquanto na neblina e no nevoeiro são partículas de água condensada formando nuvens, na calima são partículas de poeira, areia, cinzas e até argila.

As mudanças climáticas influenciam nestes episódios? Não é muito claro, embora seja um fato que nos últimos 100 anos o deserto do Saara aumentou sua superfície em 10% e que é uma fonte maior de partículas. Além disso, as mudanças climáticas favorecem a aridez e influenciam na frequência e intensidade de padrões climáticos como tempestades, que precisam do vento para carregar a poeira.