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A MetSul Meteorologia tem reiteradamente advertido para o ciclone muito intenso que vai se deslocar para a costa gaúcha na terça com vento muito forte a intenso entre a terça-feira e a quarta principalmente no Sul e no Leste gaúcho, podendo ainda atingir o Leste catarinense. Será um sistema altamente incomum tanto pela sua trajetória como pela sua intensidade.

Ciclones são comuns durante os meses de outono, inverno e primavera no Atlântico Sul pelo encontro de massas de ar quente e frio de diferentes pressões atmosféricos. Normalmente, os sistemas se formam na altura do Rio da Prata ou mais ao Sul do Atlântico, como na costa de Buenos Aires ou junto à Patagônia.

São estes ciclones que impulsionam massas de ar frio com o conhecido vento “Minuano” no Rio Grande do Sul e que ao interagirem com o ar polar acabam em algumas vezes provocando neve. É o caso do ciclone extratropical que atua neste domingo na costa da província argentina de Buenos Aires.


Ocorre que o ciclone que atingirá o Rio Grande do Sul entre terça e quarta será diferente. A sua trajetória é incomum. Normalmente, os ciclones que se formam na costa do Sul do Brasil ou na altura do Uruguai ou do litoral de Buenos Aires avançam para Sudeste e o Leste, distanciando-se do continente. Este, ao contrário, no que é absolutamente raro, vai observar uma trajetória oposta. Os dados indicam que vai se deslocar do mar para o continente.

A área de baixa pressão que cruzou o Sul do Brasil com chuva neste fim de semana e está no final deste domingo na costa do Rio Grande do Sul vai se afastar quase mil quilômetros da costa gaúcha nas próximas horas. Então, subitamente, a área de baixa pressão daria uma guinada a começaria a avançar de volta para o continente, observando uma trajetória retrógrada e se intensificando muito rapidamente como um ciclone.

Os modelos seguem divergindo quanto à trajetória deste ciclone ao passar pelo Rio Grande do Sul. Nas saídas das 12Z  (9h deste domingo) o modelo norte-americano indicava o centro do ciclone tocando terra no Litoral Sul, avançando pela Lagoa dos Patos até Porto Alegre, e depois avançando de volta para o mar a partir da região de Torres. O alemão Icon teve a saída mais extrema e com o pior cenário para vento muito intenso com o modelo margeando com grande intensidade o litoral gaúcho de Sul a Norte e depois atingindo a costa Sul catarinense. Por sua vez, o europeu indicou o ciclone passando à margem do Litoral, um pouco mais distante da costa.

Ciclones que desempenham trajetória retrógrada, como os modelos projetam para este sistema, são extremamente incomuns e pouquíssimas vezes visto. O episódio mais conhecido é de março de 2004, quando uma baixa segregada (cut-off low) se desprendeu de um sistema frontal e começou a avançar para o Sul do Brasil a partir do Atlântico, adquirindo características tropicais e se intensificando enormemente até atingir o status de furacão e tocar terra no Sul do estado de Santa Catarina. Tratou-se do furacão Catarina.

Outro sistema que apresentou uma trajetória retrógrada, também um ciclone tropical como o furacão de 2004, foi a tempestade tropical Anita, de março de 2010. À época, uma baixa pressão que se formou na costa do Sudeste avançou do mar para o continente em direção ao Litoral Norte do Rio Grande do Sul, mas ao se aproximar da costa subitamente passou a apresentar um movimento de Oeste para Leste sem chegar a tocar terra no continente. Por isso, os efeitos da tempestade Anita foram pequenos.

Pressão baixa na costa como não se via desde o Catarina

O que impressiona também neste sistema é a sua profundidade. Os modelos norte-americano GFS e o europeu ECMWF indicaram nas suas saídas deste domingo pressão atmosférica central no ciclone de 985 hPa. O modelo alemão Icon chegou a projetar 983 hPa. Estes são valores que no caso de um ciclone tropical no Atlântico Norte seriam equivalentes a de um furacão categoria 1.

Comumente se crê que a intensidade de um ciclone é baseada apenas na força do vento que provoca, mas um parâmetro internacionalmente utilizado para mensurar a força de um sistema ciclônico é justamente a pressão atmosférica central. Quanto mais baixa a pressão no centro da tempestade, maior será a sua intensidade.

Normalmente, ciclones que se formam na costa do Sul do Brasil – a esmagadora maioria com natureza extratropical – não apresentam valores de pressão atmosférica tão baixos quanto o pacote de modelagem numérica sinaliza para este evento. Valores de pressão de 980 hPa a 985 hPa junto à costa do Rio Grande do Sul são excepcionalmente raros. Desde o furacão Catarina de 2004 não se observa pressão tão baixa sendo indicada junto ao Leste do Rio Grande do Sul. Na ocasião, na região de Torres e no Sul de Catarina, a pressão caiu a valores ao redor de 970 hPa a 980 hPa no centro do furacão.

Não será um furacão

Este sistema, entretanto, não será um furacão por todos os danos analisados. Todo ciclone é uma área de baixa pressão e é o perfil vertical do centro de baixa pressão que vai definir o seu status: extratropical, tropical ou subtropical. O movimento do vento em seu centro e na periferia se dá no sentido horário no Hemisfério Sul. Os ciclones muito comuns que têm efeitos no Sul do Brasil são os extratropicais, que ocorrem em todas as estações climáticas, ao passo que sistemas subtropicais por serem atípicos são menos comuns e os tropicais ainda mais incomuns.

A característica definidora de um ciclone tropical é que ele deriva sua energia puramente da liberação de calor latente que acontece em tempestades quando o vapor de água se condensa em gotas de chuva sobre o oceano. Este é um processo diferente dos ciclones extratropicais que têm sua energia do encontro de massas de ar quentes e frias. Os sistemas subtropicais misturam estas duas fontes de energia, o que significa que não se encaixam em nenhuma das categorias. Os extratropicais possuem centro frio em todo o seu perfil vertical e nos tropicais a baixa pressão é quente de cima a baixo. Nos sistemas subtropicais, o centro é frio em altitude e quente em superfície.

No caso deste ciclone, os dados indicam características tipicamente subtropicais à medida que um ciclone extratropical faria uma transição para um sistema de centro quente em baixos níveis da atmosfera, o que lhe conferiria o status de um ciclone subtropical. Os diagramas de fase da Universidade da Flórida mostram o sistema adquirindo um centro quente em superfície, o que reforça a tendência de ser um fenômeno de natureza subtropical.

Assim, embora a tendência de ser intenso ciclone e apresentar uma trajetória retrógrada como a do Catarina de 2004, o sistema entre terça e quarta-feira não será um furacão que é sistema de natureza tropical com vento sustentado acima de 120 km/h.  Furacões, ademais, não se formam sobre águas mais frias e em meio a um período de frio mais intenso como vai se estar experimentando.

Uma vez que deve ser um ciclone subtropical, a tempestade deve receber um nome. Segundo Norma da Autoridade Marítima para Meteorologia Marítima (NORMAM-19), ciclones atípicos (subtropicais e tropicais) que se formam no mar territorial brasileiro são nomeados. Conforme a lista, o nome seria Yakecan ou “o som do céu” na língua tupi-garani. O último ciclone a ter sido nomeado na costa brasileira foi a tempestade subtropical Ubá, em dezembro de 2021.

Vento do ciclone

O ciclone incomum na costa gaúcha vai trazer muito vento. O pior período com rajadas fortes a intensas no Sul e no Leste gaúcho será entre a tarde e noite de terça e a manhã de quarta com vento mais intenso no Sul do Rio Grande do Sul terça e no Litoral Norte na quarta.

O Sul e o Leste do Rio Grande do Sul serão as regiões mais castigadas com vento, em média, de 80 km/h a 100 km/h, mas rajadas em alguns pontos que podem atingir de 100 km/h a 120 km/h, em especial no Litoral Sul e na área da Lagoa dos Patos e seu entorno. O Litoral Norte gaúcho também deve sofrer com vento forte a intenso. Porto Alegre deve ter 70 km/h a 90 km/h, mas em alguns pontos, sobretudo mais ao Sul da cidade, o vento será mais intenso.

Há alta probabilidade de danos e de alto impacto no serviço de energia com a esmagadora maioria dos pontos sem luz na área de concessão da CEEE Equatorial, onde, considerado a projeção de vento, elevado número de clientes deve ficar sem luz. Haverá queda de árvores, destelhamentos e colapsos de estruturas e se antecipa uma grande ressaca na costa com elevação da maré e ondas de até 5 metros ou mais nas praias.

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