O Bureau de Meteorologia da Austrália (BoM) declarou o fim da La Niña. A última atualização do BoM afirma que “o evento La Niña 2021-22 chegou ao fim, com a maioria dos indicadores atualmente em níveis neutros”. Isso encerra um episódio de La Niña de sete meses, conforme os critérios australianos.

O Bureau de Meteorologia declarou que a La Niña estava atuando em novembro do ano passado e o fenômeno trouxe chuva extrema e inundações recordes no Leste australiano durante o final do verão e o outono com várias cidades inundadas e que ficaram isoladas pelas águas, o que fez com que fosse declarada uma emergência climática.

Embora o Oceano Pacífico tenha retornado a um estado neutro com base nos critérios do Bureau of Meteorology, as temperaturas da superfície do mar em todo o Pacífico Equatorial ainda estão mais frias que a média, o que faz com que o BoM destaque, com base em projeções de modelos, que o fenômeno pode retornar na primavera.

Mas a La Niña realmente acabou? Depende do observador. Por critérios dos norte-americanos, o fenômeno prossegue. O Bureau de Meteorologia, da Austrália, e a Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, são os dois principais centros mundiais de previsão de tempo e clima que monitoram o Pacífico, mas possuem critérios diferentes para afirmar se há La Niña, neutralidade ou El Niño.

Os dois centros meteorológicos usam critérios diferentes de anomalia de temperatura do mar no Pacífico Equatorial Central para classificar os fenômenos. Os australianos consideram como faixa limite mínima para La Niña anomalia de -0,8ºC e El Niño +0,8ºC.

Já a NOAA tem como base para classificar La Niña ou El Niño anomalias de temperatura da superfície do mar, respectivamente, de -0,5ºC e +0,5ºC. Assim, se o Pacífico estiver com uma anomalia na parte central da faixa equatorial de -0,6ºC ou -0,7ºC, para os norte-americanos será La Niña e para os australianos neutralidade.

Quando o BoM declarou agora o final da La Niña de 2021/2022, a NOAA afirmava que o fenômeno seguia com anomalia de temperatura do mar de -0,6ºC no Pacífico Equatorial Central (região Niño 3.4) e de -1,4ºC no Pacífico Equatorial Leste (Região Niño 1+2), perto da América do Sul.

O que levou os australianos a declararem o fim da La Niña neste final de junho foi a diminuição das anomalias negativas de temperatura no Pacífico Equatorial Central. Isso se deveu à propagação de Oeste para Leste do que se denomina de uma Onda Kelvin com o aumento de uma faixa de águas mais quentes do que a média abaixo da superfície do mar e que começou a impactar a temperatura em superfície por ressurgência.

A NOAA trabalhava com a ideia de enfraquecimento da La Niña neste inverno e nos seus mais recentes boletins indicava tal tendência, mas sem mencionar um retorno ao estado de neutralidade. “Embora a La Niña deva continuar até o final do ano, as chances de La Niña diminuem no final do inverno do Hemisfério Sul com 52% de probabilidade em julho a setembro, mas aumentam ligeiramente na primavera e início do verão com 58 a 59% de probabilidade”, afirmou a NOAA em seu boletim.

É o cenário indicado pelo principal modelo climático da NOAA, o CFS. De acordo com o modelo, o resfriamento do Pacífico diminui agora no começo do inverno, mas depois volta a aumentar com um novo pico durante a primavera antes de enfraquecer significativamente ao longo do verão de 2023, quando poderia se iniciar uma fase de neutralidade.

De acordo com dados da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a La Niña no outono meridional deste ano foi a mais intensa desde 1950. Conforme a série histórica da agência, desde 1999 o trimestre de inverno não começava com o Pacífico Equatorial tão frio.

A La Niña foi responsável no último verão por uma estiagem que quebrou a safra agrícola nos três estados do Sul do Brasil e em parte do Mato Grosso do Sul com perdas de dezenas de bilhões de reais e uma queda acentuada do Produto Interno Bruto (PIB) agrícola. No outono, trouxe uma estação mais fria do que a média e contribuiu para a mais intensa onda de frio em maio no Brasil Central desde 1977 com geada até no Sul da região amazônica e em Brasília. No Nordeste, foi fator para as chuvas extremas no litoral da região.

Embora a La Niña esteja no imaginário associada com seca no Sul do Brasil, o fenômeno costuma reduzir muito a chuva entre a segunda metade da primavera e o começo do outono na região. No final do outono, no inverno e começo da primavera, mesmo com La Niña, segue chovendo no Sul do país e muitas vezes com excessos que podem levar a cheias de rios e enchentes em algumas áreas, como 2022 está demonstrando.