O mês de outubro termina com o fenômeno La Niña atuando no Oceano Pacífico Equatorial em sua forma clássica. O fenômeno foi declarado em andamento da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), a agência climática do governo dos Estados Unidos, em um comunicado na última semana.

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De acordo com mais recente boletim semana divulgado pelo Centro de Previsão do Clima da NOAA, a anomalia da temperatura da superfície do mar no Pacífico Equatorial Central, região chamada de Niño 3.4, atualmente está em -0,8ºC. O valor é o mesmo da semana passada e está na faixa de La Niña fraco que compreende as anomalias entre -0,5ºC e -0,9ºC.

O Pacífico Equatorial Leste, a denominada região Niño 1+2, apresenta no momento anomalia de temperatura da superfície do mar de -0,8ºC. Foi esta região que mais se resfriou durante a última semana, uma vez que na semana anterior esta parte do Pacífico registrava anomalia de -0,2ºC.

Este é o dado mais relevante deste final de outubro. O Pacífico Equatorial Leste, região mais volátil nas oscilações da temperatura da superfície do mar, apresentou maior resfriamento e está em condição de La Niña.

Esta região é importante porque tem influência relevante nos volumes de chuva mais ao Sul do Brasil. Quando está mais fria, aumenta a probabilidade de chover menos e de formais irregular, por exemplo, no Rio Grande do Sul.

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Com a área de águas frias mais frias do que a média não se limitando ao Pacífico Central e se estendendo pelo Pacífico Leste, as condições são de La Niña clássico ou canônico, e não do tipo Modoki em que o resfriamento se limita ao Pacífico Central.

O estabelecimento da La Niña em sua forma clássica com anomalias mais negativas no Pacífico Equatorial Leste, nas costas do Peru e do Equador, sugere que a atmosfera começará a responder nestes últimos dois meses do ano ao padrão que é comum sob a influência do fenômeno com redução da chuva mais ao Sul do Brasil e aumento das precipitações no Nordeste, inclusive no sertão.

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Abaixo da superfície do Pacífico Equatorial, em profundidades de até 300 metros, cresce uma área de águas mais frias do que a média com anomalias de até -6ºC enquanto aumenta também a piscina de águas subsuperficiais mais frias perto da América do Sul, portanto todas as condições estão postas para a manutenção da La Niña nos próximos meses e com tendência de intensificação.

Como deve evoluir a La Niña de 2021/2022

Segundo a NOAA, este evento de La Niña deve durar até o início do outono de 2022 no Hemisfério Sul. Para o trimestre do nosso verão climático, que se estende de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022, há 87% de chance de La Niña, de acordo com a análise probabilística da Universidade de Columbia, em Nova York.

A estimativa da MetSul é que este episódio de La Niña possa atingir intensidade moderada. Os valores de calor latente no oceano hoje são menores do que no pico de intensidade do evento da última ocorrência de La Niña, de 2020/2021, e existe uma grande quantidade de águas frias abaixo da superfície do Pacífico que vai emergir na superfície durante as próximas semanas, o que levará a uma intensificação do fenômeno.

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Modelos climáticos, em geral, sinalizam para um evento fraco a moderado em 2021/2022 e alguns poucos apontam a possibilidade que o novo evento de La Niña alcance forte intensidade. A maior probabilidade mesmo é que no seu pico fique ao redor de uma anomalia negativa de -1,5ºC, ou seja, no limite da intensidade moderada. De acordo com

O que é La Niña e seus efeitos

O fenômeno La Niña se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais da faixa equatorial do Oceano Pacífico com a alteração do regime de vento na região que impacta o padrão de circulação geral da atmosfera em escala global, inclusive no Brasil. Quando há um evento de La Niña há uma tendência de a Terra esfriar ou na fase atual de apresentar aquecimento menor que haveria estivesse sob El Niño.

No caso do Rio Grande do Sul, há estudos mostrando efeitos em produtividade agrícola pelas diferentes fases do Pacífico. Estes trabalhos levam em conta décadas de dados. Quando sob neutralidade a produtividade ficou acima da média em um terço dos anos, abaixo da média em outro terço e acima no terço restante. Sob El Niño, a tendência maior foi de aumento de produtividade e com La Niña verificou0-se uma probabilidade maior de perdas na produção.

Há uma propensão a se fazer uma correlação entre El Niño e mais chuva no Sul do Brasil e La Niña maior risco de estiagem, mas esta é uma fórmula distante de correta e existem muitas ressalvas a serem feitas do ponto de vista histórico.

Nenhum evento de La Niña é igual ao outro. Apesar de a grande maioria das estiagens no Sul do país ter ocorrido sob neutralidade ou La Niña, a maior seca do Rio Grande do Sul neste século, em 2005, se deu com o Pacífico Equatorial oficialmente numa condição de El Niño. Da mesma forma já houve muitos meses bastante chuvosos e até enchentes durante episódios de La Niña.

No caso do último verão, por exemplo, a MetSul enfatizava que o evento de La Niña poderia trazer estiagem, como ocorreu com perdas no milho no começo da estação e pode se repetir agora no final de 2021, mas a mesma previsão indicava que janeiro poderia ser mais chuvoso do que a média, o que beneficiaria o ciclo de soja. Até porque, sob La Niña, a média dos dados das últimas décadas mostra uma maior propensão para chuva acima da média do que abaixo da média durante o mês de janeiro em grande parte do Rio Grande do Sul.

Assim, La Niña nem sempre é certeza de estiagem no Sul do Brasil nem tampouco de chuva acima da média mais ao Norte e o Nordeste do Brasil. O que o fenômeno faz sim é aumentar a probabilidade de ocorrência destes cenários nas diferentes regiões do país. Por isso, se instalando um evento na primavera, aumenta muito o risco de estiagem no Sul do país no verão.

Por fim, da mesma forma que não se pode fazer associação linear entre La Niña e seca ou El Niño e enchentes, a intensidade do fenômeno também não é o melhor parâmetro. Os dados históricos revelam que já houve casos de estiagens mais graves em eventos de La Niña fraco que sob forte a intenso.

Isso se explica porque o Pacífico não é a única variável que influencia na chuva. Outras variáveis como a Oscilação de Madden-Julian (OMJ), a temperatura do Atlântico e a Oscilação Antártica podem atenuar ou aumentar os efeitos da La Niña.

Sul do Brasil e Argentina são as áreas de maior risco na agricultura

Confirmando-se agora um segundo verão seguido com La Niña, de acordo com a análise da MetSul, o maior risco por deficiência hídrica na próxima safra se dará no Sul do Brasil e na Argentina e desde já antecipamos um altíssimo risco de perda de produtividade e quebras, especialmente na Argentina.

A safra 2022 da Argentina, em especial, pode sofrer demais durante os próximos meses com falta de chuva e calor muito intenso com temperatura bastante acima da média, agravando ainda mais a perda de umidade do solo e gerando estresse nas plantas. Quebras muito expressivas podem ocorrer nas áreas produtoras de soja e milho do Centro e do Nordeste do país, na zona núcleo do Pampa úmido.

No Sul do Brasil, em particular no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, inicialmente a cultura de milho é que pode ser a mais atingida e, assim como ocorreu no final de 2020, ter perdas e quebras até significativas em diversas áreas.

A soja plantada cedo no Centro-Oeste do Brasil em princípio, não deve sofrer uma repetição do cenário verificado no ano passado, uma vez que neste ano não apenas a chuva chegou na hora assim como a primavera deve ser mais chuvosa na região que no ano passado em muitas áreas.

No Rio Grande do Sul, ao contrário, o período mais crítico para a soja se dá entre a segunda metade de janeiro e o começo de março, período de maior demanda hídrica e que pode ter irregularidade na chuva em 2022 com riscos.

A Metade Norte gaúcha pode enfrentar problemas nos próximos meses com precipitações deficientes, mas os dados de hoje indicam risco de chuva irregular e déficit hídrico maior nas Metades Oeste e Sul do Rio Grande do Sul, em cenário benéfico para o arroz e de risco para a soja nestas regiões. Recomenda-se ao produtor ficar atento aos boletins da Meteorologia e ter uma consultoria especializada em clima diante de uma safra de riscos em 2021/2022.