Virou rotina abrirmos os portais de notícias de Porto Alegre durante a manhã nesta época do ano para lermos informações sobre nevoeiro e o “fechamento” do Aeroporto Salgado Filho. Toda vez que a visibilidade fica reduzida no Norte da Capital, são dezenas de voos atrasados e cancelados. Nosso aeroporto possui equipamento para navegação realizada por instrumentos (ILS-1), mas que não é suficiente sob determinadas condições de teto e visibilidade horizontal.


Porto Alegre (foto de Fernando Mainar), possivelmente, seja uma das áreas mais propensas a nevoeiro no Brasil e as razões são de natureza geográfica. Além de estar no Sul do Brasil, onde a atuação do ar frio favorece uma maior ocorrência do fenômeno, a capital gaúcha está cercada por vários rios e tem ainda por cima ao lado um lago (Guaíba), sem mencionar a Lagoa dos Patos. A presença de rios ainda faz com que a região de Porto Alegre seja utilizada na plantação de arroz, o que faz com que muitas áreas ao redor da cidade sejam alagadiças. O que não falta, assim, é umidade em superfície.


Quando o ar é resfriado pela perda noturna de radiação, surgem as condições favoráveis para a formação de bancos de nevoeiro junto aos rios, especialmente em vales, tal como nevoeiro de vapor sobre os mananciais d’água. Essas ocorrências são comuns no outono, quando a água ainda está mais quente e o ar já está sendo resfriado. As noites ficam mais frias, a temperatura cai mais, e as águas quentes trocam umidade com a camada de ar frio que está logo acima da superfície. A frequência deste tipo de nevoeiro é, em especial, frequente com vales cortados por rios. A animação em time lapse abaixo, feita nos Estados Unidos, evidencia o processo até a dissipação.

As moléculas do manancial de água estão sempre evaporando, levando umidade para o ar. Quanto mais quentes as águas, maior a evaporação e maior a presença de umidade no ar. Se uma noite fria e de céu claro é registrada, aproximando-se a temperatura do ponto de orvalho, o nevoeiro começa a se formar e neste tipo de situação, em regra, é raso, o que pemite ver até o topo dos prédios mais altos. Assim, para fins de previsão é importante que se saiba a temperatura da água em áreas de mananciais e sujeitas a nevoeiro, sobretudo em uma região com milhões de pessoas como é o caso da Grande Porto Alegre que tem vários cursos d’água e com um crescente tráfego aéreo (fotos de Fernando Mainar e Adriano Braga do Centro de Porto Alegre neste outono).


Lamentavelmente, os dados de temperatura da água são escassos para não dizer quase inexistentes. Não há dados de temperatura das águas do Guaíba, problema que em breve será resolvido por solução a ser implementada pela MetSul para incrementar o monitoramento hidrológico da cidade. Tampouco existem medições da Lagoa dos Patos. Estudo publicado em 2009 por Daniel Zanotta e outros autores, a partir de sensoriamento remoto pelo satélite NOAA-AVHRR, contudo ofereceu números que ajudam a melhor entender a alta freqüência de formação de nevoeiro na área de Porto Alegre.

Conforme o estudo, com medições de satélite entre agosto de 2007 e julho de 2008, período esse que foi de La Niña, a variação espacial da temperatura do período diurno é maior do que no período noturno. Os técnicos apuraram que a média da variação diurna foi de 4,7°C e de 2,7°C durante a noite. Detalhe fundamental destacado pela pesquisa e que tem relevância para a análise da climatologia de nevoeiro na cidade de Porto Alegre é que, em geral, as áreas mais ao Norte da Lagoa dos Patos apresentam temperatura maior comparada com o Sul do corpo d’água. No período analisado, com exceção de poucos meses, a lagoa se mostrou consideravelmente mais quente se comparada com o oceano. As médias mensais de temperatura da superfície da lagoa variaram no período noturno de 9,9ºC em agosto a 24,8ºC em fevereiro. Já para o dia, a variação foi de 9,9ºC em agosto a 29,5ºC em dezembro.


Recentemente se tornou possível ter uma ideia, mesmo que mínima, ante os vários cursos d’água existentes na região, da temperatura da água. A MetSul é uma das participantes do projeto do consórcio da bacia do Rio dos Sinos, denominado Prósinos, que possui dados diário de temperatura da água do rio. Os números são muito interessantes. O período com maiores marcas neste ano se deu nos dias 19 de fevereiro (29,3ºC), 20 (29,5ºC) e 21 de fevereiro (29,9ºC). Em janeiro, o maior registro de temperatura da água do Sinos se deu no dia 9 com 29,0ºC. Março começou dia 1º com 26,8ºC, mas que alcançou 28,5ºC no dia 13, após duas semanas tórridas e secas, imediatamente antes do temporal do dia 14 em Porto Alegre.

No último dia 29 de março, quando a estação da MetSul Meteorologia no Parque Imperatriz (quase junto ao rio) registrou apenas 5ºC, a temperatura da água do rio medida naquele dia foi de 22,0ºC, incríveis 17ºC a mais que a temperatura ambiente no amanhecer. Em 25 de abril, quando a estação do parque acusou 4,9ºC, a temperatura da água do rio era de 20,8ºC. São essas grandes diferenças térmicas entre a água e o ar que explicam, dentre outros fatores, o porquê de tanto nevoeiro nesta época do ano na Grande Porto Alegre. Nesta terça-feira, o registro do rio era de 20,5ºC.

O acompanhamento diário das imagens de satélite mostra que entre as áreas do Estado com maior incidência de nevoeiro estão aquelas próximas da Lagoa dos Patos, a região dos vales, a Serra e o Alto e Médio Uruguai. É muito comum se observar nas imagens a formação de nevoeiro exatamente sobre os cursos dos rios Jacuí, Taquari, Sinos, Taquari, Caí, Gravataí, Antas e Uruguai. O registro abaixo, de arquivo de maio de 2011, mostra a ocorrência de nevoeiro na bacia do Jacuí e em pontos junto ao Rio Uruguai no Noroeste.


As incidências de nevoeiro neste outono poderiam ser até mais freqüentes e fortes não se estivesse experimentando estação de pouca chuva, afinal está provado que chuva recente e maior umidade do solo tendem a favorecer o fenômeno. Em região com grandes áreas alagadiças como a Grande Porto Alegre, a correlação da umidade no solo para o registro de nevoeiro se torna ainda mais relevante.