Furações tendem a ser mais frequentes e intensos com mais chuva em um planeta cada vez mais quente | NASA

O poderoso furacão Ida é mais uma evidência de como o nosso clima está mudando e aceleradamente. Em muitos eventos meteorológicos extremos, a pergunta sempre é: foi resultado das mudanças climáticas. Em se tratando de furacão, um fenômeno que já ocorria muito antes do homem lançar gases do efeito estufa na atmosfera, a pergunta deve ser outra: o quão as mudanças climáticas interferiram?

As evidências científicas são abundantes em demonstrar que furacões muito intensos e de rápida intensificação estão se tornando cada vez mais frequentes pelas condições dos oceanos e atmosferas mais quentes que influenciam diretamente o desenvolvimento e a evolução dos ciclones tropicais em seus ciclos de vida.

A intensificação explosiva do furacão Ida, por exemplo, deveu-se a três fatores principais com as mudanças climáticas afetando principalmente os dois primeiros – e mais decisivos – para a violência da tempestade: águas muito quentes no Golfo do México, abundante umidade na atmosfera e baixa divergência de vento.

Rápido aprofundamento de furacões

Às 11 da manhã de sábado, Ida tinha ventos sustentados de 136 km/h. Apenas 26 horas depois, quando tocou terra na Louisiana, os ventos eram 105 km/h mais altos: 241 km/h. Ida experimentou uma intensificação em 24 horas antes do landfall (tocar terra) de88,5 km/h, tornando a tempestade o quarto furacão de intensificação mais rápida registrada antes de tocar terra nos Estados Unidos.

Violenta queda da pressão atmosférica de Ida em 24 horas | Tomer Burg

Os registros históricos mostram que desde 1950, nove tempestades se intensificaram em pelo menos 40 mph (64 km/h) em 24 horas antes do tocar terra. Destas, quatro apenas nos últimos cinco anos. Recordista foi Humberto, de 2007, com 105 km/h. Na sequência, King (1950) com 96 km/h, Eloise (1975) com 96 km/h, Ida (2021) com 88 km/h, Danny (1997) com 80 km/h, Laura (2020) com 72 km/h, Michel (2018) com 72 km/h, Harvey (2017) com 64 km/h, e Cindy (2005) com 64 km/h. A qualificação mínima do National Hurricane Center (NHC) para intensificação rápida é um aumento de 56,3 km/h nos ventos em 24 horas.

Um estudo que examinou os furacões do Atlântico de 1986 a 2015 descobriu que a intensificação rápida aumentou 7 km/h por década. Os autores do estudo atribuem a maior parte do aumento a uma mudança para a fase mais quente da chamada Oscilação Multidecadal do Atlântico, um ciclo natural de décadas de aquecimento e resfriamento do Atlântico Norte.

Ocorre que os autores de outro artigo mais recente, de 2019, liderado por cientistas do Laboratório Geofísico de Dinâmica de Fluidos da NOAA sugerem que o aquecimento global também desempenha um papel.

Usando simulações de um dos modelos climáticos mais avançados disponíveis, chamado HiFLOR, a equipe de pesquisadores conclui que os recentes aumentos na intensificação rápida “estão fora da estimativa da HiFLOR da variabilidade climática interna esperada, o que sugere que a representação do modelo de oscilações climáticas como o AMO (Oscilação Multidecadal do Atlântico) não pode pode explicar o tendência observada”.

Planeta mais quente, oceanos mais quentes

A grande maioria do calor adicional que entra no sistema climático pela queima de combustíveis fósseis está sendo absorvida pelos oceanos e, como resultado, as águas estão esquentando. O mesmo ocorre com a temperatura do ar. A Física, especificamente a relação Clausius-Clapeyron, diz que para cada 1°C de aumento de temperatura, há um aumento de cerca de 7% na capacidade de retenção de água da atmosfera.

Águas estavam mais quentes que o normal por onde passou Ida no Golfo do México | NOAA

Uma avaliação científica recente descobriu que os oceanos do planeta aqueceram mais rápido durante os últimos 100 anos do que em qualquer momento nos últimos 11.000 anos. As duas tendências, de aquecimento do ar e dos oceanos, estão fazendo com que furacões e tempestades tropicais despejem mais chuva, em média, do que antes, e que haja uma proporção maior de furacões de categoria 3, 4 e 5 em algumas partes do mundo.

Rio voador alimentava Ida com abundante umidade | CIMSS

Vários estudos foram publicados sobre tais tendências e com revisão ​​por pares (peer-reviewed), incluindo o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) que incluiu algumas mudanças no papel das mudanças climáticas nos ciclones tropicais como uma área de maior confiança científica.

Então, um estudo de 2019 na revista Nature descobriu que havia uma tendência no Oceano Atlântico de intensificação mais rápida das tempestades entre 1982 e 2009, e modelos de computador mostraram que tal tendência não se verificaria sem a mudança climática induzida pelo homem.

Outro de 2020, publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences, descobriu que os ciclones tropicais são mais propensos a atingir categorias mais altas em grande parte do globo, incluindo o Atlântico.

Ainda, trabalho de 2017 no Bulletin of the American Meteorological Society avaliou que uma tempestade que se intensifica em 112 km/h nas 24 horas antes do tocar terra, que ocorre hoje cerca de uma vez a cada século, poderia ocorrer tão frequentemente quanto a cada cinco a dez anos no final deste século.

Os furacões no relatório do IPCC

O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU ainda não trouxe afirmações com alto nível de confiança sobre as tendências de longo prazo na frequência de todos os ciclones tropicais, mas é provável, aponta o documento, que a porcentagem dos intensos ciclones tropicais – aqueles que atingem as categorias 3 a 5 – aumentou nas últimas quatro décadas. Os cientistas estão confiantes em dizer que haverá tempestades mais frequentes nas categorias de intensidade mais alta de 4 e 5.

O Sudeste dos Estados Unidos, a América Central e as ilhas do Caribe foram castigados por temporadas de furacões muito ativas recentemente. Em 2020, foram 30 tempestades nomeadas, o máximo já registrado e quase três vezes o número normal, sob condições de oceano mais quentes que os cientistas dizem ter sido, pelo menos em parte, causadas pelas mudanças climáticas.

Os autores do IPCC reconheceram o Relatório Especial do IPCC de 2019 sobre o Oceano e a Criosfera em um Clima em Mudança que atribuiu “confiança média” à afirmação de uma contribuição humana para um aumento na atividade de furacões no Atlântico desde os anos 1970, porém “ainda não há consenso”.

Cinco ciclones tropicais ao mesmo tempo no Atlântico Norte na temporada recorde de 2020

O grande problema na análise de tendências é que a tecnologia para identificar e estudar ciclones nem sempre foi tão boa quanto hoje. Os cientistas provavelmente perderam de incluir na estatística alguns ciclones antes da década de 1970, quando os primeiros satélites meteorológicos começaram a monitorar a Terra.

O IPCC aponta que o ar mais quente retém mais umidade e as mudanças climáticas causadas pelo homem estão tornando os ciclones tropicais mais chuvosos. Os autores descobriram que geralmente as tempestades com precipitação extrema diária devem se intensificar em cerca de 7% para cada 1ºC de aquecimento global. Os autores também expressaram alta confiança nas projeções de que as velocidades máximas do vento nos ciclones tropicais mais intensos – categorias 4 e 5 – aumentarão com a intensificação do aquecimento global.

Aquecimento global não provoca furacão no Atlântico Norte. Eles ocorrem normalmente. O que o aquecimento faz é torná-los mais intensos. Furacões ganham energia do calor latente dos oceanos e os níveis atuais são recordes e pioram a cada ano. Calor latente ficou muito acima do normal durante 2020. | EPA

Os ciclones tropicais, ademais, estão atingindo sua intensidade máxima mais ao Norte do que antes, potencialmente expondo áreas que não têm experiência com ciclones tropicais ao risco de lidar com eles no futuro. Isso pode ocorrer mais para o Sul em nosso hemisfério. O relatório disse que isso é parcialmente explicado por mudanças na circulação atmosférica tropical em escala global.

Calor latente nos oceanos do planeta está em níveis recordes e favorece ciclones mais intensos | EPA

Com temperaturas mais altas da superfície do mar, a frequência das tempestades que se intensificam rapidamente aumentou. Os autores basearam essa conclusão em pesquisas que examinaram a atividade de ciclones tropicais em todo o mundo, ao mesmo tempo que citaram especificamente a temporada de furacões do Atlântico Norte de 2017, que incluiu três grandes furacões que passaram por um período de rápida intensificação.

Os cientistas, por fim, chamaram a atenção que globalmente houve uma desaceleração na velocidade de deslocamento dos ciclones tropicais em todas as áreas, exceto no Norte do Oceano Índico. Quando ciclones mais lentos atingem terra, eles podem despejar mais chuva e causar mais danos por vento.

Os autores do IPCC citaram pesquisas em 2019 que forneceram evidências de que a velocidade de deslocamento das tempestades do Atlântico diminuiu 17% de 1900 a 2017. A causa das velocidades mais lentas de avanço dos ciclones ainda não está clara, descobriram os autores, mas “é mais provável do que não” de estar relacionada de alguma forma às mudanças climáticas causadas pelo homem.