Foi apenas uma experiência. Mostrar como o clima seria na metade deste século no Reino Unido com base nas projeções dos modelos climáticos que apontam um continuado aquecimento do planeta. Foi então que o Met Office, o serviço meteorológico oficial britânico, produziu uma previsão do tempo ficcional para o ano de 2050 com uma grande onde de calor no Reino Unido em que a temperatura atingia 40ºC na Inglaterra, marca que até hoje jamais foi atingida.

Só que a previsão que os meteorologistas do Met Office anteviam para o ano de 2050, de como a temperatura estaria no futuro, pode se tornar realidade já em 2022, nesta segunda e na terça-feira. Os meteorologistas do Met Office emitiram pela primeira vez um alerta vermelho por calor excepcional e também pela primeira vez prognosticaram temperatura máxima de 40ºC ou mais na Inglaterra.

A incrível coincidência entre o prognóstico para 2050 e a previsão para este começo de semana foi observada por um cientista atmosférico da Universidade de Columbia, em Nova York. “Hoje, a previsão para terça-feira é surpreendentemente quase idêntica para grandes partes do país”, escreveu Simon Lee nas suas redes sociais. Numa publicação anterior, descreveu: “o que está chegando na terça-feira dá uma visão do futuro”.

Uma bolha de calor que foi responsável por ao menos mil mortes pelas altas temperaturas na Espanha e Portugal avança para Norte e vai estar sobre o Reino Unido neste começo de semana. Com isso, a temperatura vai estar até 15ºC a 20ºC acima do que é normal para esta época do ano na Inglaterra com marcas inéditas de 40ºC na região. O recorde oficial de calor no Reino Unido é de 38,7ºC, observado no Jardim Botânico de Cambridge, em 2019.

Os ingleses têm na memória o verão de 1976 que foi extremamente quente com muitos dias de temperatura elevada e bastante acima dos padrões históricos, mas todos os dados indicam que esta onda de calor será muito pior que qualquer dia de 1976. O meteorologista britânico Scott Duncan não poupou palavras ao comparar 1976 com 2022.

“Não vimos nada parecido. Não podemos comparar esta emergência de calor iminente com o verão de 1976. Um mundo mais quente, graças às mudanças climáticas induzidas pelo homem, torna fácil superar os limites de calor extremo. Continuamos a ver isso em todo o planeta e não apenas na Europa”, escreveu numa comparação da temperatura global de 1976 com 2022.

As temperaturas previstas para terça no Reino Unido são 4ºC mais altas que em qualquer dia das décadas de 70 e 80, logo muito mais altas que as máximas de 1976. O ano de 1976 está nas estatísticas como o do segundo verão mais quente já registrado na Inglaterra, mas a maior marca daquele verão foi de 35,9°C. Agora, a previsão é de 40ºC. Os mapas a seguir, elaborados pelo Dan Holley, mostram a diferença na extensão e intensidade do calor de 1976 e a temperatura mais alta registrada nos últimos 60 anos com a prevista agora para o início da próxima semana.

Nove dos dez dias mais quentes da história do Reino Unido ocorreram desde 1990. O ranking tem 38,7ºC (28/7/2019); 38,5ºC (10/8/2003); 37,8ºC (31/7/2020); 37,1ºC (3/8/1990); 36,7ºC (1/7/2015); 36,7ºC (9/8/2011); 36.6ºC (2/8/1990); 36,5ºC (19/7/2006); 36,4 ºC (7/8/2020); e 36,4ºC (6/8/2003).

Um estudo climático publicado na revista Nature em 2020, intitulado “A probabilidade crescente de temperaturas acima de 30 a 40 ° C no Reino Unido, destacou que “à medida que as ondas de calor na Europa se tornam mais severas, os verões no Reino Unido (Reino Unido) também estão ficando mais quentes”. O trabalho mostra “como a influência humana está aumentando a probabilidade de exceder 30ºC, 35ºC e 40°C localmente”.

Os pesquisadores descobriram que temperaturas acima de 35°C estão se tornando cada vez mais comuns no Sudeste do Reino Unido e que no ano de 2100 muitas áreas no Norte provavelmente excederão 30°C pelo menos uma vez por década. “Os verões com dias acima de 40°C em algum lugar do Reino Unido têm um tempo de retorno de 100 a 300 anos no momento, mas, sem mitigar as emissões de gases de efeito estufa, isso pode diminuir para 3,5 anos até 2100”, concluíram.

A bolha de calor que atinge a Europa Ocidental pode matar milhares de pessoas, alertaram os meteorologistas e médicos no Reino Unido. As autoridades de saúde temem que as pessoas que moram sozinhas nos andares superiores dos prédios estejam entre as que podem morrer, como aconteceu em Paris em 2003. No ano passado, dois episódios de calor menor causaram cerca de 1.600 mortes a mais, segundo dados oficiais.

O alerta de calor de nível 4 anunciado para segunda e terça-feira pela Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA) significa que “doença e morte podem ocorrer entre os aptos e saudáveis, e não apenas em grupos de alto risco”. O Met Office descreveu a previsão de calor que vem da França e da Espanha como “absolutamente sem precedentes” e instou as pessoas a tratá-lo como um alerta de tempestade e considerar a mudança de planos.

As operações estão sendo canceladas em partes do NHS (o SUS do Reino Unido), algumas escolas estão fechando mais cedo ou fechando completamente e a Network Rail aconselhou as pessoas a não usar trens que serão desacelerados em meio a temores de trilhos dobrados pelo calor extremo. Temperaturas noturnas recordes de mais de 25°C em Londres e partes do Noroeste também estão previstas, colocando maior pressão sobre os corpos das pessoas por mais tempo, um fator chave no aumento da mortalidade.

“Podemos ver de 1.500 a 2.000 mortes apenas nesse período de calor”, disse Bob Ward, diretor de políticas do Instituto de Pesquisa Grantham sobre Mudanças Climáticas e Meio Ambiente ao jornal The Guardian. Os alerta levaram o Reino Unido a declarar uma emergência nacional por calor extremo. O comitê de emergência Cobra do governo britânico se reuniu na quinta-feira para discutir a onda de calor.

“Há uma série de planos de contingência em vigor”, disse um porta-voz do governo em Downing Street. Isso incluiu restrições de velocidade nos serviços ferroviários, medidas para garantir a segurança das pessoas que podem ter que fazer filas em carros nas estradas ou nos portos, e mais funcionários de hospitais de emergência de plantão.

O professor Kevin McConway, professor emérito de estatística aplicada da Open University, também falando ao jornal inglês afirmou que “devido a tantos avisos sobre as altas temperaturas que se aproximam, pessoas e empresas estejam tomando mais precauções do que normalmente acontecem em uma onda de calor”. Segundo ele, isso “pode diminuir o número de mortes em excesso. Espero que isso aconteça, mas temo que ainda haja excesso de morte em grande escala”, ponderou.