O Oceano Pacífico segue oficialmente em condições de neutralidade (ausência de El Niño e La Niña), mas, como a MetSul Meteorologia já destacou, são evidentes os sinais de que um evento de El Niño começa a se formar no Pacífico. Os mais recentes dados atmosféricos reforçam ainda mais esta percepção.
Conforme o último boletim semanal da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, divulgado ontem, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de 0,5ºC pela segunda semana seguida na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada oficialmente para definir se há um El Niño na forma clássica e de impacto global.
O valor está exatamente no limite da neutralidade (-0,4ºC a +0,4ºC) com El Niño fraco (+0,5ºC a +0,9ºC), ou seja, pela primeira vez em anos a região de referência para se aferir a condição do Pacífico está em território de El Niño por duas semanas seguidas.
A anomalia semanal da temperatura da superfície do mar na região Niño 3.4 (5°S-5°N, 170-120°W) de +0,5°C foi a mais alta nesta região em pouco mais de três anos (desde a semana centrada em 22 de abril de 2020).
Mas se as águas superficiais já estão há duas semanas com anomalias de El Niño, por que ainda não se diz que o El Niño começou? Porque El Niño é fenômeno oceânico-atmosférico e são vários os requisitos para se configurar o fenômeno.
De início, anomalias positivas de ao menos 0,5ºC no Pacífico Equatorial Centro-Leste são necessárias para a caracterização de um El Niño, contudo por si só não são suficientes. São necessárias várias semanas consecutivas com aquecimento de no mínimo 0,5ºC nesta parte do Pacífico para que se declare um El Niño.
Mas não apenas isso. Como o El Niño é um fenômeno oceânico-atmosférico é preciso ainda que a atmosfera na região passe a se comportar como em El Niño. Até recentemente, não havia qualquer sinal de que a atmosfera estava migrando para uma fase do fenômeno.
Mas só até recentemente. Porque a atmosfera parece estar entrando em fase de El Niño. Um dos indicadores para se enxergar é o chamado Índice de Oscilação Sul (ou SOI em Inglês). O indicador esteve perto da média com -1,8 em março e -1,2 em abril, logo nem perto de estar em sinal de El Niño. Nos últimos dias, entretanto, os valores já ingressam em patamar de fase quente do Pacífico.
A SOI está despencando neste mês de maio. Com um ciclone tropical (Mawar) no Pacífico, o valor diário do índice nesta terça-feira (23) foi de -62. A SOI média dos últimos 30 dias que há um mês, em 24 de abril, de -2,9 caiu hoje para -9,9. Já a média de 90 dias que há um mês era de 2,6 caiu para -4.
Com a atmosfera começando a apresentar sinais de El Niño e as anomalias de temperatura do mar já em patamar do fenômeno e com tendência de aquecimento ainda maior, a MetSul segue acreditando que um evento de El Niño pode ser declarado tão cedo como na segunda metade de junho ou na primeira quinzena de julho.
O que é a SOI?
O Índice de Oscilação Sul (SOI) é uma medida da intensidade ou força da Circulação de Walker. É um dos principais índices atmosféricos para medir a força dos eventos El Niño e La Niña e seus impactos potenciais.
A SOI mede a diferença na pressão atmosférica em superfície entre o Taiti e Darwin (Austrália), o que faz com que o monitoramento desta variável seja feito primordialmente pela Meteorologia australiana.
O indicador, assim, é uma medida das flutuações em larga escala na pressão do ar que ocorrem entre o Oeste e o Leste do Pacífico tropical, ou seja, o estado da Oscilação Sul durante os episódios de El Niño e La Niña.
O índice é melhor representado por médias mensais (ou mais longas), pois os valores diários ou semanais de SOI podem flutuar acentuadamente devido a padrões climáticos diários de curta duração, principalmente se um ciclone tropical estiver presente.
Em geral, as séries temporais suavizadas do SOI (de 30 a 90 dias) correspondem muito bem às mudanças nas temperaturas oceânicas no Pacífico tropical oriental. Quanto mais positivo o sinal da variável, maior é o sinal de La Niña. Quanto mais negativo for, maior o sinal de El Niño. Valores da SOI positivos sustentados acima de +8 indicam um evento La Niña enquanto valores negativos sustentados abaixo de -8 indicam um El Niño.
A MetSul, em anos anteriores de El Niño, observou uma correlação de cerca de três meses entre o comportamento da SOI e as precipitações no Sul do Brasil. Assim, um tombo agora em maio do indicador pode sugerir um acentuado aumento da chuva com extremos entre agosto e setembro.
El Niño pode ser forte
A média de uma dezena de modelos de clima dinâmicos processada pela Universidade de Colúmbia de Nova York indica o pico de intensidade do evento de El Niño para o trimestre de outubro a dezembro deste ano com anomalia média de +1,54ºC, ou seja, no patamar de um El Niño de moderado a forte.
Ocorre que alguns modelos, sendo que vários entre os principais usados internacionalmente e gerados por grandes centros meteorológicos mundiais, indica um aquecimento para o segundo semestre deste ano em patamar de El Niño muito forte a intenso, mesmo em patamar do que se convencionou chamar de Super El Niño.
Vários destes modelos indicam para o segundo semestre anomalias na região do Pacífico Centro-Leste (Niño 3.4) acima de 2ºC, ou seja, El Niño muito forte. Mais do que isso, há modelos sinalizando anomalias entre 2,5ºC e 3,0ºC, o que é um Super El Niño. Chama muito a atenção a projeção do modelo australiano, historicamente mais conservador e sem viés de exagerar, que indica 2,7ºC.
Não existe uma definição técnica de Super El Niño. A regra é considerar um El Niño fraco se as anomalias estão entre +0,5ºC e +0,9ºC no Pacífico Equatorial Centro-Leste, moderado entre +1ºC e +1,4ºC, forte de +1,5º a +2,0ºC e muito forte acima de +2ºC. Muitos meteorologistas no mundo inteiro, porém, adotaram a expressão Super El Niño para anomalias ao redor ou acima de +2,5ºC.
Efeitos do fenômeno
O fenômeno El Niño deve provocar um significativo aumento da chuva no Sul do Brasil. Após três anos de La Niña com sucessivas estiagens, o El Niño deve trazer uma sequência de meses de chuva acima a muito acima da média no Sul do país, em particular no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Podem ocorrer eventos extremos de precipitação com inundações, enchentes e deslizamentos de terra. Algumas enchentes podem ser de maiores proporções.
No Norte e no Nordeste do Brasil, ao contrário, o El Niño traz uma redução significativa da chuva e favorece secas no território nordestino. Modelos indicam uma marcada redução da chuva no Norte do país nos próximos meses. Trata-se de um cenário especialmente preocupante para a região amazônica.
Muitas previsões indicam que os efeitos do El Niño somente se sentirão a partir da primavera, mas as consequências do forte aquecimento do Pacífico devem se sentir já no inverno, quando se espera os índices de precipitação aumentem no decorrer da estação no Sul do Brasil. O período mais crítico, conforme a climatologia histórica e as projeções dos modelos, é que seria na primavera com muita chuva e temporais frequentes. Desenha-se, assim, um segundo semestre extremamente chuvoso em áreas do Sul.