O verão 2021/2022 começa nesta quarta-feira (21) no Hemisfério Sul às 18h48 (hora de Brasília). A estação tem início com o Pacífico Equatorial Central ainda sob a influência do fenômeno La Niña, caracterizado pelo resfriamento das águas do Oceano Pacífico Equatorial e que tanto impacto trouxe no clima nos últimos meses.

É o terceiro verão seguido que começa com La Niña, mas que já atingiu seu pico de intensidade em outubro. A tendência não é de a La Niña persistir o verão inteiro, como ocorreu nos últimos dois verões, e o episódio do fenômeno deve chegar ao fim no decorrer da estação com o Pacífico entrando em estado de neutralidade (sem La Niña ou El Niño).

NOAA

Isso, contudo, não significará que seu efeito no clima cesse de imediato. Se parte da segunda metade do verão transcorrer com neutralidade, o que é uma possibilidade, não deve se esperar que o clima se comporte dentro da média histórica.


Muitas vezes neutralidade no sinal das águas do Pacífico é confundida com normalidade, mas são situações distintas. Neutralidade não é normalidade. Quando o Pacífico Equatorial está neutro, podem ocorrer extremos comuns aos sinais tanto de El Niño como de La Niña. E saindo de um evento de três anos de resfriamento, a tendência nos momentos iniciais da fase neutra é de um padrão ainda mais perto de La Niña.

O clima é complexo e dependendo da área do Pacífico que aquece ou se resfria os efeitos no Sul do Brasil vão variar. Nas últimas três semanas, águas mais quentes começaram a emergir nas costas do Peru e do Equador. Se houver um aquecimento mais pronunciado da chamada região Niño 1+2, no Pacífico Leste, o impacto da La Niña que persiste no Pacífico Central acaba atenuado e chove mais no Sul do Brasil.

NOAA/NASA/MARIO RAMIREZ

No verão de 2017, o Pacífico Central estava mais frio do que a média e o grande temor entre os produtores do Sul do Brasil era de um verão de estiagem, mas na virada do ano se iniciou na costa peruana um grande evento de El Niño costeiro que resultou em um verão mais chuvoso no Sul do Brasil com uma grande safra.


Assim, o recente ingresso de águas mais quentes junto ao litoral peruano deverá ter atento monitoramento ante a possibilidade de que uma inversão de sinal mais cedo no Pacífico Leste possa influenciar positivamente a chuva mais ao Sul do Brasil.

O que esperar da chuva e o risco de estiagem no verão

O verão de 2023 vai apresentar a comum irregularidade da chuva da estação no Rio Grande do Sul com significativa variabilidade nos totais de chuva de uma área para outra. Neste verão, a estação começa com chuva ainda mais irregular do que o normal com valores abaixo das médias históricas e déficit de precipitação em muitas áreas.

Em algumas regiões gaúchas, no decorrer da nova estação, a estiagem pode atingir níveis de moderada a forte. Com isso, partes do estado devem voltar a enfrentar problemas de falta de chuva mais volumosa com perda de produtividade nas safras de verão, diminuição dos níveis dos rios, risco de escassez de água para consumos humano e animal e mais decretos de emergência por seca, além de risco acentuado de incêndios em vegetação (queimadas).

Projeção de anomalia de chuva do multi-modelo NMME da NOAA para o trimestre de janeiro a março. A projeção da ferramente não necessariamente representa o prognóstico da MetSul e é meramente ilustrativa dos dados analisados. | METSUL

É fundamental destacar que não se espera para o verão de 2023 estiagem tão forte como a que assolou o Sul do Brasil e o Mato Grosso do Sul não estação em 2022. Haverá pontos do Sul do país com perda de produtividade por deficiência hídrica, especialmente na cultura de milho que já vive os efeitos da chuva irregular da segunda metade da primavera, mas para 2023 o cenário é distinto de 2022 e não há indicativos de uma seca de proporções mais severas.


A despeito do quadro de chuva irregular, devem ser esperados episódios pontuais de chuva volumosa a excessiva, de curta duração, e com características ou localizadas ou regionalizadas. Em regra, acompanham temporais passageiros de verão em dias quentes e mais úmidos, mas também podem ocorrer por ciclones ou, no caso do Litoral Norte, por fluxo de ar úmido do oceano.

Do ponto de vista da climatologia histórica, as regiões Norte, Leste e Nordeste do Rio Grande do Sul têm uma maior propensão a estes episódios de chuva volumosa, sobretudo o Litoral Norte que sofre maior influência das correntes de umidade que atuam nesta época do ano no Sudeste do Brasil e nos litorais de Santa Catarina e do Paraná.

No caso do verão de 2023, a Metade Norte do Rio Grande do Sul e áreas mais próximas da costa devem ter mais chuva, apesar de irregular, que o Sul, o Centro, a Campanha e o Oeste que terão um risco de estiagem maior. Portanto, nas praias, o Litoral Norte terá mais chuva que os balneários do Litoral Sul. Com padrão mais chuvoso no Leste catarinense e paranaense, o Litoral Norte gaúcho deve ter, inclusive, risco de períodos de excesso de chuva.

A Metade Norte, que concentra a maior parte da produção agrícola gaúcha, mesmo com previsão de mais chuva que a Metade Sul, ainda assim terá períodos secos com déficit hídrico, sobretudo no começo da estação e no seu final.

A despeito de a La Niña trazer chuva mais irregular e aumentar o risco de estiagem, a climatologia histórica mostra que em anos de La Niña em parte do Rio Grande do Sul ao menos um mês do verão costuma ser mais chuvoso quando o fenômeno está presente. Às vezes é fevereiro, mas, em regra, é janeiro.

Temporais na estação

O verão é a época em que tradicionalmente ocorrem pancadas localizadas e passageiras de chuva que se dão, em regra, da tarde para a noite em dias de calor e umidade alta. Não raro chegam são acompanhadas de temporais, alguns fortes de vento e granizo, e podem despejar volumes altos de chuva em curto período com transtornos nas cidades por alagamentos.

Casos mais extremos, sobretudo em dias de calor muito intenso com marcas entre 35ºC e 40ºC, trazem até tempestades severas com estragos por granizo, chuva excepcionalmente volumosa em curto período, vendavais, tornados e correntes descentes violentas de vento (downburst), como se viu em Porto Alegre em 29 de janeiro de 2016.

Como este verão não deve ser tão seco como o último, com maior número de dias de mais alta umidade, a perspectiva é que ocorram mais temporais de verão que em 2022, especialmente do Centro para o Norte gaúcho.

Verão quente, mas não como o último

MetSul projeta estação com temperatura acima da média histórica na grande maioria ou totalidade das cidades gaúchas com algumas jornadas de calor muito intenso em que as máximas devem ficar próximas ou até superarem os 40ºC em partes do estado.

Como se antecipa um verão com alguns períodos secos e alguns até longos, e uma vez que longos intervalos secos tendem a favorecer extremos de calor, é alta a probabilidade que se registrem ondas de calor neste verão, não se descartando uma intensa.

Projeção de anomalia de temperatura do multi-modelo NMME da NOAA para o trimestre de janeiro a março. A projeção da ferramente não necessariamente representa o prognóstico da MetSul e é meramente ilustrativa dos dados analisados. | METSUL

Eventos de calor extremo e mesmo incomuns pela grande intensidade das ondas de calor devem ser registrados no Centro e no Nordeste da Argentina, onde a estiagem pode ser forte a severa. Como consequência, o Oeste, Centro e Sul gaúcho devem experimentar eventos ou maior número de dias de calor muito intenso e com extremos de temperatura.

Apesar deste cenário, a MetSul Meteorologia enfatiza que neste verão de 2023 é improvável que se registre onda de calor com a severidade e a duração da registrada no último mês de janeiro, quando o Rio Grande do Sul anotou 15 dias seguidos com máximas acima de 40ºC e máximas de quase 45ºC em estações particulares.

Tratou-se de um evento muito fora da curva climatológica, no que possivelmente foi uma das três mais intensas onda de calor da história gaúcha, sendo improvável estaticamente que se repita com igual ou maior intensidade no ano seguinte.

Mesmo sendo verão é provável que ocorram na estação dias de temperatura amena com maior influência de rápidas passagens de ar frio de trajetória marítima afetando mais o Sul e o Leste do Estado, especialmente em março.

O vento no verão

A La Niña também interfere no vento no Rio Grande do Sul. Os pulsos de ar frio de trajetória marítima atuarão em alguns momentos sobre o Atlântico Sul perto da costa gaúcha e o vento “Nordestão” nas praias se fará presente em nosso litoral, para o incômodo dos veranistas.

Por outro lado, como neste verão espera-se temperatura mais alta do mar na nossa costa com ingresso da Corrente do Brasil favorecido pelo quadro de precipitação deficiente a partir de frentes frias que chegam fracas ou mesmo desviam do Estado, os veranistas tendem a enfrentar menos dias com Nordestão e vão desfrutar mais dias com mar claro e quente.

Neste verão, especialmente na segunda metade da estação, e no começo do outono, devido à menor divergência de vento na atmosfera resultante do tempo mais seco e menor frequência de frentes frias com a estiagem, há um risco muito aumentado de formação de ciclones atípicos na costa do Rio Grande do Sul e do Sul do Brasil, seja de natureza subtropical ou mesmo tropical, raros na nossa climatologia. (Com foto de capa de SILVIO ÁVILA/AFP/METSUL METEOROLOGIA)