Há uma semana, o vulcão Cumbre Vieja entrou em erupção em La Palma, nas Ilhas Canárias, voltando a emitir lava pela primeira vez desde 1971. O vulcão por muitos anos alimentou teorias e foi objeto de estudos sobre a possibilidade de uma erupção desencadear um tsunami no Oceano Atlântico na hipótese de um evento catastrófico na ilha, o que gerou documentários de televisão e fez do vulcão temida.
É quase um consenso, entretanto, que um tsunami destrutivo na costa brasileira em razão de uma grande erupção do Cumbre Vieja é uma possibilidade extremamente remota. Isso não significa que o litoral do Brasil está livre de ser alcançado por ondas de tsunami e a história mostra que já aconteceu algumas vezes, sendo que o episódio mais recente se verificou em 2004 a ponto de provocar o choque de embarcações no Rio de Janeiro.
O cenário que mais preocupa os pesquisadores é a repetição do episódio de 1755, quando a costa brasileira, à época pouco povoada, foi atingida por um grande tsunami. Se o evento de 1755 se repetisse nos dias atuais, com o superpovoamento de muitas áreas da orla do país, as consequências seriam muito graves em perdas de vidas humanas e danos materiais.
Tsunami de 1755 no Brasil
Pesquisa recente, de 20200, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), analisou o tsunami que atingiu o Brasil em 1755. As ondas enormes que alcançaram nossas praias ocorreram após um violento terremoto que destruiu Lisboa, em Portugal. O abalo teve uma magnitude de 8,7 com devastação em Portugal, parte da Espanha e Marrocos. O tsunami gerado alcançou áreas como o Reino Unido e o Caribe. As estimativas de vítimas, pela escassez de informação da época, variam de 20 mil a 100 mil mortos.
De acordo com especial produzido pela BBC Brasil, a onda gigante que se formou com o terremoto em Lisboa atravessou o Atlântico e causou estragos na costa brasileira, segundo um estudo do professor Francisco Dourado, do Centro de Pesquisas e Estudos sobre Desastres (Cepedes). “No início da tarde de 1º de novembro de 1755, um tsunami atingiu o litoral do Nordeste. Ele penetrou terra adentro, destruiu habitações modestas e desapareceu com duas pessoas. Isso é desconhecido da maioria dos brasileiros”, disse Veloso à rede britânica.
Há ao menos quatro relatos em cartas da época falando sobre o maremoto no Brasil. Elas foram escritas pelo arcebispo da Bahia, pelos governadores de Pernambuco e da Parayba e por um militar e estão no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. “As águas transcenderam os seus limites e fizeram fugir os habitantes das praias”, diz uma carta de 10 de maio de 1756, relatando o episódio acontecido em 1 de novembro do ano anterior em praias da Paraíba. Outra carta relatada por Veloso, de 4 de março de 1756, diz: “Em Lucena e Tamandaré, a enchente do terremoto entrou pela terra adentro coisa de uma légua (4 a 5 km) terra adentro e levou algumas casas de palhoça e falta um rapaz e uma mulher.”
De acordo com o estudo da Uerj, na região da praia de Lucena, na Paraíba, as ondas atingiram até 1,8 metro de altura. Já na região pernambucana de Tamandaré, as ondas alcançaram quase dois metros. As ondas inundaram até quatro quilômetros terra adentro, principalmente em locais banhados por rios e nas proximidades da Ilha de Itamaracá (PE). Em Tamandaré, a inundação foi de até 800 metros, e em Lucena, 300 metros.
Tsunami de 2004 no litoral do Brasil
Mas não é preciso remontar ao século 18 para enxergar os efeitos de um tsunami na costa do Brasil. Em 2004, numa época já de internet e amplos fluxo de informações e coletas de dados, ondas de tsunami que viajaram do Sudeste asiático até a América do Sul por três oceanos chegaram às praias brasileiras.
Em 26 de dezembro de 2005, um catastrófico e raro terremoto de magnitude 9,1 atingiu a região de Sumatra, na Indonésia. O resultado foi um tsunami que atingiu praticamente todas as costas litorâneas do planeta, em todos os continentes, inclusive na América do Sul. A altura das ondas e da elevação do mar em cada ponto da Terra dependeu da distancia do sismo e da morfologia das áreas costeiras. O tsunami provocou quase 300 mil mortos na Ásia e na África ao se propagar com violência pelos oceanos Pacífico e Índico.
No Brasil, o tsunami de dezembro de 2004 não produziu vítimas ou danos materiais, contudo foi documentada visualmente a chegada das ondas de longo comprimento no Clube Naval Charitas em Niterói (RJ) que apresentou uma variação de 160 cm em 17 minutos, de acordo com dados da Marinhe e relatados em trabalho de Carlos França e Afrânio de Mesquita, do Departamento de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP). Além do registro fotográfico houve a constatação do tsunami de 2004 no marégrafo da Marinha do Brasil, em Arraial do Cabo (RJ), de 91 cm em 13 minutos.
Outros registros de estações costeiras, uma localizada no interior do estuário de Cananéia (SP) e outra no interior da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, apresentaram oscilações atingindo 20 cm de altura. Uma medição de estação exposta ao oceano aberto, em Ubatuba (SP) apresentou oscilações com até 1,2 metro de altura. Tais oscilações com período aproximado de 45 minutos tiveram início entre 20 e 22 horas após o terremoto no Oceano Índico e foram observadas durante dois dias.
Os especialistas da USP rodaram um modelo matemático da propagação de ondas de tsunami sob três cenários. Na simulação para o litoral brasileiro, o valor máximo de amplitude de onda foi observado no litoral do estado do Rio de Janeiro, na região entre as baías da Guanabara e de Ilha Grande. Explica-se o resultado pelo fato desta região ser o trecho da costa brasileira mais orientado na direção Leste-Oeste. Na simulação para a região de Arraial do Cabo (RJ), a amplitude máxima registrada foi de dois metros no trecho oceânico. No ponto do marégrafo onde foi medido o evento (90 cm) foi registrada na simulação uma amplitude máxima de 111 cm.
Já uma simulação computacional feita pela Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) mostrou que os efeitos do tsunami que arrasou o Sudeste Asiático no fim de dezembro atingiram o Brasil com ondas de até 1,15 metro. Segundo Paulo César Rosnan, do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe, os efeitos puderam ser percebidos em vários pontos da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, 20 horas após sua ocorrência. “O fenômeno, que seria invisível em mar aberto no Brasil, se tornou notável em alguns locais da baía, onde há estreitamentos que amplificaram a força”, disse.
Rosnan explicou que a Marinha registrou alterações de até 30 cm na maré no medidor da Ilha Fiscal e avisos de onda alta em lugares como o Iate Clube de Niterói (RJ). De acordo com a reprodução feita pela Coppe, houve um aumento de 40 cm nas ondas na entrada da Baía de Guanabara. Na enseada de Botafogo e de São Francisco (Niterói), as alturas do tsunami chegaram a 1,15 metro e 1 metro, respectivamente, mas nunca ao mesmo tempo. Enquanto o nível estava alto em um ponto, abaixava em outro e vice-versa. Os efeitos foram se abrandando para o Norte e se tornaram praticamente inexistentes próximo à Ilha de Paquetá e ao rio Iguaçu.
Alerta para o futuro
Se aconteceu no passado, tudo indica que pode ocorrer no futuro. E estamos preparados? A resposta é não. Mesmo sendo um tipo de evento raro, o litoral brasileiro não conta com nenhum sistema de alerta à população como sirenes, assim como ocorre em regiões de alta atividade sísmica. O professor Francisco de Assis Dourado, do Centro de Pesquisas e Estudos sobre Desastres da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), destaca que “La Palma pode ser um motivo interessante para chamar a atenção para o real risco que a gente tem no nosso litoral”, pondera
“Por exemplo, se o terremoto de 1755 em Portugal acontecesse novamente, nas mesmas proporções que ocorreram na época, aí a gente teria de se preocupar porque estaríamos falando de uma onda que chegaria pelas simulações que a gente fez, bem embasadas cientificamente em Fernando de Noronha com 2 metros de altura, e aqui na costa do Nordeste em alguns pontos em 1,7 metro ou 1,8 metro de altura”, alertou.