A então princesa Elizabeth junto aos seus pais e o primeiro-ministro Wiston Churchill na sacada do Palácio de Buckintgan saúdam multifão no dia da vitória da Segunda Guerra Mundial | BUCKINGAN PALACE

A rainha Elizabeth II, hoje falecidade aos 96 anos, era ainda muito jovem quando a Europa enfrentou a Segunda Guerra Mundial e seu pai liderava o império britânico. Foi quando o serviço meteorológico britânico e da realiza, o Met Office, elaborou a previsão do tempo que muitas décadas depois é considerada a mais importante da história e de enormes consequências para os destinos da humanidade.

O 6 de junho de 1944, o chamado Dia D ou D-Day, dia da invasão aliada da Normandia na Segunda Guerra Mundial e que foi decisivo para derrotar Hitler e a Alemanha nazista, mudou os destinos da grande guerra na frente europeia. O destino da maior força naval militar jamais vista no mundo foi salvo por um boletim meteorológico. Foi a previsão do tempo mais importante da história, para muitos insuperável, e que ajudou a libertar a Europa e a abreviar a odiosa catástrofe que se abateu sobre a humanidade.

Madrugada de 4 de junho de 1944. Portsmouth, Inglaterra. O sol está prestes a nascer e adivinha-se um dia de céu limpo e de bom tempo, mas a contrastar com o tempo estão os semblantes dos responsáveis máximos do exército aliado reunidos na Southwick House.

São 04h15 da manhã. Anos de preparação foram investidos na invasão da Normandia, mas, agora, apenas algumas horas antes do início das operações do Dia D, surge o Capitão James Stagg a sugerir um adiamento de última hora.

Como oficial comandante do serviço de Meteorologia da Operação Overlord, o britânico Stagg não era comandante de campo de batalha, mas o destino final da invasão dependia exclusivamente daquilo que decidisse. A sua previsão do tempo.

Os dias possíveis para a invasão da costa de França se desenrolar com sucesso eram poucos. Muito poucos. E tinham de reunir várias condições: maré baixa, para expor as defesas subaquáticas colocadas pelos alemães nas praias da Normandia, e também lua cheia a iluminar obstáculos e locais de desembarque para os planadores que iriam levar as forças aero-transportadas para trás das linhas inimigas nazistas.

Eisenhower, comandante supremo das forças aliadas tinha escolhido o dia 5 de junho como data para a invasão. Era o primeiro de três dias em que todas as condições estariam reunidas para que o desembarque se fizesse com sucesso, porque para além da lua cheia e da maré baixa pedia-se ainda que não existisse vento forte e mar agitado que poderia virar embarcações de desembarque e sabotar o assalto anfíbio; tempo úmido que podia atolar o exército e espessa camada de nuvens que poderia impedir o apoio aéreo necessário na operação.

Divergência entre ingleses e norte-americanos

A tarefa crítica, mas nada invejável, de previsão meteorológica do notoriamente inconstante Canal da Mancha recaiu numa equipa de meteorologistas da Marinha Real, do Escritório Meteorológico Britânico e da Força Aérea. Observações feitas na Terra Nova realizadas a 29 de maio relataram uma mudança das condições atmosféricas. Os meteorologistas britânicos previram uma tempestade para 5 de junho.

Os meteorologistas norte-americanos, por seu lado acreditavam que uma alta pressão iria desviar a frente da tempestade avançar e proporcionar céu limpo e ensolarado ao longo do Canal da Mancha. Stagg, único meteorologista a quem era permitido contato direto com o General Eisenhower, tinha que tomar a decisão final.

Manhã de 5 de junho de 1944. O céu está limpo e o vento não passa de uma brisa, mas Stagg está convencido que a tempestade está apenas a algumas horas de distância e recomenda o adiamento. Eisenhower concorda. Relutante, a invasão ficava adiada por 24 horas.

Do outro lado do canal, as previsões dos meteorologistas alemães são idênticas às de Stagg. Só com uma diferença. Para o meteorologista-chefe da Luftwaffe, o mau tempo se manteria durante junho todo. Apoiados na previsão, os comandantes nazistas se convenceram que a iminente invasão aliada era impossível e muitos abandonaram a costa Norte de França para participar em jogos de guerra organizados pelo Fuhrer. Entre eles estava o Marechal de campo Erwin Rommel que voltou para casa para oferecer pessoalmente a sua esposa par de sapatos que havia comprado em Paris.

Carta sinótica inglesa antecipava a tempestade enquanto a alemão não previa a tormenta no Canal da Mancha | MET OFFICE

Mas as previsões meteorológicas alemãs eram feitas com menos recursos que as dos aliados, pois como refere John Ross, autor do livro “A previsão para o Dia D e o meteorologista por trás da maior jogada de Ike”, “os Aliados tinham uma rede muito mais robusta de estações meteorológicas no Canadá, Groenlândia e Islândia; tinham navios e vôos meteorológicos no Atlântico Norte a que ainda se juntavam as observações das estações meteorológicas na República da Irlanda”.

Essas estações meteorológicas, em especial as de estação localizada em Blacksod, no extremo Oeste da Irlanda, provaram ser cruciais para detectar a chegada de um período de calmaria nas tempestades que Stagg e seus colegas previram e que acabaram por permitir a invasão no dia 6 de junho.

Elemento surpresa

O que estava em causa era o elemento surpresa. Os aliados, em especial Eisenhower, acreditavam que se a tempestade durasse muito tempo, esse elemento surpresa desapareceria. Por isso, e apesar da chuva e dos ventos que uivavam no exterior, Eisenhower aceitou o conselho de Stagg e adiou a invasão da Normandia por 24 horas.

Madrugada de 6 de junho de 1944. O tempo nas horas iniciais do Dia D ainda não era o ideal para a “Operação Overlord”. O mau tempo que ainda se fazia sentir na região, especialmente a densa nebulosidade e os fortes ventos fazem com que milhares de paraquedistas das tropas aliadas errem as zonas de desembarque e que alguns dos bombardeios errem os seus alvos alemães.

No mar, o cenário também não era bom. Os ventos fortes e a ondulação fazem com que várias lanchas de desembarque naufraguem. Ao meio dia, no entanto, o tempo tinha melhorado. O período de calmaria que Stagg previra tinha chegado e os alemães tinham sido apanhados de surpresa.

A maré da Segunda Guerra Mundial, enfim, começava a mudar. Algumas semanas depois da invasão, Stagg enviou um memorando a Eisenhower dizendo que se o adiamento tivesse sido feito para mais tarde, os aliados teriam enfrentado o pior tempo no Canal da Mancha em mais de duas décadas.

“Agradeço aos deuses da guerra por termos avançado quando o fizemos”, concluía Stagg. John Ross defende que se a invasão se tivesse dado a 5 de julho, como insistiram os meteorologistas americanos, a invasão teria sido um desastre. “Havia demasiadas nuvens sobre a Normandia para que Eisenhower pudesse usar o seu melhor e mais importante ativo, as forças aéreas e aero-transportadas”, defende o historiador.

“Só com elas se poderia fazer uma cobertura eficaz dos tanques, da artilharia e das reservas de infantaria alemã. Os ventos teriam sido demasiado fortes para o lançamento de paraquedistas que impedissem a chegada de reforços e, no mar, as ondas seriam demasiado altas para que as lanchas de desembarque conseguissem colocar em terra tanto homens como mantimentos e máquinas. O elemento chave da surpresa estaria perdido e a libertação da Europa ocidental poderia ter demorado mais um ano”, destaca pesquisa de André Amaral.

 A festa da rainha

Centenas de milhares de pessoas se reuniram nas ruas e praças de todo o mundo para celebrar o Dia da Vitória na Europa, o dia que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. Mas para a então princesa Elizabeth, o dia 8 de maio de 1945 foi especial por outro motivo: marcou a primeira e última vez que ela deixaria o palácio e se misturaria com seus futuros súditos em segredo.

Para os plebeus, o Dia V-E representou um alívio de anos de racionamento e miséria, observa a BBC. O lema “fazer e consertar” foi apenas a ponta do iceberg de um país que resistiu a milhares de baixas e meio milhão de casas destruídas durante a guerra. Quando a notícia da rendição alemã chegou à Inglaterra, 8 de maio foi designado o dia oficial da celebração, e os foliões lotaram todas as ruas.

A então princesa Elizabeth foi às ruas para celebrar com o povo a derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial | SMITHSONIAN

Elizabeth, então com 19 anos, e sua irmã, a princesa Margaret, de 15 anos, imploraram ao rei George VI e à mãe, a rainha Elizabeth, para se juntarem à diversão. Eles concordaram que poderiam deixar o palácio às 21h, mas apenas se as meninas fossem com uma comitiva de 16 pessoas. “Estávamos com medo de ser reconhecidos”, lembrou a rainha mais tarde.

Ela usava o uniforme do Serviço Territorial Auxiliar para evitar ser vista pela multidão. Ao seu redor, as pessoas estavam de braços dados e andando pela rua “varridas por uma onda de felicidade e alívio”.  Um membro da comitiva se lembra de ter sido “apanhado por um oficial da marinha” e beijado, escreve Mount, e outro ficou surpreso com os beijos, abraços e amor que os cercavam nas ruas.

Um destaque da noite foi quando as meninas puderam assistir seus pais aparecerem na sacada do Palácio de Buckingham (uma das oito aparições no total naquele dia) como espectadores, não participantes. Exaustos, mas empolgados, o grupo voltou em segurança ao palácio à meia-noite. A rainha da vida real se referiu a ela como “uma das noites mais memoráveis ​​da minha vida”.