O evento extremo de chuva que deixa mortos e destruição em São Paulo é resultado de uma soma de fatores que envolve massas de ar de características distintas e, principalmente, um sistema de mesoescala, no caso uma frente fria, que desencadeou um canal de umidade com valores de água precipitável muito altos sobre o território paulista.

Imagem de satélite deste domingo | NOAA

A cadeia de eventos que levou ao desastre deste fim de semana começou ainda na semana passada, quando uma frente fria avançou pelo Sul do Brasil. Esta frente se deslocou do Sul para o Sudeste do país na dianteira de uma massa de ar frio que foi responsável por noites frias e tardes agradáveis neste fim de semana na maioria das regiões gaúchas.

Esta massa de ar frio conseguiu romper a bolha de calor que trouxe 15 dias seguidos de máximas acima de 40ºC no estado gaúcho. O sistema encontrou ar mais quente sobre o Brasil Central, trazendo chuva e temporais em São Paulo, e não conseguiu progredir mais para o Norte. Com isso, a frente se tornou semi-estacionária na Região Sudeste.


Massa de ar frio avançou de Sul e encontrou ar quente e úmido sobre o Sudeste do Brasil | MetSul

Isso levou à organização de um robusto canal de umidade conhecido como Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). A Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) é conhecida por uma faixa de nebulosidade que atravessa o Brasil e costuma trazer chuva com altos volumes em diversos estados nesta época do ano.

Este corredor de umidade, um verdadeiro rio atmosférico, tem uma orientação climatológica típica de Noroeste para Sudeste, estendendo-se da região da Amazônica até o litoral da Região Sudeste. No caso de hoje, o rio atmosférico que se origina na Amazônia e passa por São Paulo, onde despeja muito água, se estende por milhares de quilômetros e avança pelo Atlântico até áreas ao Sul da África no limite do extremo Oeste do Oceano Índico.

Rio atmosférico que atua em São Paulo e despeja muita chuva vai da Amazônia, onde recebe umidade da África, e vai até o limite Oeste do Índico | NOAA

Estes rios atmosféricos são vigorosos e são grandes produtores de chuva. Em alguns casos, especialmente durante o verão, a orientação da ZCAS chega a levar a faixa de maior instabilidade até os litorais do Paraná e de Santa Catarina, o que explica o tempo às vezes muito chuvoso durante o verão no litoral catarinense enquanto o Oeste de Santa Catarina enfrenta estiagem e falta de chuva.


Os eventos de ZCAS são sazonais. São comuns entre os meses de novembro e março, ou seja, é um fenômeno típico de estação quente e podem durar até dez dias consecutivos, causando grandes volumes de precipitação nas áreas de atuação. Tais eventos podem ser iniciados com a participação de frentes frias, que atravessam o Sul do Brasil e que ao chegarem na Região Sudeste passam a convergir umidade da região amazônica até o Oceano Atlântico.

A frente fria, por si só, não é a grande responsável pela convergência de umidade. A área de alta pressão que atua sobre o Oceano Atlântico também tem uma parcela de contribuição para transportar a umidade da região amazônica para as demais áreas.

Mas não são apenas as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste do país que sentem os efeitos da Zona de Convergência do Atlântico Sul. Na região Sul do Brasil, por exemplo, quando há a configuração de um evento de ZCAS e não havendo anomalias positivas da temperatura da superfície do mar na costa, há uma menor quantidade de umidade disponível para parte da região.

Isso favorece, portanto, uma sequência mais longa de dias de tempo seco, principalmente para o estado do Rio Grande do Sul, Meio-Oeste e Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná. Na região Nordeste do país, dependendo da sua orientação territorial, a ZCAS também pode favorecer dias de tempo mais seco.


Este verdadeiro corredor de umidade, na prática, funciona como o canal primário de umidade da América do Sul. Um verdadeiro cobertor da chuva. Se atua mais no Norte, Centro-Oeste e no Sudeste, diminui a chuva nas outras pontas, como o Sul e o Nordeste do país. A sua orientação, por conseguinte, vai determinar onde vai chover mais ou menos no Brasil.

Quanto choveu

Estação pluviométrica do Centro Nacional de Previsão de Desastres (Cemaden), na cidade de Franco da Rocha, registrou até o fim da tarde deste domingo acumulados de 140 mm em 24h, 170 mm em 48h e 255 mm em 72h. Em Várzea Paulista, até a mesma hora, os acumulados foram de 157 mm em 24h, 206 mm em 48h e 238 mm em 72h. Francisco Morato anotou nos mesmos intervalos 131 mm, 176 mm e 253 mm, respectivamente. Em Embu das Artes, caíram 155 mm em 72h até o fim da tarde do domingo.

Os volumes em 24h até 18h deste domingo atingiram 175 mm em Jundiaí, 168 mm em Itupeva, 155 mm Jaú, 149 mm em Bauru e Campo Limpo Paulista, 115 mm em Guarulhos, 113 mm em Campinas, 112 mm em Mairiporã, 110 mm em Atibaia, 105 mm em Caieiras e 100 mm em Marília. Na cidade de São Paulo, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, os volumes em 72h foram de 120 mm no Mirante de Santana e 93 mm em Interlagos.

Alerta de mais chuva

O desastre pela chuva em São Paulo era previsto e muito antecipado. Na última quinta-feira, a MetSul Meteorologia emitiu um aviso de chuva extrema para várias regiões do estado paulista com acumulados de 200 mm a 300 mm em algumas cidades, advertindo que era uma situação de perigo e que cidades da Grande São Paulo estavam na zona de risco.

O alerta de chuva com volumes excessivos se mantém nesta segunda e na terça com alto risco de precipitações por vezes fortes a torrenciais, o que poderá levar os acumulados em algumas cidades a 300 mm a 400 mm em um total de 120 horas. A instabilidade cede só na quarta, apesar de chover em várias áreas do estado paulista.