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Fenômeno El Niño ocorre no Oceano Pacífico e há décadas é estudado pela ciência. Episódio de forte El Niño de 2023-2024 provocou sucessivas enchentes no Rio Grande do Sul e o maior desastre da história do estado em maio deste ano com inundação de Porto Alegre (foto) e muitas cidades gaúchas. | NELSON ALMEIDA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Vários meios de comunicação divulgaram nos últimos dias a suposta descoberta de um padrão de variabilidade climática que foi abordado como um novo El Niño. A imprensa brasileira não mentiu ou inventou a notícia. O título do comunicado da Universidade de Reading, da Inglaterra, é exatamente “Novo El Niño descoberto ao Sul do Equador”.

Qual é o anúncio feito inglês pela universidade britânica? Uma pequena área do Sudoeste do Oceano Pacífico, perto da Nova Zelândia e da Austrália, pode desencadear mudanças de temperatura que afetam todo o Hemisfério Sul, pontua o estudo.

O novo padrão climático, que os pesquisadores dizem compartilhar algumas características com o fenômeno El Niño, foi chamado de “Padrão Circumpolar de Onda-4 do Hemisfério Sul” ou W4 ou SST-W4. Apesar do anúncio agora em agosto de 2024 pela universidade inglesa, existem estudos sobre esta onda já há alguns anos, embora sejam poucos.

Ao contrário do El Niño, que começa nos trópicos, esse novo padrão tem início nas latitudes médias. O estudo destaca o quão importante é a interação entre o oceano e a atmosfera para o nosso clima.

Balaji Senapati, autor principal do estudo na Universidade de Reading, afirmou que as implicações desta onda no Hemisfério Sul são globais. “A descoberta é como encontrar uma nova mudança no clima da Terra. Ela mostra que uma área relativamente pequena do oceano pode ter efeitos de longo alcance no clima global e nos padrões climáticos”, destacou.

“Compreender esse novo sistema climático pode melhorar muito a previsão do tempo e a previsão do clima, especialmente no Hemisfério Sul. Pode ajudar a explicar mudanças climáticas que antes eram misteriosas e podem melhorar nossa capacidade de prever eventos climáticos e meteorológicos extremos”, assinalou.

Pesquisadores usaram modelos climáticos sofisticados para simular 300 anos de condições climáticas. Este modelo combina componentes atmosféricos, oceânicos e de gelo marinho para criar uma representação abrangente do sistema climático da Terra. Ao analisar esses dados simulados, a equipe identificou um padrão recorrente de variações de temperatura da superfície do mar circulando o Hemisfério Sul.

O padrão climático funciona como uma reação em cadeia global. Este padrão cria quatro áreas quentes e frias alternadas nos oceanos, formando um círculo completo no Hemisfério Sul, que começa perto do oceano da Nova Zelândia e da Austrália.

Quando a temperatura do oceano muda nesta pequena área, isso desencadeia um efeito cascata na atmosfera. O efeito, de acordo com os pesquisadores, é criar um padrão semelhante a uma onda que viaja por todo o Hemisfério Sul, carregado por fortes ventos de Oeste. Conforme essa onda atmosférica se move, ela afeta as temperaturas do oceano, criando as quatro áreas quentes e frias.

O oceano desempenha um grande papel neste processo. Quando a onda atmosférica muda os padrões do vento, ela afeta como o calor se move entre o oceano e o ar. Isso muda a profundidade da camada superior de água mais quente do oceano, o que pode tornar as mudanças de temperatura mais fortes ou mais fracas.

Esse novo padrão acontece independentemente de outros sistemas climáticos conhecidos nos trópicos, como o padrão de aquecimento e resfriamento de El Niño e La Niña, de correntes e ventos alísios. Isso sugere, segundo os pesquisadores, que sempre foi parte do clima da Terra, mas só agora foi notado.

Mas é preciso ter cuidado com a equivalência feita com o El Niño. As diferenças entre este Padrão Circumpolar de Onda-4 do Hemisfério Sul (SST-W4) e o aquecimento anômalo das águas do Oceano Pacífico Equatorial, o El Niño, são enormes. Seja no processo de formação, a área onde ocorre, a extensão da anomalia e a monumental diferença de amplitude das consequências no padrão geral de circulação atmosférica do planeta.

A coincidência principal entre a W4 e o El Niño é que ambos são uma variáveis no clima, dentre tantas que existem no oceano e na atmosfera. Meteorologistas no Brasil atentam para um enorme conjunto de oscilações que interferem no clima além do fenômeno ENOS (El Niño e La Niña).

Podem ser citadas a Oscilação de Madden-Julian (OMJ), Oscilação Antártica (AAO), Oscilação do Ártico (AO), Oscilação do Atlântico Norte (NAO), Dipolo do Índico (IOD), Oscilação Decadal do Pacífico (PDO), dentre outras variáveis.

Essas comparações com o tradicional e conhecido El Niño do Oceano Pacífico não são novas. Há anos, os cientistas estudam aquecimento do Atlântico entre o Brasil e a África que já foi denominado de El Niño do Atlântico.

Tal como o El Niño conhecido do Pacífico, o chamado Niño do Atlântico é caracterizado por temperaturas da superfície do mar mais quentes do que a média na bacia equatorial oriental e ventos alísios mais fracos do que a média em todo o Atlântico equatorial Centro-Leste.

NOAA

Mas existem algumas diferenças importantes entre os dois. O El Niño geralmente se fortalece lentamente durante o inverno meridional antes de atingir a força máxima no final da primavera e no começo do verão no Hemisfério Sul.

Já o chamado El Niño do Atlântico, em contraste, tende a atingir o pico no inverno do Hemisfério Sul, em regra quando a fase é neutra no Pacifico e costuma ter duração mais curta, com impactos climáticos mais modestos e locais.

Em síntese, o que se anuncia agora como uma descoberta já não é tão novo para a comunidade climática com estudos publicados sobre o tema ao menos desde 2021. Tampouco esta nova variável climática deve ser vista como um novo El Niño porque diferente em vários aspectos e com impactos muito menores no Brasil e no resto do mundo, sendo apenas mais uma de tantas variáveis no clima.

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