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Possível tornado foi registrado na zona rural de São Francisco de Paula, nos Campos de Cima da Serra, durante a passagem de intensas áreas de instabilidade pela região na noite da quarta-feira. As poderosas áreas de instabilidade que avançaram pela Serra Gaúcha e os Aparados foram responsáveis por queda de granizo em Caxias do Sul e granizo que causou danos em mais de mil residências no município de Vacaria.

O proprietário rural Walterez Bernhardt se surpreendeu na manhã desta quinta-feira com os danos causados pelo vento em sua propriedade no distrito de Várzea do Cedro, localizado entre São Francisco de Paula e Jaquirana, distante das sedes dos dois municípios dos Aparados. Com a força do vento, árvores foram decepadas em seus troncos em um rastro definido na vegetação. Estruturas de construções próximas em sua propriedade e de vizinhos nada sofreram.

WALTEREZ BERNHARDT/DIVULGAÇÃO

WALTEREZ BERNHARDT/DIVULGAÇÃO

WALTEREZ BERNHARDT/DIVULGAÇÃO

WALTEREZ BERNHARDT/DIVULGAÇÃO

A meteorologista da MetSul Estael Sias observa que as marcas na vegetação são típicas de um tornado. “As imagens de partes apenas de galhos de araucárias decepados e outras árvores cortadas em seus troncos são as mesmas que observamos em tornados anteriores na região em cidades como Gramado, Bom Jesus e a própria São Francisco de Paula”, destacou.

Tornados são conhecidos dos moradores de São Francisco de Paula. Neste século, dois tornados atingiram a área central do município, causando grandes estragos, dezenas de feridos e uma morte. O primeiro atravessou a cidade em 8 de julho de 2003. Muitas casas foram destruídas a ponto de somente restar o assoalho e construções logo ao lado não tiveram dano algum por terem escapado da passagem do funil. Em março de 2017, outro tornado causou muitos danos na cidade dos Campos de Cima da Serra e uma pessoa morreu.

No caso da noite de ontem, as condições eram propícias à formação de tornados na região dos Campos de Cima da Serra. A MetSul já havia advertido na segunda-feira que entre terça e quarta existia um risco marginal de tornados isolados na Metade Norte gaúcha pela formação de uma frente quente sobre o Rio Grande do Sul, fenômeno que costuma trazer muitos e granizo, mas em situações mais extremas pode causar até tornados.

Análise do vento em 850 hPa (nível de 1.500 metros de altitude) das 21h d quarta do modelo norte-americano GFS mostrava uma corrente de jato em baixos níveis da atmosfera atuando sobre o Nordeste do Rio Grande do Sul e a área em que se deu o possível tornado | METSUL

Presente em virtualmente todos os tornados que ocorrem no inverno no Rio Grande do Sul, na noite de ontem atuava fenômeno conhecido como corrente de jatos em baixos níveis, corredor de vento forte a intenso a cerca de 1.500 metros de altitude que se origina na Bolívia e no Centro-Oeste do Brasil. A corrente de jato estava justamente sobre o Norte e o Nordeste do estado gaúcho com vento forte a 1500 metros de altitude exatamente na área onde se deu o possível tornado em São Francisco de Paula.

Havia ainda um marcado gradiente de temperatura sobre o Rio Grande do Sul resultante de correntes de vento de diferentes direções. Enquanto a tarde fez 13ºC no Sul gaúcho, o ar quente que avançava em altitude para os Campos de Cima da Serra elevou a temperatura a 30ºC no Sudoeste do Paraná. O gradiente de temperatura sobre o território gaúcho formou do meio para o final da tarde da quarta-feira áreas de tempestades a partir do Centro gaúcho, onde caiu muito granizo de forma isolada, e que se deslocaram para a Grande Porto Alegre, causando também granizo isolado, rumando após à noite para a Serra e os Aparados.

Mapa com a anomalia de temperatura em 850 hPa (nível de pressão equivalente a 1.500 metros de altitude) na análise das 21h de quarta mostrava como havia ar frio no Sul e no Oeste gaúcho na noite de ontem enquanto no Norte e no Nordeste do Estado atuava ar quente com a corrente de jato em baixos níveis. O gradiente de temperatura formou áreas de tempestades a partir do Centro gaúcho que se deslocaram para a Grande Porto Alegre, a Serra e os Aparados. | METSUL

Vento forte de Noroeste trazido pelo jato de baixos níveis gera o que se denomina tecnicamente de cisalhamento. De acordo com a meteorologista Estael Sias, o padrão divergente de vento que sopra de uma direção com ar mais frio e de outra com ar quente em diferentes níveis da parte mais baixa da atmosfera acaba por criar as condições para a formação do funil ou tornado.

“Como se trata de uma área de campo aberto, de baixa densidade populacional e o evento se deu à noite, é muito difícil que haja registros visuais do fenômeno”, explicou. “Se o fenômeno tivesse se formado numa área urbana, como ocorreu em São Francisco de Paula em 2003 e em 2017, as consequências poderiam ter sido graves”, ponderou.

Tornados podem ocorrer em qualquer estação do ano no Rio Grande do Sul, mas alguns dos mais intensos ocorreram justamente durante o inverno. Embora temperatura mais alta esteja associada à forte instabilidade atmosférica, o que é o caso de parte da primavera, do verão e o começo do outono, no inverno é maior a frequência de eventos severos resultantes do encontro de massas de ar frio e quente.

Estes episódios de tempestades resultantes de encontros de ar quente e frio, seja por uma frente fria, frente quente ou centros de baixa pressão, não raro são responsáveis por provocar tempestades intensas a severas e, nos casos mais extremos, mesmo a ocorrência de tornados. As ocorrências de tornados se dão principalmente quando presente uma corrente de jato (vento) em baixos níveis da atmosfera, comuns em frentes quentes e quando da atuação dos ciclones extratropicais.