Por que o maior nevoeiro do ano foi tão intenso? Porto Alegre sumiu na cerração no começo da manhã desta terça-feira. Não era possível ver a chaminé da Usina do Gasômetro. | Fernando Oliveira

Por que o maior nevoeiro do ano foi tão intenso? Porto Alegre e cidades da região metropolitana têm nesta terça-feira um denso nevoeiro que reduziu a visibilidade drasticamente e a quase zero em alguns pontos com altíssimos valores de umidade relativa do ar. Na prática, é como as nuvens estarem na superfície. A cerração foi tão densa que houve muito orvalho e até garoa, o que fez com que calçadas e ruas começassem o dia molhadas.

A visibilidade horizontal no Aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, baixou a apenas 100 metros. O primeiro reporte de nevoeiro ocorreu no aeroporto pouco depois da meia-noite, quando a visibilidade caiu para 800 metros. No decorrer da madrugada, a cerração se intensificou até o seu pico de 100 metros entre uma e seis da manhã. Entre sete horas e dez da manhã a visibilidade esteve na casa dos 400 metros, subindo após este horário.

Umidade relativa do ar estava perto de 100% na capital gaúcha no meio da manhã com a forte cerração, mas no fim da manhã o sol começou a aparecer em diferentes pontos da Capital | Fernando Oliveira

Visibilidade era quase nula em ponto de Porto Alegre no começo da manhã de hoje | Alina Souza/Correio do Povo

Em pontos da área metropolitana, o nevoeiro foi ainda mais denso ao amanhecer e durante a manhã. Na base aérea de Canoas, por exemplo, a restrição foi praticamente total. Os boletins meteorológicos METAR (Meteorological Terminal Air Report) da base reportaram visibilidade horizontal de zero às seis e sete da manhã desta terça.

Nevoeiro denso em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, no final da madrugada de hoje | Juliana Flor/Jornal NH/GES

O denso nevoeiro desta terça-feira provocou uma escalada de atrasos e cancelamentos de voos no Aeroporto Salgado Filho. Além da visibilidade restrita, o teto era muito baixo durante a manhã no aeroporto. Nas principais rodovias da região metropolitana, a visibilidade era muito baixa e exigia cuidado redobrado dos motoristas.

Cerração tomou conta de Novo Hamburgo e outras cidades da Grande Porto Alegre durante a madrugada | Daniel Fleck

A umidade relativa do ar na estação do Instituto Nacional de Meteorologia no bairro Jardim Botânico, em Porto Alegre, teve seu valor mínimo de 94% entre a madrugada e de manhã entre meia-noite e uma da manhã. Entre nove e dez da manhã atingia o seu máximo de 98%.

As causas do nevoeiro intenso

A MetSul vem destacando que a massa de ar frio de origem polar da última semana veio com um centro de alta pressão. Na sequências, outras áreas de alta pressão atmosférica passaram a atuar. Com isso, a atmosfera se tornou muito estável, o que favorece tanto neblina (restrição de visibilidade superior a mil metros) e nevoeiro (visibilidade horizontal inferior a mil metros).

Com a atuação de áreas de alta pressão atmosférica, o movimento do ar é de cima para baixo, o que se denomina subsidência. Nestas condições, a atmosfera fica muito estável com escassa nebulosidade. Soma-se ainda o vento muito fraco ou calmo. E o tempo aberto com pouco ou nada de vento favorece intenso resfriamento noturno. A soma destas fatores (tempo aberto, vento calmo e resfriamento rápido em superfície) cria condições ideias para a ocorrência de nevoeiro.

Centro de alta pressão na costa favorece a ocorrência de nevoeiro | DECEA/Inmet

O centro de alta pressão que favorece o tempo firme e proporciona as noites frias está localizado sobre o Atlântico na costa do Sul do Brasil. Quando a alta pressão atua sobre o mar o aporte de umidade do oceano para o continente favorece o registro de nevoeiro, diferentemente de quando o centro de alta pressão está sobre o continente, situação que traz noites estreladas e com cerração apenas localizada.

O fator inversão térmica

No caso do nevoeiro desta terça-feira há um outro fator que contribuiu para que fosse muito denso. Foi o ingresso de ar mais quente em camadas mais altas da atmosfera, logo acima da superfície, com temperatura menor em superfície. A este fenômeno se dá o nome de inversão térmica.

Sondagem atmosférica por balão meteorológico mostrou uma camada de inversão térmica em Porto Alegre | University of Wyoming

A rádio-sondagem por balão meteorológico feita pela Força Aérea Brasileira (FAB) às nove da manhã de hoje no aeroporto Salgado Filho mostrou temperatura em superfície no horário de 10,6ºC. Ocorre que numa camada entre 270 metros e 1.100 metros de altitude a temperatura era maior que em superfície, chegando a 15,4ºC em 630 metros de altitude. Somente a partir de altitudes próximas de 1.500 metros a temperatura passava a ser inferior à registrada em superfície.

Nevoeiro intenso é normal nesta época

Dias de nevoeiro são muito comuns da metade para o fim de outono e durante o inverno em Porto Alegre e região. Em alguns dias, a cerração costuma ser muito forte. Por regra, quanto mais cedo o nevoeiro começa a se formar, e hoje teve início logo depois da meia-noite, mais tarde tende a se dissipar.

Visibilidade horizontal de poucos metros hoje cedo em Porto Alegre | Alina Souza/Correio do Povo

Um estudo da Força Aérea Brasileira (FAB) da frequência do fenômeno no Aeroporto Salgado Filho, realizado entre os anos de 1998 e 2006, de autoria de Luiz Alexandre Fragozo de Almeida, mostrou que no período houve 63 dias de nevoeiro em junho, 56 em maio e 48 em julho.

Este período, assim, costuma ser de alta incidência de nevoeiro na área metropolitana. A Grande Porto Alegre está ao Norte da Lagoa dos Patos e é entrecortada por vários rios (Caí, Jacuí, Sinos e Gravataí) com muitas áreas alagadiças e de banhados,  muitas usadas em plantio de arroz, o que favorece a ocorrência de nevoeiro. Porto Alegre, ademais, tem o Guaíba ao seu lado do Sul ao Norte da cidade, o que faz com que frequência de nevoeiro e neblina seja muito maior em áreas próximas do manancial.

Nevoeiro na Argentina

Não apenas Porto Alegre, região metropolitana e áreas do Centro, Sul e o Leste do Rio Grande do Sul tiveram muito nevoeiro no começo desta terça-feira. A cerração foi intensa também na cidade de Buenos Aires e na área metropolitana da capital argentina.

A visibilidade no Aeroporto Internacional de Ezeiza caiu para 300 metros na madrugada e rapidamente voltou a subir, entretanto no meio da manhã de hoje voltou a declinar e baixou para 800 metros, novamente caracterizando nevoeiro. Já o Aeroparque, apesar de pontos do Centro da capital argentina terem tido grande restrição de visibilidade durante a manhã, reportou apenas neblina.

Previsão de mais nevoeiro

A MetSul antecipa que este não será o último nevoeiro da semana em muitas cidades gaúchas. Isso porque as mesmas condições atmosféricas presentes hoje vão persistir nos próximos dias sobre o Rio Grande do Sul com a continuidade do padrão de grande estabilidade na atmosfera. A diferença é que nos próximos dias o nevoeiro ocorrerá em menos locais que hoje.

A tendência é de tempo aberto com escassa nebulosidade, vento calmo com resfriamento maior em superfície durante a noite, o que proporcionará mais uma vez condições um tanto propícias ao registro de nevoeiro e neblina. A intensidade e duração do nevoeiro é que vai variar de um dia para o outro assim como a sua abrangência.

Nos próximos dias, ademais, a previsão é de ingresso de ar mais quente em altitude. Com isso, a ocorrência de inversão térmica será ainda mais favorecida com mais nevoeiro e denso em alguns dias, dependendo da localidade.