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O ciclone que impactou vários estados brasileiros entre quarta-feira e ontem trouxe vento com força de furacão no Rio Grande do Sul e Catarina com rajadas de vento medidas por estações meteorológicas que ficaram perto ou passaram dos 150 km/h. Quatro pessoas morreram pelo vento no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo com milhões de pessoas sem luz por força da ventania.

Imagem de satélite da manhã de 13 de julho de 2023 no pico de intensidade do vento do ciclone extratropical sobre o Sul do Brasil | METSUL

No Rio Grande do Sul, conforme levantamento da MetSul Meteorologia a partir de diferentes redes de estações de monitoramento, as rajadas atingiram 151 km/h em São Francisco de Paula, 148,1 km/h em Cambará do Sul, 146,3 km/h em Rio Grande, 133,0 km/h em Imbé (Ceclimar), 104,4 km/h em Cachoeira do Sul e 100,4 km/h em Canguçu.

Em Santa Catarina, segundo a rede da Epagri, o vento chegou a 157 km/h em Siderópolis, 147 km/h no alto do Morro da Igreja (Bom Jardim da Serra), 115 km/h em Rancho Queimado, 113 km/h em Urupema (Morro de Urupema), 107 km/h em Laguna e 100 km/h em Itapoá.

Com rajadas tão intensas e destrutivas no Sul do Brasil, naturalmente, muitas pessoas se indagaram de o porquê da Meteorologia não designar o ciclone que passou pela região como um furacão, afinal a força das rajadas em alguns locais teve sim força de furacão.

Então, para entender. Não é a força do vento exclusivamente que vai designar a nomenclatura de um sistema meteorológico. Um temporal isolado com vento de 140 km/h em parte de uma cidade, como o que atingiu Porto Alegre em janeiro de 2016, por óbvio, não será chamado de um furacão.

Furacão é um ciclone tropical em que o vento máximo sustentado na superfície (usando a média de 1 minuto dos Estados Unidos) é de 64 nós (119 km/h) ou mais. O termo furacão é usado para ciclones tropicais que preencham este critério no Atlântico Sul e no Hemisfério Norte da Leste da Linha Internacional de Data até o Meridiano de Greenwich. O termo tufão é usado para ciclones tropicais do Pacífico ao Norte do Equador, a Oeste da Linha Internacional de Data.

Então, de pronto se vê porque o ciclone que causou destruição no Sul do Brasil não pode ser chamado de furacão. Furacão é ciclone tropical e o que tivemos foi um ciclone extratropical. Ciclones podem ser extratropicais (centro de baixa pressão com perfil frio), subtropical (centro da baixa pressão com características extratropicais e tropicais), e tropicais (centro de baixa pressão com perfil quente).

Os sistemas mais intensos ou que causam mais danos costumam ser os tropicais, quando atingem o status de furacão, e os extratropicais que experimentam uma intensificação muito rápida (ciclogênese explosiva) ou ocorrem muito perto da costa, o que foi o caso do ciclone de 15 e 16 de junho assim como de agora.

Mas tem mais. Em um furacão, o que define a classificação do fenômeno é o vento máximo sustentado que precisa ficar acima de 119 km/h. Não são as rajadas. No ciclone de agora, houve rajadas com força de furacão, mas não vento sustentado de furacão.

E há um terceiro ponto, além de ter sido extratropical e não ter tido vento sustentado mínimo, que não remete à classificação de um furacão. A ciclogênese deste ciclone extratropical das últimas horas se deu sobre terra, ainda no continente. Furacões não se formam sobre terra e sim sobre oceanos, de onde retiram a energia.

O único furacão no Brasil 

O único furacão documentado no Atlântico Sul foi o Catarina, que tocou terra no Sul de Santa Catarina e na região de Torres entre os dias 27 e 28 de março de 2004. Tratou-se de um furacão categoria 2 na escala Saffir-Simpson, um evento único na climatologia da América do Sul e que deixou onze mortos e prejuízos à época de meio bilhão de dólares ou um bilhão de reais.

Catarina continua sendo o único ciclone tropical com força de furacão já observado no Oceano Atlântico Sul (registros contínuos confiáveis e relativamente abrangentes só começaram com a era dos satélites nos anos 1970). Outros sistemas atípicos tropicais foram observados, mas só o ciclone de 2004 teve força de furacão.

Furacão Catarina visto da ISS em 26 de março de 2004 | NASA

Apesar de extremamente raro, uma conexão do Catarina com aquecimento global ou qualquer outro tipo de mudança climática global jamais foi estabelecida de forma consensual. Vários estudos posteriores indicaram a influência do Modo Anular Sul e outras variações sazonais no clima no Hemisfério Sul que fazem parte da variabilidade natural do clima.

O que é um ciclone extratropical

Por mais de um século, os meteorologistas estão cientes de que as áreas de pressão em queda são frequentemente acompanhadas por precipitação e ventos fortes. No entanto, não foi até o início de 1900 que os cientistas atmosféricos começaram a ter uma imagem mais completa de como os sistemas de baixa pressão se desenvolvem, bem como o tempo associado a eles.

Um ciclone não é nada mais que uma área de baixa pressão, em torno da qual os ventos sopram no sentido horário no Hemisfério Sul. Isso se deve ao fato de que os ventos sopram de alta para baixa pressão. Esses sistemas de tempestades são chamados de ciclones frontais de latitude média, ciclones extratropicais, ciclones de ondas ou simplesmente ciclones frontais.

Pouco depois da Primeira Guerra Mundial, Vilhelm Bjerknes, Jakob Bjerknes, Halvor Solberg e Tor Bergeron publicaram seu modelo chamado de Norwegian Cyclone. Este modelo propôs um ciclo de vida para o desenvolvimento de ciclones de latitude média e foi baseado principalmente em observações de superfície. Tornou-se conhecida como a Teoria da Frente Polar de um ciclone de onda em desenvolvimento.

Com o tempo e novos estudos, o modelo teve mudanças e hoje fornece uma maneira de descrever a estrutura, o tempo e a evolução de um sistema de tempestade ciclônica em movimento nas latitudes médias.

Os ciclones extratropicais têm ar frio em seu núcleo e derivam sua energia da liberação de energia potencial quando massas de ar frio e quente interagem. Essas tempestades sempre têm uma ou mais frentes conectadas a elas e podem ocorrer sobre terra ou oceano.

Os ciclones que se desenvolvem perto das costas do Uruguai e do Sul do Brasil estão associados em níveis médios e altos da atmosfera a um cavado (área de baixa pressão atmosférica) ou uma baixa segregada fria em altitude (cut-off low) que se move do Pacífico para o Oceano Atlântico, descreve a literatura técnica.

Esses ciclones não aparecem imediatamente logo após a baixa pressão cruzar a Cordilheira dos Andes. Ao contrário, a ciclogênese ocorre muito mais a Leste dos Andes, a aproximadamente mil quilômetros da cordilheira.

Ciclones extratropicais se formam mais frequentemente na costa da Argentina e junto ao Rio da Prata, as duas principais regiões ciclogenéticas (de formação de ciclones) na América do Sul. Montevidéu (em foto da tempestade Yakecan de 17 de maio de 2022) sofre com frequência com ciclones. O pior ocorreu em agosto de 2005. | PABLO PORCIUNCULA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Fatores que criam condições favoráveis para esse desenvolvimento incluem um gradiente (diferença) horizontal na temperatura do ar com temperatura do ar quente sobre o continente e temperatura da superfície do mar fria (devido às correntes do Brasil e das Malvinas, e ar úmido no lado Leste do ciclone, com ar seco no lado Oeste.

Os estudiosos que publicaram trabalhos sobre ciclones nas latitudes médias da América do Sul descrevem que, às vezes, um ciclone de superfície pode se desenvolver quando há advecção de ar quente da região amazônica no Norte da Argentina (jato de baixos níveis) e há um cavado (área de menor pressão atmosférica alongada) ou uma baixa segregada em altos níveis da atmosfera cruzando os Andes. Em ambos os casos, o ciclone se desenvolverá e se propagará para Leste ou Sudeste, intensificando-se sobre o Atlântico.