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Enorme nuvem de fumaça de um incêndio em Porto Jofre, estado de Mato Grosso. Vários incêndios têm devastado o Pantanal brasileiro, a maior área alagada do planeta, apenas três anos depois das catástrofe de fogo que assolou a região e ardeu um terço do bioma com milhares de animas mortos. | ROGÉRIO FLORENTINO/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O Pantanal enfrenta o pior novembro de fogo da história, desde que começaram os registros pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais no final da década de 90. Com chuva escassa e uma brutal onde de calor, os incêndios crescem rapidamente e muito velozmente se espalham, atingindo animais e ameaçando propriedades.

Gigantescas nuvens de fumaça irrompem de áreas carbonizadas, cuja fauna, incluindo as onças-pintadas, estão em perigo. Muitos incêndios estão “fora de controle” e causam estragos no Pantanal, a maior área úmida do mundo. É o mais grave cenário que se observa na região desde a devastadora onda de incêndios em 2020.

Trata-se de uma situação muito atípica e incomum porque novembro não é época de fogo no Pantanal, já que nesta época do ano tem início o período mais chuvoso. Neste ano, entretanto, tem chovido muito menos que o habitual e soma-se uma onda de calor extraordinária com dias seguidos em que a temperatura atinge valores de 40ºC a 43ºC na região.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, coletados por satélites, apontam que mesmo antes de o mês ter atingido a sua metade este já é o pior novembro de fogo na região do Pantanal com número de queimadas absurdamente elevado para esta época do ano.

Os dados do Inpe mostram que apenas entre os dias 1º e 14 de novembro os satélites registraram 2.660 focos de calor. O número já supera o pior novembro de fogo, que era até então o do ano de 2002 com 2.328 focos no mês inteiro.

A média histórica 1998-2022 de focos de calor no Pantanal em novembro é de 442, baixa comparada à pior média histórica mensal que é a de setembro com 2.163 focos. Com os 2.660 focos anotados nas duas primeiras semana do mês, só a primeira metade de novembro em 2023 superou em seis vezes a média histórica mensal de focos e em 1200% a média quinzenal.

A situação é tão grave que apenas nos dias 13 e 14 de novembro os satélites indicaram 404 focos de calor no Pantanal, ou seja, quase a média histórica do mês todo de fogo em tão-somente dois dias.

Esta onda de fogo em novembro no bioma ocorre na sequência de meses com número de queimadas muito abaixo dos padrões históricos. Os meses tradicionalmente de maior número de queimadas tiveram um reduzidíssimo número de focos de calor.

Agosto tem média histórica de 1.533 focos de calor, mas neste ano foram observados apenas 110. Em setembro, que tem a maior média mensal de queimadas com 2.163 focos, o número de focos neste ano foi de somente 373.

Pantanal enfrenta seca e calor sem precedentes

Assim como na grande onda de incêndios de 2020, quando em setembro daquele ano chegaram a ocorrer mais de 8 mil focos de calor, a chuva muito abaixo da média ajuda a explicar o elevado número de queimadas.

Em Cuiabá, a chuva acumulada na estação convencional do Instituto Nacional de Meteorologia entre os dias 1º de outubro e 14 de novembro foi de apenas 86,9 mm. A média histórica destes 45 dias seria de 220 mm.

Não bastasse, nestes 45 dias, a cidade de Cuiabá anotou 24 dias com máximas acima de 40ºC. Somente nos primeiros 14 dias de novembro, a capital do Mato Grosso teve dez dias com 40ºC ou mais. São nove dias seguidos com máximas de 40ºC. Cuiabá teve em outubro o dia mais quente de sua história de registros, que começou em 1911, com máxima de 44,2ºC.

Fogo e seca castigam os animais

Às margens da Transpantaneira, estrada de terra que atravessa o Pantanal, uma área que deveria estar completamente alagada foi reduzida a um pequeno lago. Alguns jacarés tentam nadar, enquanto outro já está sem vida fora da água. Dezenas de moscas voam sobre o cadáver em decomposição.

O cenário de destruição continua com um ouriço-cacheiro morto sobre um tapete de cinzas em uma área arborizada completamente carbonizada. “Provavelmente esse animal morreu com a inalação da fumaça”, disse Aracelli Hammann, veterinária do grupo de voluntários Grupo de resgate de animais em desastres (Grad).

Hammann está no Parque Estadual Encontro das Águas, uma das regiões mais afetadas do estado de Mato Grosso (centro-oeste), onde existe a maior concentração de onças-pintadas do mundo. De acordo com dados recolhidos pela ONG Instituto Centro de Vida (ICV), 32% da superfície do parque foi atingida pelas chamas que destroem a vegetação há mais de um mês.

Ambientalistas afirmam que as queimadas estão fora de controle em meio a uma onda de calor com dez dias seguidos de máximas acima de 40ºC e temperatura que à tarde atingem valores tão elevados quanto 43ºC a 44ºC | ROGÉRIO FLORENTINO/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Uma enorme coluna de fumaça na paisagem do Pantanal devido a um grande incêndio registrado em Porto Jofre, no estado do Mato Grosso, sob calor extremo e tempo muito seco. | ROGÉRIO FLORENTINO/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Bombeiros enfrentam o fogo dia e noite na tentativa de preservar o paraíso natural do Brasil, mas enfrentam a adversidade do tempo com baixa umidade, vento e calor em níveis extremos | ROGÉRIO FLORENTINO/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Carcaça de um jacaré morto ao ser alcançado pelas chamas que devastam áreas do Pantanal no estado do Mato Grosso no pior novembro de fogo da história do bioma brasileiro | ROGÉRIO FLORENTINO/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Colorido de uma pássaro em meio à paisagem carbonizada por uma grande queimada no estado do Mato Grosso durante a grave onda de incêndios que assola o Pantanal | ROGÉRIO FLORENTINO/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A outra importante frente de incêndio está no Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense. Quase um quarto de sua superfície foi queimada. A situação “está totalmente fora de controle, e está vindo de encontro com outro foco maior ainda. Com essa onda de calor e ventos fortes, com certeza vão piorar muito a situação”, lamenta Gustavo Figueiroa, biólogo e diretor de comunicação do instituto SOS Pantanal.

“Os impactos são tão grandes que é até difícil de mensurar. Apesar do Pantanal ser um bioma acostumado com o fogo (…) tem uma capacidade de regeneração natural, só que com essa intensidade, essa frequência [de incêndios], essa janela vai se fechando, acrescenta ele.

Segundo especialistas, estes incêndios são causados, sobretudo, pela ação humana, em especial por conta de queimadas para expandir terras agrícolas. Mas a situação se agravou no final deste ano devido à uma seca excepcional. “Vimos vários animais mortos, como insetos, répteis, anfíbios, pequenos mamíferos, que não têm capacidade de fugir.

Eles fazem parte de uma teia alimentar e a morte de cada animal causa um efeito dominó, até chegar no predador topo de cadeia, como a onça-pintada”, relatou o especialista. Em uma clareira na floresta, macacos correm atrás de bananas e ovos deixados por voluntários.

Com as chamas, os animais passam “pelo período da fome cinzenta, quando não tem oferta de alimento natural na área”, explica Jennifer Larreia, presidente da associação É o Bicho-MT. Durante os incêndios históricos que devastaram a região em 2020, sua ONG distribuiu 300 toneladas de frutas em cinco meses.

O Pantanal está localizado em uma região de mais de 170 mil km², ao Sul da Amazônia, e se estende por Brasil, Bolívia e Paraguai. De acordo com o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), este bioma abriga 656 espécies de aves, 159 mamíferos, 325 peixes, 98 répteis, 53 anfíbios e mais de 3.500 espécies de plantas.