Quem mora em Porto Alegre é testemunha do aqui se afirma. O odor e o aspecto da água na torneira estão distantes do ideal devido ao gosto de terra e o cheiro de terra. A alteração se deve a um fenômeno já característico do verão, sobretudo durante estiagens, na área do delta do Jacuí. Trata-se da grande proliferação de algas azuis ou cianobactérias no Lago Guaíba. O aspecto do Guaíba está lindo nestes dias (reprodução abaixo de Zero Hora), mas a bela imagem é um problema tanto para Porto Alegre como em Guaíba, onde também os moradores sofrem com alterações do odor e do aspecto da água.
Conforme o Dmae, o Departamento Municipal de Água e Esgotos de Porto Alegre, com o passar dos anos, a qualidade das águas do Lago Guaíba se deteriorou bastante por conta da poluição decorrente dos esgotos sem tratamento lançados nos rios que contribuem para a formação do Guaíba, além dos próprios dejetos da Capital. Os poluentes favorecem um grande desenvolvimento de algas azuis presentes no manancial, de onde são captados seis mil litros de água por segundo para a cidade de Porto Alegre. A transformação das águas é tão significativa que a alteração da cor do manancial, sobretudo na área mais próxima do Centro da Capital, é constatada até nas imagens de satélite de alta resolução.
O órgão municipal de água e saneamento da Capital esclarece que com a diminuição da chuva, a maior incidência de sol, a baixa turbulência da água e a alta temperatura se cria uma condição muito favorável à proliferação em grande quantidade dos organismos. As algas liberam as substâncias denominadas MIB e Geosmina, que causam o gosto e o cheiro característicos de terra na água que abastece a população. O Dmae, então, se vê obrigado a usar carvão ativado e dióxido de cloro, produtos cruciais para se reduzir o gosto e do cheiro na água.
A MetSul Meteorologia, por óbvio, não vai se aventurar a fazer previsão sobre quando a água irá melhorar em Porto Alegre, afinal existem fatores biológicos que não temos como prever, porém é possível fazer uma análise meteorológica do caso e que dão sustentação às explicações do órgão de saneamento. O regime de chuva está sim irregular, tem feito mais calor que a média e o número de horas de sol vem sendo alto.
Abril é mês, historicamente, menos chuvoso, mas já choveu mais da metade da média mensal de 86,1 mm com até 52,6 mm na estação do sistema Metroclima do bairro Navegantes. O problema é o baixo número de dias de chuva, o que resulta em mais horas de sol. Houve registro de precipitação no Jardim Botânico, na estação do Instituto Nacional de Meteorologia, em só 14 dos últimos 48 dias, sendo que em apenas seis a chuva superou 10 mm. Quanto à temperatura, o mês de março, inicialmente escaldante e muito frio no seu final, fechou com temperatura média na Capital de 23,5ºC (0,4ºC acima da normal). Já este abril está com média parcial de 21,9ºC ou 1,8ºC superior à média histórica.
Normalmente, em estiagens, a proliferação de algas ocorre no Guaíba nos meses quentes do verão como janeiro e fevereiro. O que, então, ocorreu para que o problema surgisse em pleno outono em 2012 ? A resposta é meteorológica e não biológica. Tenham sempre em mente que o Guaíba tem cinco grandes afluentes: Jacuí, Taquari, Sinos (alimentado pelo Paranhana), Caí e Gravataí. Logo, para a compreensão do fenômeno, deve se levar em conta a chuva não apenas ocorrida em Porto Alegre, mas também nas bacias dos rios que desembocam no delta do Jacuí.
O que ocorreu ? Porto Alegre teve chuva acima da média histórica em janeiro, fevereiro e março, quando grande parte do interior amargava estiagem. Em março, a maior parte das precipitações ocorridas no mês se deu em apenas uma manhã, durante o temporal do dia 14. Janeiro e fevereiro foram meses de chuva muito acima da média também na região da Serra, onde estão as nascentes de rios como Taquari, Caí e Sinos. Em março, diminuiu e muito a chuva na Serra e também no Litoral Norte, o que levou a uma baixa dos níveis dos principais rios afluentes e a uma menor vazão com também menor turbulência nas águas do Guaíba.
As duas imagens a seguir deixam muito claro o que está se tentando dizer. Nas imagens de satélite em alta resolução com realce dos cursos d’água nota-se que hoje é impossível distinguir os rios Caí, Sinos e Gravataí, sendo nítidos apenas o Taquari e o Jacuí que têm maior extensão entre as margens. Menos de um ano atrás, no dia de 11 agosto (imagem inferior) todos os afluentes eram facilmente distinguíveis à medida que se encontravam sob cheia.
O ano de 2012 começou com La Niña (imagem abaixo) e que já chegou ao fim, segundo a análise da MetSul e outros centros internacionais, apesar do americano NOAA insistir que ainda está presente e em fase final no Pacífico. Estudo exclusivo da MetSul sobre o regime de chuva nos anos de transição dos fenômenos La Niña para El Niño, como pode ser 2012, revela que existe uma alta probabilidade de chuva abaixo da média na maior parte do Rio Grande do Sul no trimestre março a maio. Em 2009, ano que começou com La Niña e mais tarde teve El Niño, abril foi o mais seco desde 1893 em Pelotas; 1929 em São Luiz Gonzaga, Bagé e Passo Fundo; 1974 em Santa Maria; 1978 em Santa Vitória do Palmar; 1981 em Uruguaiana; e 1982 em Bom Jesus.
Abril é o mês com menor índice histórico de chuva em Porto Alegre com média histórica de 86,1 mm (série 1961-1990), sendo seguido por maio com 94,6 mm. De fato, períodos secos nesta época do ano são comuns em Porto Alegre assim como problemas no Guaíba. Em 28 de março do distante 1912, há um século, o Correio do Povo noticiava: “tem baixado muito, nestes ultimos dias, as aguas dos rios Guahyba e Jacuhy. O vapor Porto Alegre, que, ante hontem, saiu de Santo Amaro, com destino a esta capital, encalhou no Jacuhy, proximo á villa do Triumpho. Por esse motivo, sómente chegou ao nosso porto ás 2 horas da madrugada de hontem”. Pesquisa da MetSul revela que no ano de 1912 choveu somente 35,1 mm em fevereiro e 35,2 mm em março na Capital, muito menos que agora, mas naquela época o Guaíba não estava poluído e algas não eram o problema.